O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No sexto texto “Um partido convertido: uma gênese do Republicanos” (p. 31-36), o doutorando em Ciência Política Gabriel Delphino analisa a participação político-eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Para isso, neste boletim, pretendeu-se
apresentar um breve panorama do partido político Republicanos em suas atuações e resultados eleitorais.

Confira o texto abaixo!

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Um partido convertido: uma gênese do Republicanos
Gabriel Delphino [38]

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 que tem por objetivo analisar a participação político-eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Para isso, neste primeiro boletim, pretendeu-se apresentar um breve panorama do partido político Republicanos em suas atuações e resultados eleitorais. Dessa forma, este artigo analisará como a história do partido foi, ao longo do tempo, atravessada pela da igreja, buscando compreender como a agremiação acaba por representar politicamente a instituição nos dias atuais. Para tal, foram utilizados dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral e informações da história dos partidos e figuras aqui tratadas, reunidas no acervo da FGV e em jornais da época.

Um novo momento evangélico: o neopentecostalismo

A virada neopentecostal ocorrida no interior do segmento evangélico pentecostal a partir dos anos de 1970 e 1980 marcam significativamente um novo momento religioso, social e político no país. Tal mudança, capitaneada especialmente pela figura de Edir Macedo e a Igreja Universal do Reino de Deus, vai significar, dentre outras questões, uma nova maneira de lidar com a política dentro da denominação: o afastamento da política é deixado de lado em direção à uma aproximação e participação direta por esses novos atores.

Considerando os últimos números eleitorais, que sinalizam um aumento do número de candidatos e eleitos evangélicos[39], pode-se afirmar que essa mudança produziu resultados frutíferos para o grupo religioso. Por vezes, a compreensão de um fenômeno desse tipo acaba sendo dificultada por inúmeros fatores, seja de acesso aos dados e informações relacionadas à igreja ou, até mesmo, tentativas de aproximação com esses segmentos fechados a pesquisadores.

Contudo, o intuito aqui será o de observar o início desse movimento, detalhando especialmente as ações da Igreja Universal nesse novo campo de disputas. Dada sua importância no cenário religioso, a transformação desse poder em poder político vem se consolidando a cada eleição que passa, tornando a IURD um ator central desse novo momento. Com isso veremos como o Republicanos, atual partido associado com a denominação, é criado e quais grupos políticos estão organizando esses movimentos.

A origem da política iurdiana

Para ter a dimensão histórica do partido é necessário retornar até o ano de 1985, ano de fundação do Partido Liberal (PL), precursor do atual Republicanos (REP). A origem do PL ocorreu por meio de uma cisão no Partido da Frente Liberal (PFL), capitaneada por Álvaro do Valle para conseguir acomodar melhor suas bases eleitorais concentradas no Sudeste, região onde o PFL não tinha tanta força.

O advogado, filósofo, diplomata e, então, deputado federal é um dos principais nomes a prestar atenção neste boletim. Eleito deputado estadual em 1962 pela Guanabara, Álvaro era um representante do Partido Democrata Cristão que migra para a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) a partir da instauração do bipartidarismo no país. Com o retorno das possibilidades de abertura de novos partidos, o advogado ingressou no PFL que, ao possuir divergências sobre os rumos do diretório regional, cinde e funda o já mencionado PL.

Dessa forma, destaca-se essa origem distante em um partido fundado por uma figura associada à igreja católica que, com a conjuntura, integra a base da ditadura militar e funda posteriormente seu partido. É também importante mencionar como o PL surge por uma divergência regional do PFL, fato que vai resultar em um desenvolvimento posterior especialmente nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, como será visto adiante.

O PL vai construir sua trajetória entre um remoto sucesso legislativo e vitórias graduais em eleições majoritárias, tendo um ponto inicial importante nos 239 prefeitos eleitos nas eleições municipais de 1988, cerca de 5,6% dos municípios do país[40]. Discursivamente, o partido se descrevia como uma oposição liberal, com críticas aos governos que declararam apoio, sendo esses os casos dos governos Sarney, Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Feito esse panorama inicial do PL, destacarei um pouco da trajetória do partido no Rio de Janeiro, visto que é o principal local de interlocução dele com a IURD. Um dos momentos de destaque ocorreu na eleição de 1992, no qual o partido não lançou uma candidatura própria à prefeitura do Rio de Janeiro para apoiar Cesar Maia, candidato do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e figura política histórica do estado.

Apoio esse que retornaria nas eleições municipais de 2000, agora com Maia representando o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Contudo, é nesse intervalo de oito anos que ocorre a expansão da atuação da IURD na política, sobretudo com a morte de Álvaro do Valle, a liderança do PL se divide entre Waldemar da Costa Neto, de São Paulo, e Bispo Carlos Rodrigues, do Rio de Janeiro e ligado à IURD.

Fundador da IURD e um dos principais articuladores da expansão da igreja pelo país e pelo exterior, é Rodrigues quem passa a articular toda a vertente político-partidária da Igreja Universal. Desde antes de ser eleito deputado federal, em 1999, já comandava a ala política da instituição, escolhendo os candidatos e a temática a ser abordada pelos mesmos em suas campanhas. Com a morte de Valle, Bispo Rodrigues realizou uma migração de evangélicos em direção ao PL, de forma a agrupar esses nomes no partido, em que a maioria são da Igreja Universal[41].

Sua liderança e seu cargo público seguem até o ano de 2004, quando vem a público seu envolvimento no escândalo do Mensalão, que o faz renunciar do posto político e acaba sendo desligado da Universal. Rodrigues, para além de Macedo, é possivelmente o principal nome inicial nessa incursão política da IURD, em especial por planejar candidaturas e apoios que obtiveram majoritariamente sucesso em 1998 e 2002.

O saldo desse primeiro momento é um bloco legislativo consolidado e crescente ao longo do tempo, seja nas assembleias municipais, estaduais ou mesmo no Congresso. Da mesma forma, esse momento é construído por apoios e indicações importantes, como as candidaturas presidenciais de Guilherme Afif nos anos 1980, os apoios e indicações de vice-prefeito a Cesar Maia, a eleição de Marcelo Crivella ao senado, pelo Rio de Janeiro, em 2002 e a indicação de José Alencar, vice-presidente eleito também em 2002.

Em um último ato antes de uma nova cisão, o PL ainda apresenta um crescimento de 32% nas eleições municipais de 2004, tornando-se a sétima agremiação em número de prefeituras. Ao mesmo tempo, lança o bispo da IURD Marcelo Crivella, sobrinho de Edir, à prefeitura do Rio de Janeiro, atingindo o segundo lugar com 21,83% dos votos[42], importante resultado para a denominação nesse processo de expansão.

Nesse movimento, o núcleo evangélico-pentecostal do partido que vinha obtendo resultados eleitorais positivos vem a cindir novamente o partido, no ano de 2005, fundando o Partido Republicano Brasileiro (PRB). Fundado como Partido Municipalista Renovador (PMR) em 2003, só obtém o registro oficial em 2005 e muda de nome em sugestão de um de seus fundadores, José Alencar.

A partir desse ponto, a Igreja Universal passa a ter um maior comando sobre a agremiação, sendo preponderante até os dias atuais. Em seus apoios, o PRB compôs a base governista dos governos Lula (2006-2010), Dilma Rousseff (2010- 2016), Michel Temer (2016-2018) e é, atualmente, parte da base de Jair Bolsonaro (2018-). Em desempenhos notáveis, destacam-se a expansão legislativa do partido, elegendo 1, 8, 21 e 30 deputados federais nas últimas quatro legislaturas[43]. Também se destaca a candidatura de Marcelo Crivella à reeleição ao Senado pelo Rio de Janeiro em 2010 e à prefeitura da cidade, conquistada em 2016.

Agora sob a liderança do bispo Marcos Pereira, da IURD, esse novo momento é o que reside até os dias atuais, apesar da mudança de nome para Republicanos posteriormente. Eleito por unanimidade em 2011, Pereira é o presidente do partido que busca imprimir politicamente as intenções da IURD no espaço público, sendo outro ator central a ser observado nesses boletins.

Conclusão

Sendo assim, percebe-se que o Republicanos surge de um anseio de um grupo político determinado que surge no contexto carioca no período da redemocratização. Ao passo que, nesse contexto, as filiais da IURD se espalham pelas periferias da cidade, a incursão política da igreja se dá por meio do Partido Liberal, atingindo um sucesso significativo até a cisão em direção ao partido próprio. Dessa forma, deve ser ressaltado que a presença de evangélicos na política não é repentina, mas sim resultado de um esforço gradual que as denominações fizeram ao longo do tempo, especialmente a IURD. Compreender essas disputas e construções de narrativas desses atores anteriormente destacados parece um bom ponto de continuidade para as próximas pesquisas, sobretudo visando as eleições de 2022.

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[38] Doutorando em Ciência Política (IESP-UERJ) e licenciando em Ciências Sociais (UFRJ).

[39] Em especial, os evangélicos formam a maioria dos candidatos com identidade religiosa eleitos em 2020 em todas as capitais, exceto São Paulo e Salvador. Ver mais em: https://religiaoepoder.org.br/artigo/iser-divulga-resultados-da-pesquisa-sobre-candidaturas-comidentidade-religiosa-nas-eleicoes-municipais-de-2020/

[40] http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-liberal-pl

[41] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0410200108.htm]

[42] http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-liberal-pl

[43] https://www.camara.leg.br/deputados/bancada-na-eleicao

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