O Boletim #8 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No oitavo texto “Sem terra na Câmara e nas Assembleias: o perfil das candidaturas do MST”, o advogado e mestrando em Sociologia Política Victor David mapeia as candidaturas a deputado estadual e federal lançadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacando as que foram eleitas.

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Sem terra na Câmara e nas Assembleias: o perfil das candidaturas do MST
Victor Escobar David[89]

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo mapear as candidaturas a deputado estadual e federal lançadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacando as que foram eleitas. Para isso, neste oitavo boletim, buscou-se verificar na imprensa e nas plataformas da Justiça Eleitoral quais são estes candidatos e traçar um perfil médio, identificando estado, partido, gênero, idade, grau de escolaridade, estado civil, profissão e histórico no movimento, com a elaboração de uma planilha para sistematizar tais dados. Com isso, será possível comparar o perfil médio dos candidatos e dos eleitos pelo MST com o perfil médio do parlamentar brasileiro.

Introdução: O MST e as eleições

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surgiu em 1984, em Cascavel-PR, com a intenção de se consolidar um movimento camponês nacional após diversas ocupações de terra ocorridas no final dos anos 70 e no início dos anos 80, em plena ditadura civil-militar, em especial o acampamento Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul, em 1981. O movimento foi fundado com três objetivos: lutar pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais no país[90]. Atualmente, está presente em 24 estados e que 450 mil famílias conquistaram terras a partir do movimento.

Em novembro de 2021, o jornal Valor Econômico noticiou que o MST estaria organizando o lançamento de candidaturas a deputado em ao menos 15 Estados[91], com o intuito de disputar o campo institucional em decorrência do avanço conservador vivido sob o governo Jair Bolsonaro (PL) e o retrocesso na pauta da reforma agrária, bem como para renovar a política, com a leitura de que os parlamentos estaduais e federais não representariam a diversidade do povo brasileiro[92]. Dentre os retrocessos, houve uma tentativa do Governo Federal de criminalizar o MST[93] através de mudanças na Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) e o prosseguimento da política de reforma agrária que começou com o governo Michel Temer (2016-2018), duramente criticada pelo movimento, que consiste na titulação de terras em vez de aportes e investimentos em novos assentamentos para a reforma agrária. Com isso, muito se falou dessa iniciativa histórica e inédita do MST em lançar candidatos[94]. No entanto, o ineditismo se dá apenas se for considerado que o movimento lançará candidatos em bloco, já que lideranças ligadas ao MST já se candidataram anteriormente e inclusive foram eleitas. Nas próprias eleições de 2022, dois dos 15 candidatos lançados pelo MST concorrem à reeleição como deputado federal, por exemplo. Além disso, como movimento popular, o MST nunca se manteve neutro nas eleições, já que historicamente apoiou partidos políticos e candidatos nas eleições. A diferença é que nestas eleições buscou a via direta de representação, o que foi alcançado com a eleição de sete candidatos[95].

Mapeando os candidatos e traçando um perfil das candidaturas:

Com a identificação das candidaturas, foi realizado um levantamento dos dados dos candidatos através plataforma Divulgacand da Justiça Eleitoral a fim de traçar o perfil das candidaturas levando-se em conta gênero, idade, cor, estado civil, grau de instrução, ocupação e histórico no movimento. Tais dados são verificados na planilha Candidaturas do MST[96].

Foram, no total, 15 candidaturas[97], sendo sete para deputado federal e oito para deputado estadual, 14 pelo Partido dos Trabalhadores e uma pelo PCdoB, que faz parte da coligação Brasil da Esperança, em 12 Estados diferentes. Dessas candidaturas, seis são do Nordeste, com duas na Bahia e uma nos estados do Maranhão, Sergipe, Ceará e Pernambuco; quatro no Norte, com duas candidaturas em Rondônia e uma em Roraima e Tocantins; duas no Centro-Oeste, com candidatos em Goiás e Distrito Federal; duas na região Sul, com dois candidatos no Rio Grande do Sul; e apenas uma candidatura do Sudeste, com uma candidata a deputada estadual no Rio de Janeiro. Como se percebe, os únicos Estados onde há mais de um candidato são Rio Grande do Sul, Bahia e Rondônia.

Na questão de gênero, observou-se que não houve uma paridade, havendo uma preponderância de candidatos do gênero masculino, com 11 candidatos, enquanto apenas 4 são mulheres. Destaca-se que uma das candidaturas registradas como masculina no TSE é Ruth Venceremos, candidata a deputada federal no Distrito Federal. Ruth é a drag queen de Edivan Hilário dos Santos, 38 anos, pedagogo, militante do MST e coletivo LGBT Distrito Drag, que o fez receber o prêmio de Direitos Humanos do Governo do Distrito Federal em 2019.

Quanto à questão de cor/raça, há uma maioria de pretos e pardos, com dez candidatos, enquanto cinco são brancos. Um ponto interessante é que das quatro mulheres candidatas, três se declaram negras e uma se declara parda, havendo uma relação intrínseca entre gênero e cor nas candidaturas femininas do MST. Quanto aos candidatos, uma metade é preta ou parda e a outra metade é branca, dentre eles os dois candidatos do Rio Grande do Sul. Outro candidato que se declara branco é João Daniel, candidato a deputado federal pelo Sergipe, mas que é natural de Santa Catarina e que chegou ao estado, que é o maior em proporção de número de assentamentos, através de atividades de coordenação do MST.

Um dado interessante é que, como quase todos os candidatos são de família sem-terra, muitos deles são imigrantes, ou seja, saíram de sua terra natal em busca de oportunidades em outros estados. Com isso, é possível perceber que muitos candidatos não são naturais dos estados pelos quais concorrem. Vânia do MST, candidata a deputada federal pelo Maranhão, é natural da Paraíba. Valdir do MST, candidato a deputado estadual por Goiás, é natural do Rio Grande do Sul. Ruth Venceremos, do Pará. Lula do Assentamento, candidato a deputado estadual por Rondônia, viveu até os 22 anos no Espírito Santo.

É relevante pontuar a candidatura de Lula do Assentamento, que utiliza uma informação relativa ao histórico do movimento em seu nome de urna. Ao analisar todas as candidaturas, dos 15 candidatos, cinco utilizam o MST no nome, que são: Vânia (MA), Valdir (GO), Missias, Lucinha (BA) e Marina (RJ), consistindo numa mensagem clara ao eleitor de que são candidatos do movimento. Os candidatos mais conhecidos, por já terem mandato ou histórico político, não mencionam o MST no nome de campanha. Este é o caso dos deputados Valmir Assunção (BA), João Daniel (SE) e de Adão Pretto, filho do ex-deputado federal Adão Pretto (PT-RS), falecido em 2009, que foi um dos fundadores do MST e militante pela reforma agrária[98].

Por falar dos deputados que têm mandato e concorreram à reeleição, verificamos também que eles são a exceção entre os candidatos, já que a maioria concorre pela primeira vez a um cargo eletivo. Além desses dois já citados, Lula do Assentamento (RO) é vereador do município de Alto Alegre dos Parecis (RO), Adão Pretto Filho (RS) foi vereador do Município de Viamão (RS), Macrón (RS) já foi deputado federal por dois mandatos, Antônio Marcos (TO) já concorreu a deputado estadual outra vez e João Abelhão (RO) disputa sua quarta eleição. Os outros oito candidatos estão estreando nas urnas.

Quanto ao perfil etário, a maioria composta por dez candidatos está na faixa de 50 a 60 anos. Quatro candidatos estão na faixa dos 37 aos 42 anos. O mais velho Job Martins (RO) possui 62 anos e a mais nova, Rosa Amorim (PE), tem 25 anos. Ela é filha de acampados e assentados e nasceu em um acampamento do MST, estudante universitária, negra e lésbica. Quanto ao estado civil dos candidatos, sete são solteiros e oito são casados.

Os dados que abarcam maiores diferenças entre os candidatos são de escolaridade e ocupação: oito possuem ensino superior, sendo seis com superior completo e dois com superior incompleto; um candidato possui ensino médio completo; cinco candidatos têm ensino fundamental completo e apenas um incompleto. Já nos dados profissionais: cinco são agricultores, três são parlamentares, um é técnico em agronomia, uma é professora universitária, uma é estudante, um é pedagogo e outros três não declararam profissão.

As candidaturas eleitas

Nas eleições de 2022, o MST elegeu sete candidatos, sendo três deputados federais e quatro estaduais. Foram dois eleitos pelo no Rio Grande do Sul, Adão Pretto e Macron, como deputados estadual e federal respectivamente; quatro no Nordeste, com Rosa Amorim como deputada estadual em Pernambuco, Missias do MST como deputado estadual pelo Ceará, Valmir Assunção reeleito deputado federal na Bahia, assim como João Daniel em Sergipe; e uma no Sudeste, Marina do MST, a única candidata lançada na região, que foi eleita deputada estadual pelo Rio de Janeiro.

Traçando o perfil dessas candidaturas, temos uma maioria de homens (cinco), casados (cinco), com ensino superior (quatro, enquanto dois possuem ensino fundamental e um concluiu o ensino médio), com média de idade de aproximadamente 45 anos, com ligeira maioria branca (quatro se declaram brancos e três são pretos ou pardos), assim como do Nordeste, que também foi a região que mais lançou candidatos. Dessa forma, o perfil dos eleitos corresponde ao perfil médio de todas as candidaturas. Portanto, acredita-se que a estratégia do MST de lançar candidaturas próprias através da Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) foi acertada, já que conseguiu eleger candidatos que reforçarão a pauta da reforma agrária nas casas legislativas. Tal sucesso pode estar relacionado com o aumento da bancada do PT a nível federal[99] e nos estados em que esses candidatos foram eleitos[100].

Conclusão

Conforme demonstrado, no geral, percebe-se que o perfil médio dos candidatos do MST é masculino, negro, do Norte ou do Nordeste, na faixa etária de 50 anos, com ensino superior e disputando eleições pela primeira vez. Em alguns aspectos, a questão da identidade dos candidatos eleitos pelo MST pode até se aproximar do perfil do deputado brasileiro padrão101, pelo menos no que se refere a gênero, idade e escolaridade. No entanto, a questão da identidade não pode ser vista de maneira estática, já que o maior pertencimento de todos esses candidatos é de integrar um dos movimentos sociais mais importantes do país, defendendo a pauta da reforma agrária e, pela primeira vez, através de uma federação de esquerda, elegendo deputados próprios para ocupar Assembleias Estaduais e a Câmara dos Deputados.

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[89]  Advogado, pós-graduado em Direito Eleitoral pela PUC/MG e mestrando em Sociologia Política pelo IUPERJ/UCAM. É integrante do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM) e bolsista do Observatório Político e Eleitoral (OPEL).

[90] Informações obtidas no site institucional do MST. Disponível em: https://mst.org.br/nossa-historia/70-82/

[91] https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/11/08/mst-organiza-lancamento-de-candidaturas-a-deputado-em-15-estados-e-distrito-federal.ghtml

[92] https://www.brasildefato.com.br/2022/03/21/mst-entra-na-disputa-eleitoral-para-combater-o-bolsonarismo-e-a-bancada-ruralista

[93] https://www.brasildefato.com.br/2022/04/03/tentativa-de-criminalizar-movimentos-por-meio-da-lei-antiterrorismo-nao-acovarda-mst

[94] https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2022/03/17/em-estrategia-inedita-mst-vai-lancar-dez-candidatos-a-deputado.htm

[95] https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/10/mst-elege-sete- parlamentares-e-passa-o-mbl-na-camara-e-em-assembleias-estaduais.ghtml

https://docs.google.com/spreadsheets/d/1cOe6VTrgx4ec-5KTvo4buLoGPu- nSNRooKZClvMn41Y/edit#gid=0[96]

[97] Embora o site do MST apresente uma listagem das candidaturas no site com 14 candidatos, outras fontes, como a Rede Brasil Atual, apresenta mais uma candidatura, a de deputado federal de João Abelhão, em Rondônia, pelo PC do B. É um agricultor, com histórico político e assentado da reforma agrária. Já foi citado no site do MST como militante do movimento, preso injustamente em uma ocupação em Rondônia em 2019. Disponível em: https://mst.org.br/2022/08/23/luta-pela-terra- conheca-os-candidatos-do-mst-nessas-eleicoes/ e https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2022/09/mst-lanca-contraofensiva-ao-bolsonarismo-com- 15-candidaturas-proprias-nestas-eleicoes/

[98] “Semana Adão Pretto celebra memória do deputado, um dos fundadores do MST”. MST, 2015. Disponível em: https://mst.org.br/2015/12/11/semana-adao-pretto-celebra-memoria-do-deputado-um-dos-fundadores-do-mst/.

[99] “Câmara: PL elege a maior bancada em 24 anos; PT cresce”. Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/pl-de-bolsonaro-elege-ao-menos-99-deputados-maior- bancada-em-24-anos-pt-tambem-cresce.shtml

[100] No Rio de Janeiro, o PT elegeu 4 deputados estaduais em 2018 e 7 em 2022. No Rio Grande do Sul, 8 em 2018 e 11 em 2022. No Ceará, 4 em 2018 e 8 em 2022. Em Pernambuco, o PT manteve dois deputados estaduais nas eleições de 2018 e 2022.

[101] “Perfil médio do deputado federal eleito é homem, branco, casado e com ensino superior. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/21/perfil-medio-do-deputado-federal-eleito-e-homem-branco-casado-e-com-ensino-superior.ghtml

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