Segundo dia do Seminário discute o futuro da universidade no Brasil

Na manhã do dia 30/10 ocorreu, na Câmara dos Deputados, o segundo dia do seminário  “O papel da universidade pública no desenvolvimento da ciência e tecnologia, da educação e do conhecimento”. O seminário foi realizado pelas Comissões de Educação e de Ciência e Tecnologia da Câmara e é fruto da iniciativa comum entre o Observatório do Conhecimento e da Frente Parlamentar Mista em Defesa e pela Valorização das Universidades Federais. 

A mesa do terceiro painel intitulado “Perspectivas para as universidades brasileiras” foi presidida pela deputada Margarida Salomão e composta pelos professores Edward Madureira Brasil, reitor da Universidade Federal de Goiânia (UFG) e Vice- Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Fernanda Antonia da Fonseca Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e Carlos Alberto Marques, professor da UFSC, presidente da APUFSC, e membro do comitê executivo do Observatório do Conhecimento. 

Edward Brasil começou por apresentar e contextualizar a história da Andifes, que esse ano comemora 30 anos. A associação participou da elaboração de algumas políticas públicas que embasam o atual sistema nacional de ensino superior. A Andifes teve importante participação na formulação da LDB e do PNE. Foi com o plano de expansão e ampliação das universidades brasileiras, entretanto, que a associação assumiu seu protagonismo, apresentando em 2003, ao governo federal, o REUNI, implementado em 2007. O REUNI mais do que dobrou o tamanho da rede de ensino superior pública no Brasil, expandindo e descentralizando a produção de conhecimento no país. A Andifes participou também do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAS) que atualmente funciona por decreto (tramita no Congresso um projeto de lei para instituí-lo), e no Programa de Apoio à Pós-graduação das Instituições Federais  de Ensino Superior (PAPG) que não avançou, assim como outros programas para as universidades que não vêm encontrando canais de diálogo com o governo federal para serem implementados. 

O reitor da UFG salientou ainda que a rede de universidades federais, que atualmente contam com 334 campus, tem papel fundamental na redução de desigualdades regionais. A expansão da rede de ensino superior contribuiu para que o Brasil passasse da 23a para 13a posição no ranking internacional. “Seria insano prescindir dessa rede” afirmou Madureira Brasil, que reconheceu que as universidades federais estão atualmente sofrendo diversos ataques que incluem, mas não se resumem, às restrições orçamentárias.  O vice-presidente apresentou gráficos mostrando a força de trabalho representada por professores e técnicos, a maioria deles altamente qualificados com mestrado e doutorado.

Fernanda Antonia da Fonseca Sobral, vice-presidente da SBPC, salientou o impacto sócio-econômico da universidade, que muitas vezes, em parceria com institutos de pesquisa e empresas desenvolvem produtos que são fundamentais para a sociedade.

A professora enfatizou também a importância das áreas das ciências humanas e sociais na elaboração de políticas públicas voltadas para a redução de desigualdades e desenvolvimento econômico e social.

Fernanda Sobral apresentou dados de rankings dos últimos dois anos como o Times Higher Education (THE) e o ranking da Folha de São Paulo que mostram as universidades públicas são as melhores do Brasil.

A professora apresentou também dados do resultados do ENADE de 2018, que mostram as universidades públicas têm as maiores notas, no exame nacional que avalia os cursos de graduação.

Apesar de terem sua excelência reconhecida, as universidades públicas vêm sendo atacadas com restrições cada vez maiores dos orçamentos da educação, da ciência, tecnologia e inovação, como demonstrou a vice-presidente da SBPC através de diversas fontes. Entre elas, pesquisa do Prof. Carlos Henrique Brito Cruz sobre orçamento das principais agências de fomento Capes, CNPq e FINEP mostra uma queda brutal do orçamento no último ano, fato que compromete terrivelmente o sucesso do desenvolvimento social, científico e tecnológico que vinha sendo adquirido através das políticas de incentivo das três agências. Segundo Fernanda Sobral, esse sucesso se deveu, em grande parte, ao fato de que Capes, CNPq e Finep atuaram separadamente nos últimos anos, cada uma exercendo sua função.

A professora encerrou sua fala apresentando os desafios para as universidades para o futuro, que devem ser encarados, apesar da difícil situação orçamentária. Os desafios passam pela conjugação entre futuro, presente e passado, dando atenção à necessidade de internacionalização concomitante à importância de atender demandas regionais e por vezes emergenciais e não abandonar o legado que vem do passado. Desafios que a universidade pública não poderá atender sem recursos, daí a gravidade do momento atual.

Por fim, o professor Carlos Alberto Marques, membro do comitê executivo do Observatório do Conhecimento, começou apresentando o Observatório enfatizando sua missão: defender o conhecimento científico e o lugar onde é produzido no Brasil: a universidade pública. 

Para que a defesa seja efetiva, afirma o professor, é preciso garantir o financiamento público, as condições para o exercício crítico e atuação plena em todas as áreas do conhecimento, enfrentar a questão da autonomia universitária, (através da regulamentação do artigo 207 da Constituição Federal)  e defender os professores pesquisadores priorizando um modelo de docência em que vigorem a liberdade de cátedra, a estabilidade e a valorização do trabalho. 

Além da regulamentação, a autonomia universitária só estará assegurada através de orçamentos garantidos para a realização da pesquisa, arrematou Marques: “sem financiamento não há autonomia” – o PL que tramita na Câmara sobre autonomia precisa tratar da questão orçamentária. Nesse sentido, as perspectivas para a universidade, tomando como parâmetro o atual governo, são muito ruins, inseridas em um contexto de avanço do populismo político a serviço de uma economia ultraliberal no qual “deslegitimar a ciência parte de uma estratégia de poder para a manutenção de um sistema econômico em crise”. O programa Future-se do governo federal atenderia a essa demanda, reduzindo o trabalho acadêmico a uma prestação de serviços, aumentando a dependência do Brasil e ameaçando a soberania nacional. Nosso governo ataca ao mesmo tempo a ciência e as instâncias de participação democrática, afirma o professor da UFSC.

Carlos Alberto Marques refletiu ainda sobre o modelo de universidade vigente no Brasil, fundamentado a partir do tripé ensino, pesquisa e extensão, mas se adaptando às circunstâncias políticas e contingências históricas do país. O governo vem tutelando a universidade pública brasileira através de uma tutela financeira que coloca limites à autonomia seja na demanda por produtividade , para que cumpra o papel de formação profissional, ou, como vemos atualmente no governo Bolsonaro, por questões ideológicas. Segundo o presidente da APUFSC, o Congresso Nacional tem um papel a cumprir na garantia da autonomia universitária, para que seja possível pensar em qual o melhor modelo de universidade para o Brasil, priorizando a pesquisa, fundamentada pela criatividade e pela liberdade, comprometida com um projeto soberano de nação e em diálogo com a sociedade por meio da extensão. Esse projeto não se concretiza sem um vigoroso programa de pesquisa e inovação, concluiu o Prof. Carlos Alberto Marques. 

O deputado Tedi Conti  perguntou aos palestrantes como o Brasil poderia aumentar o número de patentes brasileiras, que configurariam apenas 0,8% das novas tecnologias no cenário mundial, contribuindo para a desindustrialização. Perguntou também sobre o silêncio do Inpe diante do vazamento de óleo nas praias do Nordeste.

Como resposta à primeira pergunta, o professor Edward Brasil afirmou que há um divórcio histórico no Brasil entre o segmento técnico-científico e o segmento industrial, que vem mudando de alguns anos para cá, ainda que sigam existindo barreiras legais e culturais. Esse processo de mudança está ameaçado com a restrição dos recursos da Capes, do CNPq e da FINEP, no entanto.

Também respondendo a Conti, a deputada Margarida Salomão enfatizou a relevância e a contundência do seminário para apresentar a importância da universidade para a sociedade brasileira: as universidades são pólos de desenvolvimento regional, de inovação e de solução de problemas e as exposições ajudam a desconstruir a narrativa do atual governo que acusa a universidade pública de não fazer inovação, nem parceria com o setor privado. Nosso sistema produtivo é que seria, segundo a deputada, muito pouco inovador, dificultando que as universidades estabeleçam parcerias. A professora Fernanda Sobral concordou que o problema está no setor produtivo, já que assistimos a uma desindustrialização e à financeirização da economia. A vice-presidente da SBPC afirmou também que o INPE e o Ministério do meio ambiente não estão sendo autorizadas a falar sobre o vazamento  de óleo no Nordeste e as universidades estariam à frente no combate ao desastre pois têm mais autonomia. 

Em suas considerações finais o professor Carlos Alberto Marques disse que a crise do momento atual é uma oportunidade de repensar o modelo de universidade, tomando o Brasil como parâmetro. O Future-se é a morte da universidade, segundo Marques, pois a pesquisa precisa ser financiada por recursos públicos que não visem apenas o lucro e assumam riscos sem os quais é impossível inovar.

Margarida Salomão voltou a enfatizar o desejo de que as falas do seminário se transformem em publicação orientando a formulação de políticas públicas para o setor.

Veja o relato dos painéis do dia 29:

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