O Boletim #10 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No sétimo texto “Recordes de candidatos eleitos autodeclarados indígenas: a bancada do cocar e o fenômeno bolsonarista” (p. 36), a graduanda em Ciências Sociais Raíssa Farias apresenta as candidaturas indígenas eleitas ligadas à Campanha Indígena mobilizada pela APIB.

Confira o texto abaixo!

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Recordes de candidatos eleitos autodeclarados indígenas: a bancada do cocar e o fenômeno bolsonarista
Raíssa M. A. de Farias[48]

Resumo

O presente boletim possui o objetivo de apresentar as candidaturas indígenas eleitas ligadas à Campanha Indígena mobilizada pela APIB. Dessa forma, foi observado o quantitativo de votos recebidos por essas candidaturas. Além disso, as eleições deste ano promoveram o esboço da bancada do Cocar no Congresso Nacional, elegendo duas candidatas compromissadas com a Campanha Indígena. Ao todo, foram eleitos dez candidatos autodeclarados indígenas. Entre esses, expõe-se um novo fenômeno: o aumento de candidaturas indígenas de direita. Com isso, foram mapeadas as propostas governamentais dos indígenas eleitos apoiadores de Jair Bolsonaro. Como fonte para a pesquisa, foram utilizados o Uol, o site da Câmara Legislativa, o G1, Jornalistas Livres, Amazônia Real, Brasil de Fato, CNN Brasil, o site do TSE e, por fim, o Instagram.

Candidatas indígenas eleitas ligadas à Campanha Indígena

Em abril, foi realizada a 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), considerada a maior dos últimos anos. Essa reunião, realizada anualmente desde 2004 pelos movimentos sociais dos povos originários, organizou pela primeira vez um debate acerca de candidaturas indígenas, com o objetivo de eleger uma bancada originária e “aldear a política”. A partir disso, foram lançadas, por meio da Campanha Indígena mobilizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), cerca de 30 candidaturas que representaram 31 povos originários. Nesse total, 12 disputaram os cargos de deputado federal e 18, os cargos de deputado estadual.

As eleições deste ano registraram um aumento no número de candidaturas autodeclaradas indígenas em comparação com o pleito de 2018. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), elas passaram de 133 para 186 neste ano e, notadamente, houve um crescimento de 40% dessas candidaturas. Em vista disso, nota-se uma ascensão das mulheres indígenas, que tiveram um crescimento em suas candidaturas ainda mais significativo: de 49 em 2018 para 84 neste ano.

Devido ao crescimento de candidaturas e à campanha assídua para a inserção permanente dos indígenas em cargos políticos, a votação de candidatos dos povos originários alcançou seu recorde em 2022. Pela primeira vez na história do Brasil, dez candidatos autodeclarados indígenas foram eleitos, o maior número já registrado. Até então, os registros eram de somente três indígenas eleitos: Mário Juruna (PDT-RJ), em 1982; Joênia Wapichana (Rede-RR), em 2018 e Hamilton Mourão (Republicanos), também, em 2018.

A deputada federal, primeira mulher indígena eleita, Joênia Wapichana, não conseguiu se reeleger ao Congresso Nacional no pleito vigente. Ela obteve 11 mil votos pela Rede e, apesar desse número ser maior do que quatro anos atrás, não foi o suficiente para atingir o quociente eleitoral. Entretanto, duas candidatas da Campanha Indígena foram eleitas à Câmara Federal neste ano: Sônia Guajajara (PSOL-SP), coordenadora da APIB, e Célia Xakriabá (PSOL-MG)[49]. Guajajara foi eleita pelo estado de São Paulo com 156.695 votos, enquanto Xakriabá se elegeu em Minas Gerais com 101.078 votos[50]. De maneira geral, os 30 candidatos ligados à Campanha Indígena obtiveram um número significativo de votos que, somados, totalizaram cerca de 500 mil[51]. Dessa forma, o movimento indígena foi exitoso ao ampliar a presença indígena no Congresso Nacional.

Povos originários impedidos de exercer sua cidadania

Embora tenha sido destacada a quantidade de votos que as candidaturas originárias receberam, alguns indígenas, que poderiam auxiliar nesse somatório, foram impedidos de votar. O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) apura uma denúncia de que indígenas teriam sido ameaçados por homens armados e impedidos de votar no primeiro turno, na região de uma aldeia do município de Prado, localizada no extremo sul da Bahia. O índice de abstenção em Prado neste ano foi de 27,77%[52]. Na Terra Indígena Parakanã, situada no Pará, aproximadamente 500 eleitores não conseguiram votar no segundo turno por ameaças às suas vidas ou pela ausência de transporte[53]. Na Terra Indígena Xingu, também no segundo turno, 600 pessoas de seis etnias denunciaram o prefeito bolsonarista Fernando Gorgen por suspender o transporte público para aproximadamente nove aldeias. Isso, segundo o relato do Cacique Siraium Kayabi da aldeia Ilha Grande, impediu a comunidade indígena de votar em Querência, no Mato Grosso do Sul[54].

Indígenas eleitos sem a participação da Campanha

Apesar da visibilidade que a APIB proporcionou às candidaturas indígenas por meio de sua Campanha, oito delas foram eleitas sem sua participação: três deputados federais, dois estaduais, dois senadores e um governador.

Assim, as duas representantes do movimento indígena, Guajajara e Xakriabá, compartilharão o Legislativo Federal com outros três candidatos também autodeclarados indígenas. Pelo Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleita Juliana Cardoso (SP) e Paulo Guedes (MG) . Além deles, a bolsonarista Silvia Waiãpi (PL-AP) também integrará a Câmara dos Deputados. Vale ressaltar que Waiãpi possui proximidade com a senadora Damares Alves (Republicanos), atual Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro.

No Senado, dois parlamentares eleitos se autodeclararam indígenas: Wellington Dias (PT-PI) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). O último citado, atual vice- presidente, foi acusado de racismo por entidades da sociedade civil após declarar, em 2018, que herdou a “indolência” dos indígenas e a “malandragem” dos africanos.

Foram eleitos para o cargo de deputado estadual dois bolsonaristas registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como indígenas. No Rio de Janeiro, foi eleita Amanda Brandão Armelau (PL), a qual divulgou sua candidatura como “Índia Armelau”. E, no Espírito Santo, o policial militar Lucinio Castelo de Assumção (PL), sob o cognome “Capitão Assumção”, foi reeleito. Em 2018, ele se declarou branco no TSE[55].

No poder executivo, encontra-se o candidato a governador pelo estado da Bahia e autodeclarado indígena, Jerônimo Rodrigues (PT). Eleito no segundo turno das eleições com 52,79% dos votos válidos, governará no quarto maior colégio eleitoral do país pela primeira vez. Seu vice é Geraldo Júnior (MDB-BA), presidente da Câmara Municipal de Salvador[56].

O crescimento de indígenas bolsonaristas e suas propostas governamentais

Observa-se que as candidaturas indígenas se concentram, majoritariamente, em partidos de esquerda e centro-esquerda. Em 2014, sob os parâmetros do pleito nacional, foram registradas 85 candidaturas autodeclaradas indígenas. Dessas, 15 eram filiadas ao PT, 12 ao PC do B e 12 ao PSOL[57]. No ano de 2018 foram contabilizadas 133 candidaturas indígenas, sendo 27 candidaturas pelo PSOL, 14 pelo PT, 10 pelo Rede- Sustentabilidade e 9 pelo PC do B[58]. Em 2022, foram totalizados cerca de 186 candidatos, o PSOL teve 25 candidatos autodeclarados; o PT, 22; a Rede Sustentabilidade, 19 e o PDT, 14. Há, também, neste ano, o registro de 13 candidaturas dos povos originários pelo Partido Liberal (PL), considerado um partido polítco de direita que abriga Jair Bolsonaro[59]. Destaca-se que, no pleito nacional de 2018, quando o Partido Liberal ainda era denominado Partido da República (PR), houve apenas uma candidatura indígena filiada. Dessa forma, pode-se afirmar que é a primeira vez que um partido de direita obtém um número significativo de candidatos originárias em eleições de caráter nacional.

De um modo geral, os candidatos indígenas de partidos de esquerda, eleitos ou não, focalizam suas propostas de governo na preservação do meio-ambiente e biodiversidade, na luta pelos direitos dos povos originários e minorias sociais. Contudo, quais são as propostas governamentais das candidaturas originárias de direita e bolsonarista?

Há uma certa dificuldade em mapear os planos de governo de Silvia Waiãpi, visto que a ex-Secretária da Saúde Indígena do governo Bolsonaro não as explicita em suas plataformas digitais. Em seu instagram, a qual possui a foto de perfil com o atual presidente da República, Silvia realiza uma campanha assídua para Bolsonaro e expõe interesses equivalentes. Fisioterapeuta, evangélica e política brasileira, a candidata afirma firmemente ser contra a descriminação do aborto e a favor da família[60]. Vale ressaltar que a candidata recentemente foi acusada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) por ter utilizado, supostamente, a verba do Fundo Eleitoral para custear um procedimento de harmonização facial. O caso segue em aberto[61].

O general da reserva do Exército Brasileiro, Hamilton Mourão, apresenta, também, em seu Instagram, dez ideias como proposta de governo para os gaúchos. São elas: uma economia forte, pautada na política econômica do ministro Paulo Guedes; garantia da manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS) e a valorização de seus profissionais; ampliação das escolas cívico-militares e apoio aos professores na retomada pós-pandemia; poder para o agronegócio e infraestrutura, tecnologia e crédito para quem trabalha no campo; ampliação e modernização da infraestrutura para integrar o RS ao Brasil e aos demais países vizinhos; valorização dos profissionais na área de segurança e liberdade para o posse de armas aos cidadãos de bem; reforma política; reforma no STF; reformas tributárias e administrativas; e por fim, defesa da família, da propriedade privada e da liberdade religiosa[62].

A professora conservadora e empresária “Índia” Armelau, em sua campanha no Instagram, declara também defender a família, ser antifeminista e contra o vitimismo. Além disso, declara ser patriota, lutar pela inocência das crianças contra a “ideologia” de gênero, ser a favor das armas para os cidadãos de bem e favorável à polícia[63].

Nota-se que os candidatos originários de direita, sobretudo os bolsonaristas, não possuem projetos pautados na defesa ambiental e na biodiversidade, assim como não apresentam preocupações quanto ao desmatamento florestal e a demarcação de terras indígenas. Alinhados a ideologias políticas professadas por Jair Bolsonaro, esses candidatos autodeclarados indígenas utilizam como base de campanha a defesa da pátria, de sua fé e da família tradicional. Há, de igual forma, a presença de candidatos que apoiam e defendem uma sociedade armada, como Hamilton Mourão e Amanda Brandão Armelau.

Conclusão

A partir dessa pesquisa, observa-se o papel fundamental exercido pela APIB por meio da Campanha Indígena, tanto impulsionando novas candidaturas originárias, como a inserção e a permanência de uma bancada indígena no Congresso Nacional. Com isso, duas candidatas indígenas ligadas à Campanha conseguiram se eleger à Câmara federal com uma quantidade significativa de votos: Sônia Guajajara (PSOL-SP), com 156.695 votos e Célia Xakriabá (PSOL-MG), com 101.078 votos.

Apesar de alguns impedimentos que ocasionaram a ausência dos votos de uma parcela da comunidade indígena, pela primeira vez na história do Brasil, dez indígenas se elegeram a cargos políticos. Oito deles não estão conectados à Campanha Indígena, mas quatro deles – Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG), Wellington Dias (PT- PI) e Jerônimo Rodrigues (PT-BA) – partilham das mesmas ideias políticas.

Há, também, neste ano um aumento de candidatos indígenas bolsonaristas de direita. Esse fenômeno intriga algumas lideranças originárias que se opõem às ações anti-indígenas do atual governo, como a criação de Projetos de Lei nocivos aos territórios indígenas, a exemplo do PL 191/2020, do PL 490/2007 e da pauta sobre o Marco temporal, e a paralisação na demarcação de Terras Indígenas. Os candidatos bolsonaristas possuem seus interesses alinhados ao do atual presidente, como a defesa do porte de arma para os cidadãos classificados por eles de “cidadão de bem”, a conservação da família tradicional e o fim de uma suposta “ideologia de gênero”. Em resposta à eleição de Silvia Waiapi, Xakriabá afirma: “Se ela está aliada a um projeto individual que significa o projeto de morte, nós vamos, sim, ser reativas e combativas. Neste momento, nosso projeto é coletivo, dos povos indígenas, que vem vivenciando períodos de muito ataque”[64].

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[48] Graduanda em Ciências Sociais pela UERJ e pesquisadora do OPEL UFRJ.

[49] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/bancada-indigena-no-congresso-cresce-impulsionada-por-ativismo-e-tera-aliados-de-bolsonaro.shtml

[50] https://www.camara.leg.br/noticias/911616-cinco-indigenas-sao-eleitos-para-a-camara-dos-deputados/

[51] https://www.instagram.com/campanhaindigena/

[52] https://g1.globo.com/ba/bahia/eleicoes/2022/noticia/2022/10/24/apos-denuncia-de-que-indigenas-teriam-sido-impedidos-de-votar-tre-pede-reforco-no-policiamento-no-extremo-sul-da-ba-no-2o-turno.ghtml

[53] https://jornalistaslivres.org/comunidades-indigenas-sao-impedidas-de-votar-por-falta-de-logistica-e-ameacas/

[54] https://amazoniareal.com.br/no-xingu-600-indigenas-sao-impedidos-de-votar-a-gente-ia-votar-pra-lula-diz-cacique-siraium-kayabi/

[55] https://www.brasildefato.com.br/2022/10/06/com-votacao-inedita-em-eleicoes-gerais-nove-indigenas-ocuparao-cargos-legislativos-no-brasil

[56] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/jeronimo-rodrigues-e-eleito-governador-da-ba-no-2o-turno-eleicoes-2022/

[57] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor-ra%C3%A7a?p0_ano=2014&session=7007595123491

[58] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor-ra%C3%A7a?p0_ano=2018&session=7007595123491

[59] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor-ra%C3%A7a?p15_menu=PARTIDO&clear=RP&session=12440730800340

[60] https://www.instagram.com/silviawaiapi/

[61] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/deputada-eleita-e-acusada-de-usar-fundo-eleitoral-para-pagar-harmonizacao-facial/

[62] https://www.instagram.com/generalmourao/

[63] https://www.instagram.com/india_armelau/

[64] https://www.brasildefatomg.com.br/2022/10/14/celia-xakriaba-fala-sobre-indigena-bolsonarista-eleita-vamos-ser-reativas-e-combativas

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