O Boletim #6 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No sétimo texto “Por uma Bancada do Cocar: crescimento de candidaturas indígenas, propostas e perfis dos candidatos”, a graduanda em Ciências Sociais Raíssa Farias expõe, de forma breve, a tentativa da construção de uma bancada indígena, nomeada de “Bancada do Cocar”, e sua influência no aumento dos registros de candidaturas dos povos originários este ano.

Confira o texto abaixo!

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Por uma Bancada do Cocar: crescimento de candidaturas indígenas, propostas e perfis dos candidatos
Raíssa M. A. de Freitas[55]

Este boletim tem como objetivo expor, de forma breve, a tentativa da construção de uma bancada indígena, nomeada de “Bancada do Cocar” e, sua influência no aumento dos registros de candidaturas dos povos originários este ano. Com a finalidade de compreender esse crescimento, traça-se o histórico de candidaturas indígenas das eleições nacionais dos anos de 2014, 2018 e da atual, 2022. Dessa forma, mapea-se o perfil desses candidatos e suas principais propostas.

Como fontes para a pesquisa, foram utilizados a Revista Jacobin, o jornal O Globo, o site do TSE, o site oficial da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB), o site do Senado Legislativo, o Instagram, o site da Câmara Legislativa e, por fim, a Folha de São Paulo.

A tentativa de estabelecer uma bancada indígena

Com a presença assídua de uma ideologia anti-indígena por parte do governo, compreende-se a necessidade de uma representação direta dos povos indígenas por meio dos cargos públicos. Nessa conjuntura, a comunidade originária se articula para estabelecer a Bancada do Cocar no pleito de outubro.

A situação política dos povos originários é marcada por ataques vindos do atual governo e pela atuação de uma frente anti-indígena no Congresso, formada por deputados ligados, sobretudo, à bancada ruralista e ao agronegócio. Em função disso, o movimento indígena aposta na constituição de uma bancada própria que represente a comunidade originária e pleiteie seus direitos[56]. A formação da Bancada do Cocar foi discutida na 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), realizada entre os dias 4 e 14 de abril deste ano, que teve como lema “Aldear a Política”.

As principais demandas que levaram à articulação para a construção dessa bancada indígena são: a retomada das demarcações de terras que foram paralisadas pelo governo de Bolsonaro; o fim da violência cometida por grupos ilegais em seus territórios; o aumento da inclusão político-representativa; a paralisação instantânea da agenda anti-indígena no Congresso chamada de “pacote da destruição” que inclui, em particular, o projeto de lei de Mineração em Terras Indígenas e o Marco Temporal respaldados pelo atual presidente.

Como forma de estratégia política, os povos indígenas investem em nomes competitivos e com maior visibilidade para pleitear as eleições neste ano. Propõe-se, também, a produção de campanhas mais estruturadas, contando com equipes jurídicas e de comunicação[57].

A iniciativa de formar a bancada do Cocar pretende mudar o cenário de sub- representação dos povos originários na política brasileira, incentivando suas candidaturas e a retomada de seus espaços no Congresso Nacional. Tendo isso em vista, observa-se o crescimento de candidatos autodeclarados indígenas nessas eleições.

O aumento do número de candidaturas indígenas nas eleições atuais

No dia 15 deste mês, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decretou o encerramento dos registros de candidaturas que concorrerão às eleições de 2022. O resultado apontou um aumento significativo em relação às candidaturas indígenas. Pela primeira vez, desde 2014 (ano em que o TSE adotou o método de classificação dos candidatos a partir da cor e raça), os indígenas deixaram de ser a raça menos representada nas eleições. Agora, por sua vez, os autodeclarados amarelos passam a possuir uma menor representatividade no âmbito político, correspondendo a 0,39% do número de candidaturas apresentadas. Enquanto os indígenas representam 0,63%[58]. Contudo, nas eleições nacionais de 2018, encontrávamos um cenário oposto, onde a raça amarela representava 0,58% dos registros de candidaturas e, em contrapartida, os indígenas 0,46%[59].

Segundo o TSE, nas eleições nacionais de 2014 houve 85 candidatos que se autodeclararam indígenas, em um total de quase 28 mil candidaturas solicitadas[60]. No entanto, apenas um candidato indígena, José Carlos Nunes da Silva, foi eleito a deputado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no Espírito Santo.

Em 2018, foram registradas 133 candidaturas indígenas aos cargos de governador, senador, deputado federal e deputado estadual/distrital[61]. Nessa eleição, Joênia Wapichana (Rede Sustentabilidade – Roraima) foi eleita a deputada federal, enquanto a indígena Sônia Guajajara (Partido Socialismo e Liberdade – PSOL) candidatou-se à vice-presidência. O candidato a vice-presidente General Hamilton Mourão (PRTB) declarou-se indígena.

Agora, em 2022, 183 candidatos se autodeclararam indígenas[62]. Esse número representa mais que o dobro de candidaturas registradas em 2014. Acredita-se que o aumento de candidatos indígenas se deu pela conjuntura política atual, que reprime e anula constantemente os direitos dos povos originários.

As candidaturas dos povos originários deste ano contarão com o apoio da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que lança a mobilização em todo território nacional por meio da Campanha Indígena (@campanhaindigena), com o objetivo de fortalecer e ampliar a representação indígena dentro da política e dos espaços de poder[63].

Perfil das candidaturas e suas propostas

Nota-se que os candidatos indígenas registrados no pleito deste ano, são, em parte, mulheres. Em todo Brasil, aproximadamente 84 mulheres indígenas disputam as eleições, concorrendo a cargos no Executivo e no Legislativo[64]. Contudo, o número de mulheres que se candidataram nas eleições vigentes cresceu de forma significativa, considerado o maior das últimas três eleições nacionais. Estimamos que o crescimento das candidatas tenha relação com a aprovação, dada através do Plenário do Senado, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2021, que visa fornecer uma cota de 30% do fundo partidário para auxiliar nas campanhas eleitorais femininas[65].

As candidaturas indígenas se concentram em partidos de esquerda e centro- esquerda, são eles: o Psol, com 25 candidatos; o PT, com 22; o Rede Sustentabilidade, com 19 e o PDT, com 13 candidatos. Há, também, nessas eleições, 12 candidatos pertencentes a povos originários filiados ao Partido Liberal, considerado um partido de direita, pelo qual concorre à reeleição Jair Bolsonaro[66]. Destacamos que no pleito nacional de 2018, quando o Partido Liberal ainda era denominado como Partido da República, houve apenas uma candidatura indígena filiada[67].

A maioria dos postulantes indígenas a cargos políticos possuem interesses parecidos, como: a preservação do meio-ambiente, a luta pelos direitos dos povos originários e as minorias sociais. Além disso, observa-se a presença do ensino superior completo como grau de instrução de candidatos mais destacados.

Formada em Letras, enfermagem e especialista em Educação Especial pela Universidade Estadual do Maranhão, a candidata a deputada federal de São Paulo, Sônia Guajajara (PSOL), publicou em seu instagram uma de suas propostas: “No Congresso Nacional, eu vou usar o protagonismo do Estado para influenciar nas políticas de proteção ambiental e de incentivo econômico para que as riquezas das matas sejam tão respeitadas e consideradas quanto às riquezas produzidas na cidade”[68].

A candidata a deputada federal de Minas Gerais, mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília e doutoranda em antropologia pela UFMG, Célia Xakriabá (PSOL), também expressou interesses de defesa ambiental em seu instagram: “Apresento minha candidatura a deputada federal com o compromisso de defender a preservação do cerrado, da caatinga, das terras e das águas, e também os direitos e as necessidades de quem vive no campo e na cidade”[69]. Com base em sua experiência na Secretaria de Educação, Célia também possui projetos voltados à diversidade e à inclusão, ligados à política educacional[70].

Bacharel em direito e candidata a deputada federal do estado do Pará, Maial Kaiapó (Rede-Sustentabilidade) afirma em suas redes sociais que sua luta é pelos direitos dos povos das florestas, mulheres, negros, jovens, idosos, LGBTQIA+, trabalhadores e todos os brasileiros que demandam políticas públicas e representatividade[71].

Vanda Witoto (Rede – Sustentabilidade), candidata a deputada federal do Amazonas, técnica em enfermagem que atuou dentro de sua comunidade no período pandêmico, auxiliando 700 famílias, defende as seguintes propostas: respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas; fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS); defesa da ciência, tecnologia e inovação; fortalecimento da Educação Pública e gratuita; ampliação das justiças afirmativas; autonomia econômica das mulheres; valorização da diversidade e combate à discriminação; incentivo à bioeconomia e, por fim, o fortalecimento das instituições que atuam em defesa do meio ambiente e da Amazônia[72].

A atual deputada federal de Roraima e a primeira mulher indígena a exercer a profissão de advogada no Brasil, Joênia Wapichana (Rede – Sustentabilidade), pretende se reeleger nas eleições deste ano. A candidata mantém seu foco na sustentabilidade e possui o objetivo de dar visibilidade aos direitos coletivos dos povos indígenas e quilombolas[73].

Apesar do avanço no número de candidaturas indígenas alcançadas nessas eleições, os candidatos, em sua maioria, seguem sem suporte político e financeiro. É necessário, sobretudo, que o Congresso aprove a cota partidária para o financiamento de campanhas eleitorais da comunidade originária, assim como já foi promulgado para as candidaturas negras e femininas. Até o momento, o PSOL foi o único partido que optou por colocar seus candidatos indígenas como prioridade na distribuição do fundo eleitoral, verba disponibilizada pelo Estado destinada a campanhas eleitorais do partido[74].

Vale ressaltar que durante o período do registro de candidatura, o atual vice- presidente, General Hamilton Mourão (Republicanos) se declarou branco neste ano. Há quatro anos, quando pleiteava a vice-presidência na chapa de Bolsonaro, ele havia se declarado como indígena. Entretanto, Mourão afirmou que a sua autodeclaração branca “foi um simples erro de preenchimento de formulário”, reafirmando assim, sua origem indígena. Além disso, diferentemente de quando disputou a vice-presidência da República, o candidato descartou o “general” que complementava seu nome nas urnas[75].

Conclusão

Com base na pesquisa apresentada, observa-se como se dá a tentativa de estabelecer a bancada do Cocar no pleito vigente, visando uma maior representatividade indígena na política e a retomada de seus direitos previstos pela Constituição de 1988, além de operar de forma direta na criação de políticas públicas voltadas à comunidade de povos originários. A mobilização para a construção da bancada indígena influenciou fortemente no aumento de suas candidaturas.

O crescimento do número de candidatos autodeclarados indígenas mais que dobrou em comparação ao ano de 2014, obtendo um aumento significativo, também, do ano de 2018. O pleito de 2022 comporta, até o momento, o maior registro de candidaturas indígenas da história do Brasil.

Os candidatos indígenas possuem propostas parecidas e um objetivo equivalente: a preservação do meio-ambiente e a biodiversidade, a luta pelos direitos dos povos originários e as minorias sociais. Nota-se, também, a busca pelo aperfeiçoamento profissional e acadêmico.


[55] Graduanda em Ciências Sociais pela UERJ e pesquisadora do OPEL UFRJ.

[56] https://jacobin.com.br/2022/04/o-movimento-indigena-esta-se-organizando-para-eleger-a-bancada-do- cocar/

[57] https://oglobo.globo.com/politica/bancada-do-cocar-povos-indigenas-reduzem-candidaturas-para-eleger- mais-25478203

[58] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor-ra%C3%A7a?session=4641303279187

[59] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor- ra%C3%A7a?p0_ano=2018&session=4641303279187

[60] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor- ra%C3%A7a?p0_ano=2014&session=4641303279187

[61] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor- ra%C3%A7a?p0_ano=2018&session=4641303279187

[62] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor- ra%C3%A7a?p0_ano=2022&session=4641303279187

[63] https://apiboficial.org/2022/08/16/campanha-indigena-numero-de-candidaturas-registra-aumento-de-37- nas-eleicoes-de-2022/

[64] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor- ra%C3%A7a?p15_menu=GENERO&clear=RP&session=4641303279187

[65] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/14/aprovada-cota-de-30-do-fundo-partidario- para-candidaturas-femininas

[66] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor- ra%C3%A7a?p15_menu=PARTIDO&clear=RP&session=4641303279187

[67] https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-candidaturas/cor- ra%C3%A7a?p0_ano=2018&session=4641303279187

[68] https://www.instagram.com/p/ChahykblwKr/

[69] https://www.instagram.com/p/ChThHfltAYe/

[70] https://www.instagram.com/p/ChX5PQpPy_y/

[71] https://www.instagram.com/p/ChZqpmHLYUc/

[72] https://www.instagram.com/p/ChkWfXqAa1X/

[73] https://www.camara.leg.br/noticias/551514-unica-representante-da-rede-joenia-wapichana-defende-pautas-ambientais/

[74] https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/07/29/psol-tera-15-candidaturas-indigenas-nas-eleicoes-deste-ano.ghtml

[75] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/08/mourao-diz-ser-indio-e-que-autodeclaracao-como-branco-foi-erro-de-preenchimento.shtml

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