O Boletim #1 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

O primeiro texto “Passado, presente e futuro do Brasil em jogo nas eleições de 2022” (p. 4-10), o professor e cientista político Josué Medeiros analisa a série histórica eleitoral, compreendida entre os anos de 1989 a 2018, situando os antecedentes que nos trouxeram até aqui. Além disso, a partir da ideia de polarização, discute as especificidades que têm caracterizado a vida política brasileira no cenário contemporâneo, bem como a violência que protagoniza a agenda da eleição deste ano.

Confira o texto abaixo!

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Passado, presente e futuro do Brasil em jogo nas eleições de 2022
Josué Medeiros

Eleições são momentos de encontros entre os múltiplos tempos de uma sociedade. A decisão do voto é sempre uma combinação variada de apego/apelo ao passado, do impacto dos eventos do presente e da expectativa e projeção de futuro. Em determinados pleitos, pesa mais o sentido de futuro. Foi esse o caso, por exemplo, das eleições de 2002, quando Lula, do PT, foi eleito sob o signo da esperança. Em outras disputas, prevalece o impacto do presente. Foi o que ocorreu, em 1994, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, decorrente da melhoria imediata que o Plano Real causou na vida das pessoas. E existem ainda aquelas eleições em que o passado predomina, como assistimos, em 2018, com Bolsonaro e seus apelos ao fantasma do comunismo e sua defesa da Ditadura Militar de 1964.

No Brasil de 2022, na urgência de que as eleições restituam um caminho democrático no Brasil e no drama da crescente ruptura do tecido social brasileiro, podemos identificar cada uma das temporalidades em três dimensões distintas: o passado, na dinâmica da polarização política e ideológica; o presente, que se apresenta pela força das pautas mais importantes para o eleitorado; e o futuro que se manifesta nos personagens protagonistas do processo eleitoral. 

A polarização nossa de cada dia e o mito da terceira via

A polarização política é uma marca da recente democracia brasileira e pode ser verificada em todas as eleições para presidente. O padrão das eleições presidenciais no Brasil mostra que a ideia de uma terceira via capaz de quebrar “O Fla-Flu” sempre foi um mito do ponto de vista dos votos suficientes para disputar de verdade o principal posto da nossa república. Isso não implica em negar que algumas candidaturas cumpriram um papel programático importante nas conjunturas específicas de cada pleito. Mas sempre de modo subordinado à polarização esquerda versus direita. De um lado, há o PT e seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva, invariavelmente liderando o pólo à esquerda da sociedade brasileira. Em oito disputas, foram quatro vitórias (2002, 2006, 2010 e 2014) e quatro vezes em segundo lugar (1989, 1994, 1998 e 2018).

Já no pólo à direita, encontramos alguma variação. Em seis pleitos seguidos (de 1994 a 2014) o PSDB liderou esse campo, apresentando personalidades políticas com trajetória e carreira no sistema político (Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves) e um programa de modernização do Estado e da economia capaz de organizar classes médias e elites. Em outros dois, contudo, a direita se lançou à disputa com duas lideranças personalistas que radicalizam o discurso contra a esquerda, que não são portadoras de uma agenda consistente de país e não fazem parte de partidos estruturados (PRN de Collor em 1989 e PSL de Bolsonaro em 2018).

Evidente que há pontos de encontro entre o PSDB e essas figuras personalistas. O partido quase apoiou Collor em 1989 e apoiou informalmente Bolsonaro no segundo turno de 2018. Durante ambos os governos contribuiu com a aprovação de inúmeras propostas do executivo, auxiliando a sustentar seus mandatos. Além disso, José Serra, em 2010, Aécio Neves, em 2014, e João Dória, em 2018, ajudaram a impulsionar a agenda extremista que organiza o bolsonarismo. Das lideranças nacionais do partido, o único que se recusou a cumprir esse papel foi Geraldo Alckmin e que depois abandonou os tucanos e se filiou ao PSB para ser candidato a vice com Lula.

Algumas dessas eleições apresentaram candidaturas com algum peso que desafiaram a polarização. Em 1989, Leonel Brizola, do PDT, ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, disputou, voto a voto, com o Lula o lugar no segundo turno; Em 2002, o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho marcou 17% dos votos, contra 23% de José Serra, que foi para o segundo turno; em 2010, coube a Marina Silva, então no PV, ocupar esse lugar, com 19% dos votos, mas bem distante dos 32% colocaram José Serrá no segundo turno mais uma vez; em 2014, novamente Marina Silva, agora no PSB, pontuou bem, com 21%, porém ainda longe dos 33,5% conquistados por Aécio Neves.

Tabela 1: Eleições Presidenciais com três candidaturas fortes

Ano da Eleição Candidatura em primeiro Candidatura em segundo Candidatura em terceiro
1989 Collor de Melo – 30,47% Lula – 17,18% Brizola – 16,51%
2002 Lula – 46,44% José Serra – 23,19% Garotinho – 17,86%
2010 Dilma Rousseff – 48,91% José Serra – 32,61% Marina Silva – 19,33%
2014 Dilma Rousseff – 41,59% Aécio Neves – 33,55 Marina Silva – 21,32%

fonte: TSE. Elaboração própria.

Ou seja, em metade das disputas presidenciais, verifica-se uma “terceira via” competitiva. Mas, mesmo nesses pleitos, como podemos ver na tabela 1, somente em 1989 houve uma disputa real pela vaga no segundo turno. Nos demais pleitos, a distância entre o segundo e o terceiro lugar é considerável, confirmando a polarização.

Já na outra metade, a polarização é incontestável, com duas candidaturas muito fortes e as demais todas bem abaixo, sem chances reais de disputar a presidência.

Tabela 2: Eleições Presidenciais com duas candidaturas fortes

Ano da Eleição Candidatura em primeiro Candidatura em segundo Candidatura em terceiro
1994 FHC – 54,24% Lula – 27,07% Enéas – 7,38%
1998 FHC – 53,06% Lula – 31,71% Ciro Gomes – 10,97%
2006 Lula – 48,61% Geraldo Alckmin – 41,64% Heloísa Helena – 6,85%
2018 Jair Bolsonaro – 46,03% Fernando Haddad – 29,28% Ciro Gomes – 12,47%

fonte: TSE. Elaboração própria.

O padrão eleitoral não deixa dúvidas sobre a polarização, resta ainda refletir sobre o porquê essa dinâmica política se impõe no Brasil. Muitas vezes assistimos os especialistas na televisão e redes sociais e os próprios políticos do “centro democrático” (sic) analisando a polarização quase como um ato de vontade: acusa-se o PT de preferir enfrentar o Bolsonaro, e vice-versa; lamenta-se que os dois pólos dominantes atraem partidos médios e lideranças regionais que poderiam somar forças na “terceira via”; apresenta-se uma agenda programática mágica que terá o poder de impulsionar um alternativa ao “Fla-Flu” e que junta “o melhor de cada lado” – a responsabilidade econômica da direita e o olhar social da esquerda – sem carregar “o pior de cada lado” (nesse momento, o que se destaca como pior é sempre o “populismo” da esquerda e nada de ruim da direita); comemora-se a suposta unidade em torno de um nome (a bola da vez é a Senadora Simone Tebet, do MDB) com um sentimento um tanto quanto desesperançoso de que “agora vai”.

Contudo, a polarização eleitoral e política tem uma substância concreta, que não depende da vontade de setores “esclarecidos” que defendem uma alternativa para o Brasil “sair dessa”: trata-se da polarização social que marca uma sociedade tão desigual como a nossa, e que vem se agravando nos últimos anos, especialmente durante os governos Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022). É desta situação que emerge o presente da agenda que vai pautar a disputa eleitoral de 2022.

As desigualdades versus a violência como agenda da eleição de 2022

O Brasil voltou ao mapa da fome. [1] O desemprego bate recorde.[2] A inflação também.[3] A renda do trabalhador é a menor em uma década.[4] Isso sem falar na pandemia da Covid-19. Não é por acaso, portanto, que a agenda econômica e social seja predominante nas eleições de 2022. O impacto da tragédia social no presente vem orientando a preocupação dos eleitores e, consequentemente, as intenções de voto.

Por um lado, isso se reflete nas dificuldades apresentadas por Bolsonaro. Por mais que ele tente culpabilizar o judiciário, a Petrobrás ou a Guerra da Ucrânia, a população sabe que seu governo é o maior responsável por esse quadro dramático. Em todos os institutos de pesquisa, as taxas de ruim/péssimo de Bolsonaro alcançam metade do eleitorado: 50% pelo instituto FSB de 30 de maio de 2022; 48% no DataFolha de 27 maio de 2022; 54% no PoderData de 25 de maio de 2022; 51% no IPESP de 20 de maio de 2022.

Por outro lado, favorece o ex-presidente Lula, fortalecendo a dinâmica da polarização. Lula cresceu 5 pontos percentuais no Datafolha de maio de 2022, na comparação com março de 2022, passando de 43% para 48%; e aumentou os mesmos 5 pontos percentuais no levantamento do instituto FSB, saltando de 41% em abril de 2022 para 46% em maio de 2022.

O cenário cada vez mais provável de vitória de Lula, já em 02 de outubro, tem como consequência uma radicalização de Bolsonaro em duas dimensões: uma institucional e outra social. Primeiro, ele aumenta a intensidade dos ataques ao Sistema Eleitoral, preparando o terreno para questionar o resultado das urnas, buscando apoio da sua base mais radical e dos militares alinhados ao seu governo.

Segundo, ele e seus aliados nos Estados colocam em marcha uma estratégia de politização do tema da segurança pública, com ações cada vez mais violentas das polícias militares estaduais e das forças nacionais, especialmente a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

A chacina na Vila Cruzeiro, em 24 de maio, e a brutal execução de Genivaldo de Jesus Santos, em 25 de maio, foram laboratórios da estratégia bolsonarista nos próximos quatro meses: intensificar ações desse tipo e pautar uma mudança na agenda da eleição, com as lideranças do campo governista defendendo abertamente as execuções na chave “bandido bom é bandido morto” e buscando emparedar a esquerda como “defensora de bandido”. Especialmente, na véspera das eleições, podemos ver uma sequência de operações violentas das forças de segurança estatais como uma tática de criar uma onda conservadora que evite uma vitória lulista no primeiro turno.

O sucesso ou fracasso dessa estratégia e a prevalência, ou não, da agenda econômica e social em detrimento da pauta da violência impactam o presente e, em paralelo, indica quais perspectivas de futuro se apresentam nestas eleições.

O futuro da democracia brasileira

A principal vitória de Bolsonaro é produzir uma dificuldade de pensar o futuro da democracia brasileira. Seu projeto autoritário pode não se viabilizar, mas tem o poder de pautar as eleições e o futuro governo, limitando a capacidade de reconstrução democrática. Além disso, o cenário internacional está cada vez mais incerto do ponto de vista econômico, dramático na dimensão da emergência climática e conflituoso nas disputas geopolíticas.

Lula tem sido “acusado” de só falar do passado como plataforma eleitoral. De fato, sua força vem da memória dos seus governos, que o transformaram na maior liderança popular que o Brasil já conheceu. Ademais, a destruição social e institucional indicam um governo Lula 3 de reconstrução dos pactos, o que dificulta ainda mais as expectativas de futuro.

Há, contudo, movimentos interessantes na política brasileira e, por isso, é preciso olhar com mais atenção o quadro eleitoral. Este é o sentido do Monitoramento Eleitoral que oferecemos neste boletim. Pesquisar as candidaturas negras, femininas, indígenas e o modo como os movimentos sociais atuam nas eleições são as pistas para enxergarmos um futuro positivo para a democracia brasileira. Não se trata de otimismo pueril, uma vez que pesquisamos também algumas das dinâmicas que ameaçam o processo democrático, como a desinformação, as Fake News e a pauta do armamento impulsionada por candidaturas de operadores de segurança.

Mas apostamos que 2022 pode marcar um recomeço da nossa democracia com o protagonismo de novas personagens que já estão em cena.


[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/volta-do-brasil-ao-mapa-da-fome-e-retrocesso-inedito-no-mundo-diz-economista.shtml

[2] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2022/03/28/brasil-tem-recorde-de-30-dos-desempregados-em-busca-de-trabalho-ha-mais-de-2-anos.htm

[3] https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2022-05/inflacao-para-abril-fecha-em-106-e-e-maior-desde-1996-aponta-ibge e https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2022-04/brasil-registra-em-marco-maior-inflacao-desde-2003

[4] https://www.poder360.com.br/brasil/renda-media-do-brasileiro-e-a-menor-em-10-anos/

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