O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No novo texto “O voto evangélico nas eleições presidenciais: Perspectivas morais e econômicas” (p. 58-64), a graduanda em Ciências Sociais Maria Barreto apresenta um quadro eleitoral evangélico nas eleições gerais de 2022. O texto possui o intuito de divulgar as análises acerca da participação evangélica nas eleições, para além do olhar religioso.

Confira o texto abaixo!

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O voto evangélico nas eleições presidenciais: perspectivas morais e econômicas
Maria Carolina Barreto [168]

Resumo O presente texto faz parte da pesquisa do Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo apresentar um quadro eleitoral evangélico nas eleições gerais de 2022. Para isso, nesse segundo boletim, objetiva-se interpretar e comparar pesquisas que apresentam uma mudança das demandas evangélicas ao longo das últimas eleições presidenciais (2002-2018) com o quadro atual. O texto possui o intuito de divulgar as análises acerca da participação evangélica nas eleições, para além do olhar religioso. Nossa hipótese é que haverá uma mudança de perspectiva dos evangélicos em relação aos seus interesses nessa eleição, sendo os fatores socioeconômicos primordiais para essa alteração. Para tal estudo, a metodologia utilizada foi a interpretação e análise de pesquisas quantitativas, realizadas pelo GENIAL/QUEST e bibliográficas acerca dos temas citados. Além disso, o uso de matérias publicadas em sites jornalísticos como Grupo Globo, Uol, BBC News e Poder 360, além de sites oficiais do governo federal e do legislativo.

Introdução

Como apresentado no boletim de maio, Lula ainda segue liderando as pesquisas de intenção de voto em esfera nacional e pode vencer no primeiro turno. Mas entre o eleitorado evangélico o quadro é diferente. Nesse recorte, há um empate técnico, com leve vantagem para Bolsonaro, que conta com o apoio da maioria dos líderes neopentecostais. Há ainda uma polarização de gênero visualmente demarcada, onde mulheres se colocam ao lado do petista e os homens seguem com o atual presidente.

Entretanto, ao comparar o recorte evangélico atual com o de 2018, é possível observar uma mudança significativa. Segundo as pesquisas realizadas no final de maio de 2022 pelo DataFolha, 39% dos evangélicos declararam que iriam votar em Bolsonaro, contra 36% em Lula. Há quatro anos, Bolsonaro venceu Haddad com 70% nesse segmento.

Dessa maneira, algumas entidades religiosas de cunho progressista estão trabalhando para reverter esses números, a partir de uma aposta em que o voto cristão será decidido pelas questões econômicas e não mais pela agenda moral utilizada pelo bolsonarismo em 2018 [169].

Assim, este boletim tem como principal objetivo analisar as demandas dessa base eleitoral e compreender através delas as mudanças ao longo dos anos, trazendo uma observação de um possível cenário que será construído em 2022.

Eleições presidenciais de 2002 e 2006: Um novo ciclo

No primeiro turno em 2002, o candidato Anthony Garotinho (PSB) se apresentou na condição de evangélico e mobilizou essa identidade religiosa ao decorrer da campanha. Apesar disso, não foi o suficiente para garantir a sua passagem para o segundo turno, onde o eleitorado evangélico distribui seu apoio para Lula (PT). Tal fato demonstra que essa base de eleitores não é homogênea, não se trata apenas de um grupo que possui uma identidade religiosa comum ou que traz para a esfera política um âmbito da fé cristã. O eleitorado evangélico também se comporta nas eleições a partir de motivações econômicas e sociais, buscando as propostas que designam melhores oportunidades de realização das suas demandas.

Outro ponto importante dessa reconstrução histórica é que a população evangélica era menor do que atualmente. Na época, eram apresentados 26 milhões de evangélicos no Brasil (15,45% da população), sendo a maioria dos neopentecostais apoiadores de Garotinho, enquanto os outros possuíam intenção de voto no candidato petista. A Igreja Universal do Reino de Deus, fundada pelo bispo Edir Macedo, que apresentava ideias consideradas progressistas até aquele momento, declarou abertamente apoio a Lula [170].

Já em 2006, mesmo não havendo nenhum candidato declaradamente evangélico como ocorreu em 2002, Lula seguia com o maior apoio desse eleitorado. O discurso nessas eleições era muito similar ao de evangélicos progressistas atualmente, como foi apresentado no primeiro bloco do boletim. Frases como “tem dado comida ao maior número de pobres” relacionadas ao ex-presidente Luiz Inácio eram pautadas como principal motivo para a intenção de votos da base evangélica a esse candidato.

Aquele mesmo Lula que, nas primeiras eleições presidenciais em 1989, representava para a maioria dos evangélicos o perigo do comunismo e uma ameaça aos valores cristãos, da família e dos bons costumes, em 2006 passou a ser considerado como o “Homem de Jesus” e apoiado por parcela significativa das lideranças neopentecostais.

Eleições presidenciais 2010 e 2014: Uma mudança de discurso

Em 2010, como foi publicado no primeiro boletim do OPEL, em maio de 2022, grande parte das lideranças evangélicas se posicionaram contra a candidata Dilma Rousseff, acusada de defender pautas “não cristãs” e a favor de Marina Silva (PV), a candidata evangélica daquele pleito. Entretanto, Marina não organizou sua candidatura com base nessa identidade religiosa, e foi acusada pelo então líder da Assembleia de Deus, Silas Malafaia, de não apresentar uma agenda moral que seria de interesse da base evangélica.

Já no segundo turno, o bispo Edir Macedo declarou apoio à candidata do PT. O fundador da Igreja Universal e dono da Rede Record defendeu Dilma de acusações falsas que circulavam o meio evangélico, nas palavras dele: “Quem pensa que está prestando algum serviço ao Reino de Deus, espalhando uma informação sem ter certeza de sua veracidade, na verdade, está fazendo o jogo do diabo”[171].Com esse apoio, Dilma conquistou 56,05% dos votos válidos, superando José Serra, que fez 43,95%, garantindo a primeira eleição de uma mulher na cadeira da presidência na história do Brasil[172] .

Por outro lado, 2010 marcou o início de um debate moralista diante das eleições, pautando a fé cristã como primazia, algo jamais visto anteriormente com tanta força. Silas Malafaia, já mencionado por cobrar Marina Silva quanto às pautas conservadoras, declarou seu voto em José Serra, alegando ser este o candidato defensor da família e dos bons costumes. Esse fenômeno explicaria a perda de intenção de voto dos evangélicos na Dilma em setembro daquele ano, o que ainda assim não provocou a sua derrota.

As eleições presidenciais de 2014 foram atravessadas por vários sinais contundentes que mostravam como as questões morais, de cunho religioso, passaram a guiar os políticos brasileiros. Marina Silva, agora candidata pelo PSB, após ser confrontada por Malafaia em 2010, mudou de estratégia para as eleições que enfrentaria, apresentando-se assim como uma “cristã de verdade”[173]. Além disso, Fake News como a do “Kit Gay” já apareciam nos debates e estratégias políticas na campanha contra Dilma.

Uma pesquisa do Ibope de 2014, a qual mostrou que a maior parte dos brasileiros, independentemente da religião, é majoritariamente a favor de políticas sociais, mas conservadora em temas ligados à família e bons costumes. Isso seria ainda mais forte no eleitorado evangélico. De acordo com o cientista político Cesar Romero Jacob, “os evangélicos não querem saber da independência do Banco Central ou não. Eles votam no irmão”. Isso ajuda a explicar parte do aumento de intenção de voto em Marina Silva (PSB) durante alguns meses daquela disputa. Marina, contudo, não sustentou sua posição e ficou de fora do segundo turno.

Assim, Dilma Rousseff (PT) foi eleita novamente presidente. Contudo, sua vitória foi pela menor margem dentre os quatro triunfos do PT: 51,64% contra 48,36% de Aécio. Tal divisão se reproduziu entre os evangélicos, o que indica que, naquela eleição, esse eleitorado sofreu uma dupla influência na hora de decidir seus votos: por um lado, as questões morais que mobilizam a identidade religiosa; por outro lado, os fatores socioeconômicos que pautam a relação com as políticas públicas [174]. Esse quadro eleitoral de 2014 se parece com o atual de 2022, em que há uma clara disputa entre uma agenda moral cristã fortalecida pelo bolsonarismo contra determinantes sociais que não foram garantidos no governo de Jair Bolsonaro.

O impeachment em 2016 e as eleições presidenciais em 2018

Os anos de 2015 e 2016 foram atravessados por intensos debates e disputas políticas, o que resultou no golpe parlamentar de Dilma Rousseff (PT). O processo de impeachment foi impulsionado por Eduardo Cunha, deputado federal pelo Rio de Janeiro e evangélico conservador. No mesmo sentido, o líder da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara, o deputado João Campos (PRB) declarou que a bancada evangélica, formada por 92 parlamentares, era a favor do impeachment. Nas palavras dele: “esse voto não era partidário, mas a favor da nação que estava consumida pelas crises econômica, moral, ética e política”[175].

Além disso, não foram somente os deputados evangélicos que votaram a favor do impeachment. Segundo um infográfico da Agência Brasileira realizada no dia, a palavra “Deus” foi pronunciada 59 vezes, quase o mesmo que “corrupção”, mencionada em 65 ocasiões. Já o termo “família” surgiu 136 vezes durante a votação no plenário da Câmara. Sendo um marco histórico desse acontecimento, a fala do atual presidente Jair Bolsonaro, que na época era deputado do Partido Social Cristão, dedicando o seu voto ao coronel Brilhante Ustra, reconhecido como torturador na ditadura militar brasileira pela Comissão Nacional da Verdade ou nas suas palavras: “o terror de Dilma Rousseff” [176].

Como visto anteriormente, Dilma foi acusada de defender pautas “não cristãs” como o aborto. Na época, de autoria de Eduardo Cunha, um projeto de lei que visava dificultar o atendimento na rede pública a mulheres que engravidavam após um abuso sexual era planejado. Atualmente, esse debate ainda é evidenciado quando, na penúltima semana de junho de 2022, houveram dois casos de violência sexual que dominaram o debate público nacional. O primeiro teve como vítima de estrupo de vulnerável um menina de 11 anos que foi impedida e coagida pela juíza de realizar o aborto previsto lei; o outro foi de uma atriz global de 21 anos que também foi violentada, mas decidiu ter a gestação e doar legalmente a criança. Ambas foram criticadas pelo presidente Jair Bolsonaro e pelas principais lideranças neopentecostais, que alegam que as duas estariam contra a vida e a moral cristã, indicando que essa postura será a linha de frente da campanha bolsonarista em 2022.

Considerações finais

Pode-se concluir que não existe um voto evangélico unânime e que siga sem questionar a opinião das suas lideranças religiosas. Existem outros elementos que definem essa realidade, tais como origem social, capital cultural, região do país em que moram. Em 2018, conforme analisamos no boletim de maio de 2022, o movimento político e ideológico do Bolsonarismo teve sucesso em utilizar o ressentimento do eleitorado evangélico em relação aos governos petistas para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. O slogan “Deus, pátria e família” mobilizou esse eleitorado que conseguiu 70% dos evangélicos no segundo turno das eleições daquele ano. Contudo, as eleições de 2022 poderão ser marcadas por novas disputas de interesse, levando em consideração fatores socioeconômicos como primordiais para a decisão do voto evangélico.

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[168] Graduanda em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ) e pesquisadora da OPEL e NUDEB (IFCS-UFRJ).

[169] https://www.cartacapital.com.br/politica/evangelicos-votarao-baseados-na-economia-e-nao-em-costumes-defende-pastor-ligado-a-lula/

[170] https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u38663.shtml

[171] https://extra.globo.com/noticias/brasil/edir-macedo-divulga-carta-em-defesa-de-dilma-50200.html

[172] https://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/10/dilma-rousseff-e-primeira-mulher-eleita-presidente-do-brasil.html

[173] https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/09/o-poder-do-bvoto-evangelicob.html

[174] https://aun.webhostusp.sti.usp.br/index.php/2017/12/14/igreja-universal-e-lulismo-influenciaram-votos-de-evangelicos-em-2014/

[175] https://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/04/bancada-evangelica-se-posiciona-favor-do-impeachment-de-dilma.html

[176] https://revistaforum.com.br/news/2016/4/17/bolsonaro-dedica-voto-ao-coronel-brilhante-ustra-torturador-da-ditadura-15777.html

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