O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No sétimo texto “O papel da Igreja Assembleia de Deus na política cristã” (p. 37-42), o cientista social e mestrando em Ciências Sociais José Segundo analisa o papel da Igreja Assembleia de Deus e sua capilaridade no discurso evangélico sobre política.

Confira o texto abaixo!

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O papel da Igreja Assembleia de Deus na política cristã
José Rebouças da S. Segundo [44]

Resumo Este texto é parte da pesquisa de monitoramento eleitoral do NUDEB sobre os evangélicos na política brasileira, e tem como objetivo analisar o papel da Igreja Assembleia de Deus e sua capilaridade no discurso evangélico sobre política. Observar discursos evangélicos sobre a política partidária é necessário para que possamos compreender mobilizações dessa população que têm se mostrado politicamente influente. Levanto a hipótese de que a Igreja Assembleia de Deus apresenta, dentro do bloco evangélico, o discurso moral sobre a política partidária entre cristãos. Para tanto, acompanhei publicações no canal da rede social youtube de Silas Malafaia, acessei dados sobre o eleitorado religioso nas eleições de 2020, e por fim, associei à minha pesquisa etnográfica iniciada em 2017 em São Luís- MA.

Introdução

Evangélicos têm se destacado como um grupo de relevância política nos últimos anos. As eleições presidenciáveis de 2018 foram um marco para o posicionamento evangélico dentro de um espectro político conservador de direita com a vitória de Jair Messias Bolsonaro. De acordo com Jaqueline Teixeira[45], a vitória do atual presidente foi decidida principalmente no segundo turno da eleição, ao ganhar o voto de mulheres negras evangélicas. A grande incongruencia até então se dava por tentar entender como um candidato como Jair Messias Bolsonaria, que defendia abertamente temas como tortura, ditadura e o porte de armas, conseguiu o apoio de evangélicos e cristãos em geral. Para tentar explicar o papel da Igreja Assembleia de Deus na política partidária, aproveito experiências da etnografia realizada em uma Igreja Assembleia de Deus em São Luís- MA, dados do Instituto de Estudos da Religião sobre as eleições em 2020, e pronunciamentos no canal do youtube de Silas Malafaia, durante o mês de junho de 2022. O texto visa abordar os seguintes tópicos: (i) o que é o pentecostalismo e como ele se divide; (ii) influências do voto cristão; e (iii) o papel da Igreja Assembleia de Deus.

Noções sobre pentecostalismo

Falar sobre evangélicos evoca sempre a necessidade de se explicar quem de fato são esses de que falamos. A grande questão inicial reside nas categorias genéricas que se apresentam ao enunciar um grupo que, apesar de em alguma medida unido, é extremamente segmentado.

Evangélicos são a segunda maior religião dentro do território brasileiro. Os dados do IBGE de 2010 apontam no total de evangélicos a existência de 42.275.440 em número de adeptos. Dentro desse contingente existem outras ramificações divididas entre Igrejas Missionárias (com 7.686.827); Igrejas Pentecostais (25.370.484) e não determinadas (9.218.129). A igreja com maior número de fiéis, é a Igreja Assembleia de Deus com 12.314.410, o que aglomera quase metade do número total de pentecostais.

A Igreja Assembleia de Deus (IAD) é responsável por fundar o pentecostalismo. Nascida em 1910, Belém- PA, ela é resultado da expulsão de uma dúzia de fiéis, que durante um culto em uma Igreja Batista, falavam em línguas desconhecidas, provocando um vozerio forte, irreverente, e incompreensível, em alto volume. Surge o pentecostalismo, baseado nos dons do Espírito Santo, expressos na glossolalia – a capacidade de falar em línguas desconhecidas. Ele é marcado por sua flexibilização institucional em seu corpo sacerdote, pelo proselitismo face-a-face, pela capacidade de improvisação frente aos dons do Espírito Santo, e menor burocracia institucional para abertura de novas congregações. Inicia-se aqui a primeira onda pentecostal, o pentecostalismo clássico.

Nos anos 1950 acontece a onda paulistana, o deutero pentecostalismo, caracterizada pela inserção do segmento na indústria radiofônica e cultural – até então estigmatizadas por estarem associadas a atividades mundanas. Inicia-se também o evangelismo itinerante e o proselitismo em espaços públicos. Além disso, ela acrescenta ao arcabouço teológico a cura divina pela agência do Espírito Santo. Por fim, o neopentecostalismo, ou “novo pentecostalismo”, é marcado pela inauguração da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em meados dos anos 1970, cujas principais contribuições à teologia do pentecostalismo são as noções de “Guerra Santa” e “Teologia da Prosperidade”.

A primeira noção teológica reside na percepção do fiel da batalha entre Deus e o Diabo no seu cotidiano, ela expande sua visão religiosa de mundo para áreas diversas da vida, como exemplo no trabalho, na política e na família, e também no combate a outras religiões, sobretudo afro-brasileiras. A segunda, por sua vez, pode ser compreendida como um contrato entre Deus e o fiel, na garantia de uma melhoria de vida, por vezes econômica, mas, sobretudo, na superação de dificuldades no contexto social da camada congregada. Como modo de incentivo aos fiéis e de atração à igreja, pastores ostentam um estilo de vida no qual esbanjam suas riquezas materiais. Além disso, há práticas pedagógicas importantes, em que os fiéis são ensinados a atuar na sociedade segundo princípios empreendedores e de planejamento familiar.

Cristãos que votam

Uma vez que o “bloco evangélico” já foi explicado em seus segmentos, podemos compreender agora como ele age politicamente. Existem algumas entidades que podem nos ajudar a compreender quais pautas têm agido no meio evangélico, entre elas está a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), muito responsável por uma construção de um imaginário público sobre evangélicos.

A FPE tem agido sobretudo no embate a pautas progressistas em relação ao aborto e à educação sexual nas escolas. Essa frente parlamentar, bem como boa parte dos políticos evangélicos em geral, apropria-se de um slogan de campanha sob o rótulo de “políticos cristãos”. Sob esse rótulo é possível também ultrapassar barreiras congregacionais e chegar inclusive a outras religiões cristãs, conforme os dados Datafolha[46] anunciam que católicos e espíritas também concederam maioria de votos ao então candidato Bolsonaro. A última pesquisa do Instituto de Estudos da Religião[47] levantou dados de candidaturas em 2022 de oito capitais brasileiras: Belém, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Goiânia, Porto Alegre e Recife. Ela revelou que, em média, 10% das candidaturas são de candidatos com identidade religiosa e passam a ocupar 50 % das cadeiras de cada Câmara Municipal. Isso demonstra a efetividade da mobilização de pautas morais e religiosas como estratégia eleitoral.

Por outro lado, além de políticos cristãos, existem também cristãos (pastores e fiéis) que exprimem sua opinião política e influenciam seus pares nas redes sociais e no cotidiano. Desde a candidatura de Jair M. Bolsonaro, o Pr. Silas Malafaia mostrou-se um apoiador, viralizando nas redes sociais cultos nos quais ora por Bolsonaro (alguns inclusive em sua presença). No canal do youtube do líder pentecostal, pode-se observar em pequenos vídeos de até 3 minutos: (a) a defesa da pauta contra a corrupção, (b) a caracterização de e Bolsonaro como alvo da “imprensa esquerdista” e (c) ataques ao Partido dos Trabalhadores, isso tudo com a saudação inicial “povo abençoado do Brasil”. Nesses breves minutos, é possível compreender a segmentação do público cristão brasileiro que enfrenta a corrupção por parte dos governos de esquerda e da imprensa “esquerdopata”, sob um aspecto moral religioso.

Mas, nesse cenário de polarização macropolítica, existem questões que a etnografia explicita. Durante o campo entre 2018 e 2019 pude conversar com interlocutores que votaram em Bolsonaro (PSC) e apoiaram Flávio Dino (PC do B), então candidatos que se apresentavam em extremos opostos da régua ideológica. Enquanto Bolsonaro ataca a esquerda, Flávio Dino é abertamente comunista. Isso demonstra que a ideologia levada em consideração pode variar na hora do voto e do apoio institucional também. Em uma conversa com um interlocutor ele comenta que a Igreja votou no Bolsonaro por conta da família e de seu Pastor que anunciou o voto, já o apoio ao Flávio Dino devia-se ao fato da troca de apoio por cargos públicos a lideranças pentecostais, além de “os Sarneys serem macumbeiros”, conforme relatou o interlocutor. Desta forma, o relato do campo elucida o modo como referências são tomadas durante a decisão do voto evangélico, criando medidas entre a ideologia política e a religiosidade de um candidato. Vota-se em um comunista para não se votar em um macumbeiro.

Considerações finais

A hipótese desse texto está na sugestão de que, uma vez que a Igreja Assembleia de Deus é a instituição que detém o maior número de religiosos, ela seria porta-voz de pautas políticas sob a égide de questões religiosas e morais. O texto percorreu o sentido de entender como evangélicos inserem-se na vida política, e de que forma surge uma noção religiosa e moral sobre a política partidária com a participação desse segmento, para, posteriormente, observar como o bloco evangélico se organiza politicamente, bem como determinados líderes e discursos são acionados.

Conforme o neopentecostalismo alça novos âmbitos para igrejas pentecostais em geral, sobretudo a Igreja Assembleia de Deus, insere-se na política partidária um discurso que busca ganhar essa política para Deus (ou para seus líderes). Subvertese a lógica inicial do secularismo, na qual evangélicos não participavam da política, para a entrada do segmento em busca de sacralizar essa política, via “Guerra Santa”. Aliar-se a esses grupos mostra-se uma estratégia importante para políticos profissionais independente do lado político.

Há, por outro lado, a necessidade de levar em consideração de que forma essas políticas chegam para os fiéis, o que muitas vezes se transforma na defesa de políticas de diminuição do Estado encampadas tradicionalmente pelos partidos de direita. Também é preciso discutir como esses discursos afetam a vida de um público majoritariamente pobre e se a “Teologia da Prosperidade” confirma-se na vida desse fiel frente às dificuldades (as vezes) impostas pelo próprio representante estatal.

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[44] Bacharel em Ciências Sociais e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Desenvolve pesquisa etnográfica com evangélicos da Igreja Assembleia de Deus e sociabilidades pela cidade de São Luís- MA. Colaborador voluntário do NUDEB.

[45] https://www.youtube.com/watch?v=ADriEhBGl10&t=792s

[46] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/26/datafolha-de-25-de-outubro-para-presidente-por-sexo-idade-escolaridade-renda-regiao-religiao-e-orientacao-sexual.ghtml

[47] https://religiaoepoder.org.br/artigo/iser-divulga-resultados-da-pesquisa-sobre-candidaturas-com-identidade-religiosa-nas-eleicoes-municipais-de-2020/

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