O Boletim #10 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No oitavo texto “Nacionalismo Cristão ou Nacionalismo Evangélico? A corrida presidencial e o debate entre a moral e a economia” (p. 43), a graduanda em Ciências Sociais Maria Barreto apresenta um quadro geral das questões evangélicas nas eleições de 2022.

Confira o texto abaixo!

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Nacionalismo Cristão ou Nacionalismo Evangélico? A corrida presidencial e o debate entre a moral e a economia
Maria Carolina Barreto[65]

Resumo O presente texto faz parte da pesquisa do Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo apresentar um quadro geral das questões evangélicas nas eleições de 2022. Para isso, nesse oitavo boletim, será destrinchado como que o movimento nacionalista cristão tornou-se um fator condutor para as agendas de extrema direita no Brasil. Nossa hipótese é que o eleitorado evangélico conservador tornou-se uma das principais bases de apoio de Jair Bolsonaro através do interesse do prevalecimento da pauta moral em sua campanha, sendo na realidade um movimento nacionalista evangélico e não cristão. Para tal estudo, a metodologia utilizada foi a interpretação e análise de pesquisas quantitativas, realizadas pelo GENIAL/QUEST e bibliográficas acerca dos temas citados. Além disso, o uso de matérias publicadas em sites jornalísticos como Grupo Globo, Uol, BBC News, Poder 360, entre outros, além de sites oficiais do governo federal e do legislativo.

Introdução

Os saldos do primeiro turno em relação ao ex-presidente que conquistou uma vantagem considerável em relação a Bolsonaro, foi sensivelmente menor do que as pesquisas de intenção de voto estavam captando[66]. Por outro lado, aliados de Bolsonaro conseguiram se estabelecer no congresso elegendo a maior bancada na câmara e no senado pelo Partido Liberal, demonstrando que a ideologia política do presidente está adentrada na realidade dos brasileiros[67].

Já a corrida presidencial para o segundo turno das eleições de 2022, começou sendo marcada por uma ofensiva bolsonarista em relação à guerra santa[68] que já vinha sido promovida, levando os dois candidatos procurarem ampliar as relações com o meio evangélico. A disputa por narrativas moralistas veio com força abafando pautas relacionadas com a economia, (inflação, desemprego, salário mínimo, etc). Entretanto, na última semana para o pleito, o movimento bolsonarista foi surpreendido com um dos seus principais aliados, Roberto Jefferson, decisões do TSE na defensiva contra as fake news e pautas econômicas finalmente surgindo, o que favoreceu a campanha do candidato Lula (PT). Dessa forma, essa ebulição faltando poucos dias para a decisão final movimentou o eleitorado cristão.

O Nacionalismo Cristão e o Bolsonarismo: a ascensão da nova direita

Para os fins desta pesquisa, é importante compreender que os evangélicos tornaram-se a principal base de apoio do atual presidente. Para isso, ressalto que esse fenômeno político envolve valores morais que se apropriam de uma perspectiva religiosa ultraconservadora como projeto de consolidação de poder. Nessa ideologia, a utilização do cristianismo possui um papel fundamental na vida política e social da população, não é restrito ao cenário brasileiro.

A vitória de Bolsonaro em 2018 colocou o Brasil institucionalmente em uma articulação com a nova direita global que se estabelecia. Nos Estados Unidos com a ascensão do Trumpismo, o slogan “Deus, Armas e Trump”, tinha-se a crença de que a “América” era a nação escolhida por Deus e devia ser defendida como tal, foi estabelecida na esfera política nacionalista cristã[69]. Isto é, segundo o teólogo, Ronilso Pacheco, uma ideologia política de extrema direita que se vale, quase sempre, de uma gramática religiosa para justificar sua visão de mundo.

Ainda de acordo com Pacheco, o nacionalismo crsitão está agora imerso no contexto brasileiro e acoplado com o movimento bolsonarista[70]. Essa realidade pode ser observada pela possível migração do pleito evangélico em direção aos candidatos de extrema direita do Partido Liberal. O decréscimo da bancada evangélica eleita em 2022 não demonstra uma provável derrota da ala evangélica, ao contrário disso, apresenta um novo cenário, no qual esse eleitorado vem se conectando com pautas morais ultraconservadoras e consolidando-se como a base eleitoral da nova direita brasileira.

“BANCADA EVANGÉLICA A PARTIR DE 2023” por Guilherme Galvão Lopes.

Assim, como já dito anteriormente, a extrema direita exacerbou um imaginário social de uma guerra santa entre o bem e o mal na corrida para o pleito. A criação de notícias falsas que ressaltavam uma “agenda moral” de pautas “pró-vida” e “pró-família” exibem como essa batalha fundamentalista em debate acendeu uma série de perseguições aos ministros do TSE, as lideranças católicas e a violência eleitoral.

Fake news, violência eleitoral e perseguição religiosa: A crise na democracia

A estratégia de campanha de Bolsonaro (PL) foi similar com a de 2018: apresentar-se como “messias”, defensor dos valores cristãos e único capaz de impedir que o “comunismo” acabe com a pátria e a família. Essa manifestação de um conflito moralista deu origem a um cenário de terrorismo religioso no começo do segundo turno, o que negligenciou debates acerca da economia e projetos de governos dos candidatos.

Com a inesperada derrota do presidente no primeiro turno, uma ofensiva contra Lula (PT) foi rapidamente intensificada nas redes bolsonaristas a partir de conteúdos compartilhados que relacionavam o ex-presidente ao satanismo. Na primeira semana de Outubro, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), uma forte aliada de campanha de Bolsonaro (PL), postou um vídeo, no qual intensificou o cenário de guerra santa: “É o bem contra o mal”[71]. Além disso, outras notícias falsas mostravam que Lula (PT) fecharia as igrejas e perseguiria cristãos, comparando o candidato ao líder Daniel Ortega, da Nicarágua[72].

Em consequência disso, o petista escreveu na quarta-feira (19/10) uma carta aos evangélicos desmentindo essas acusações, relembrando que foi o responsável por assinar a lei da liberdade religiosa e pela criação da Marcha para Jesus[73]. Na ocasião, também se queixou da “quantidade de mentiras” que o obrigava a lançar um documento, ao invés de discutir economia e planos de governo com o seu adversário político. Por outro lado, a ala da esquerda nesse mesmo período resgatou dois vídeos do candidato Bolsonaro participando de um evento da maçonaria[74], no qual foi defendido pelo Pastor Silas Malafaia, e falando em um podcast que tinha “pintado um clima” com meninas venezuelanas de 14 anos relacionando-as à exploração sexual de menores, esse repercutindo muito nas redes sociais.

Após essa série de propagação de notícias falsas, o Tribunal Superior Eleitoral procurou rapidamente reverter os danos causados pelo compartilhamento desses conteúdos no período eleitoral. Segundo o ministro Alexandre de Moraes (STF), a nova medida visava reduzir o tempo que informações inverídicas permaneciam no ar. Entretanto, isso não impediu que o Pastor André Valadão, aliado de Bolsonaro, publicasse em suas redes sociais um vídeo alegando que o TSE havia o intimidado a se retratar contra fake news direcionadas ao ex-presidente. Tal fato foi classificado como crime para fins eleitorais e propagação de documentos falsos, o que gerou uma turbulência nas redes sociais que acusam o Ministro Alexandre de Moraes de censurar o Pastor da Igreja Batista.

As acusações contra a suposta preferência do Tribunal Superior Eleitoral ao candidato Lula (PT) e a censura em relação a Bolsonaro (PL) e seus apoiadores não ficaram restritas às redes sociais. No domingo (23/10) faltando uma semana para a decisão final, Roberto Jefferson, um dos principais articuladores informais da campanha do presidente, atirou com fuzis e jogou 3 granadas contra agentes da Polícia Federal que foram cumprir o mandado de prisão domiciliar revogada, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes (STF), após o ex-deputado publicar vídeos atacando a ministra Carmen Lúcia (STF) com xingamento misóginos. Nesse episódio, Jefferson se colocou como encabeçado pela luta contra a perseguição do TSE e a favor da família, Deus, pátria e liberdade, ressaltando o slogan da campanha atual do presidente.

Essa violência também invadiu templos das igrejas cristãs, no dia de Nossa Senhora Aparecida (12/10), padroeira do Brasil, ocorreu uma série de ataques às igrejas católicas e seus representantes. Jair Bolsonaro (PL) e seu candidato a governador em São Paulo, Tarcisio de Freitas do Partido Republicanos ligado a Igreja Universal, foram acompanhados por seus apoiadores em sua ida à Basílica de Nossa Senhora Aparecida, no interior de São Paulo, o que foi visto como um uso político pelos devotos e as lideranças religiosas. Na ocasião, grupos de bolsonaristas que carregavam copos de cervejas e gritavam o nome do presidente, agrediram a equipe da TV Aparecida que cobria as festividades. Esses atos foram condenados pelo Padre Camilo Junior que foi imediatamente vaiado do lado de fora por esses agressores[75].

Além disso, na mesma semana, o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, foi alvo de ataques bolsonaristas nas redes sociais. De vertente conservadora, foi chamado de comunista por usar uma roupa vermelha nas ocasiões religiosas, o que fez o cardeal vir a público explicar que a cor simboliza o sangue e amor de Cristo. Ao mesmo tempo, ressaltou que o Brasil encontra-se em “tempos estranhos” e que estamos vendo a ascensão do fascismo na política brasileira[76]. Essas circunstâncias colocaram um ponto de divergência entre os evangélicos e católicos, diante do uso da fé pelo atual presidente, de acordo com Dom Orlando Brandes, os fiéis precisam ter uma identidade religiosa[77]. Para isso, é necessário ressaltar que Jair Bolsonaro se declara católico mas foi batizado no Rio Jordão.

Entretanto, as perseguições religiosas também aumentaram dentro dos templos evangélicos. Segundo o levantamento do instituto DataFolha, aqueles que discordam do presidente raramente têm chance de expressar sua opinião. Os fiéis relataram que o que acontece dentro das igrejas é a violência impulsionada principalmente por líderes religiosos que ameaçam com castigo divino, expulsão e bullying daqueles que discordam da fusão entre política e religião.

O viés autoritário e antidemocrático de Jair Bolsonaro, demonstrado em sua construção política ao longo de seu mandato, resultou em um cenário social de guerra santa. A consolidação do nacionalismo cristão brasileiro fez com que parte do eleitorado evangélico ultraconservador torna-se a base de apoio violenta contra seus próprios irmãos de fé, algo que continuará mesmo após o resultado das eleições. Dessa maneira, as mulheres evangélicas e os católicos seguiram em direção ao candidato Lula (PT), devido a ideologia contrária a violência que a religião cristã de ambos prega, o que vai de oposição ao que Bolsonaro (PL) apoia.

Conclusão

Na última semana para o pleito, debates sobre questões econômicas foram intensificados após o jornal Folha de São Paulo noticiar o vazamento de um “Plano” do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Na publicação, continha que em caso de vitória do presidente Jair Bolsonaro (PL), seriam alteradas as regras sobre o reajuste do salário- mínimo, das aposentadorias e benefícios do regime geral de previdência social, consequentemente afetando os demais direitos sociais a eles vinculados.

Como já dito anteriormente, o bolsonarismo trabalhou nessa reta final para mobilizar pautas morais que atraiam o eleitorado evangélico conservador mas que não fazem parte dos projetos de governos dos candidatos. Apesar disso, com essa notícia em relação ao “Plano Guedes” e a nova estratégia de campanha do petista de não cultivar debates em torno desses temas, o crescimento de discussões acerca da inflação, salário mínimo, desemprego e renda favoreceram Luiz Inácio.

Com isso, Lula (PT) tornou-se o presidente eleito mais votado na história do Brasil, seguindo para o seu terceiro mandato em 2023. Em seu primeiro comunicado após o resultado das eleições, ressaltou a luta pela liberdade religiosa, respeito ao culto, agradecendo a Deus por sua vitória.

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[65] Graduanda em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ) e pesquisadora da OPEL e NUDEB-UFRJ.

[66] https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/10/placar-de-lula-e-bolsonaro-e-o-mais-apertado-para-1o-turno-desde-a-redemocratizacao.ghtml

[67] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63114489

[68] https://observatoriodoconhecimento.org.br/eleicoes-de-2022-ou-guerra-santa-uma-disputa-de-narrativas-sobre-deus-e-os-eleitores-por-maria-carolina-barreto/

[69] https://www.umc.org/pt/content/what-is-christian-nationalism

[70] https://theintercept.com/2022/10/07/conversar-com-os-evangelicos-nao-surtira-efeito-agora/

[71] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/10/5041843-lula-desmente-fake-news-sobre-satanismo-que-viralizou-entre-bolsonaristas.html

[72] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/10/5045422-tse-proibe-fake-news-que-associam-lula-a-ditadura-da-nicaragua.html

[73] https://restituibrasil.com.br/carta-compromisso-com-os-evangelicos/?utm_source=Google&utm_medium=CPC&utm_campaign=CRTV-3_C2_JRB_2&gclid=CjwKCAjw2OiaBhBSEiwAh2ZSP-Px4F3pOruX2w90FSViwY_TRaMn2N7xOpncnI7ZCooMIFKCXsiJnhoC3OsQAvD_BwE

[74] https://theintercept.com/2022/10/06/maconaria-bolsonaro-entrevista-eleicoes-leticia-cesarino/

[75] https://horadopovo.com.br/bolsonaristas-bebem-provocam-tumulto-e-agridem-devotos-e-jornalistas-na-basilica-de-aparecida/

[76] https://www.brasildefato.com.br/2022/10/17/arcebispo-de-sao-paulo-dom-odilo-scherer-e-alvo-de-ataques-e-fala-em-ascensao-do-fascismo

[77] https://www.estadao.com.br/politica/arcebispo-de-aparecida-fala-sobre-presenca-de-bolsonaro-ou-somos-evangelicos-ou-somos-catolicos/

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