O Boletim #3 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No nono texto “Marcha para Jesus ou Bolsonaro?” (p. 51-56), a graduanda em Ciências Sociais Maria Barreto apresenta um quadro eleitoral evangélico nas eleições gerais de 2022. Para isso, se teve como interesse observar a atuação política dos evangélicos no espaço público com a Marcha para Jesus, especialmente com vistas às eleições de 2022.

Confira o texto abaixo!

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Marcha para Jesus ou Bolsonaro?
Maria Carolina Barreto[79]

Resumo O presente texto faz parte da pesquisa do Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo apresentar um quadro eleitoral evangélico nas eleições gerais de 2022. Para isso, nesse terceiro boletim (2022.1), tem como interesse observar a atuação política dos evangélicos no espaço público com a Marcha para Jesus, especialmente com vistas às eleições de 2022. Além disso, apresentaremos um breve panorama histórico das construções e diferenças entre o pentecostalismo e neopentecostalismo. Nossa hipótese é que a atuação desses grupos evangélicos em espaço público deu força para o candidato Jair Bolsonaro diante das eleições. Para tal estudo, a metodologia utilizada foi a interpretação e análise de pesquisas quantitativas, realizadas pelo GENIAL/QUEST e bibliográficas acerca dos temas citados. Além disso, o uso de matérias publicadas em sites jornalísticos como Grupo Globo, Uol, BBC News, Poder 360, entre outros, além de sites oficiais do governo federal e do legislativo.

Introdução

O crescimento numérico dos evangélicos intensificado a partir dos anos 1980, especialmente de denominações pentecostais e neopentecostais, transformou as maneiras de imaginar esse grupo religioso no Brasil que também a foi acompanhada de grandes transformações nos seus modos de atuação no espaço público. A marca da entrada da Igreja Universal do Reino de Deus do bispo Edir Macedo na política institucional, a presença dos programas de televisão, das rádios evangélicas e a consolidação de um mercado gospel estabeleceram novos patamares estéticos no imaginário social de quem são os evangélicos.

Em suma, é necessário destacar a principal diferença dos pentecostais e dos neopentecostais. Em uma primeira análise, é fundamental compreender que a religião pentecostal nasceu com uma base cultural negra com William Seymour no sul dos Estados Unidos, direcionando uma leitura dos textos para uma periferia afro-urbana. Já no Brasil, em 1993, de acordo com Paul Freston, é possível dividir esse movimento em três ondas, mas neste boletim serão abordadas duas das principais delas: os pentecostais clássicos e os neopentecostais.

Na primeira onda com os pentecostais clássicos de 1910 a 1950 tinha como principal princípio enfatizar o dom das línguas, crença na volta de Cristo, na salvação paradisíaca, no sectarismo e ascetismo. Na época, o padrão dos fiéis era majoritariamente pobre, negro e de baixa escolaridade, mas atualmente pode-se observar uma mudança parcial nesse cenário que também abrange setores da classe média, profissionais liberais e empresários. A Assembleia de Deus, uma das maiores representantes dos pentecostais clássicos, sinaliza agora uma certa dessectarização ao participar da política partidária, programas de TV e busca de visibilidade pública e poder.

Por outro lado, do neopentecostalismo, a Igreja Universal do Reino de Deus é a maior representante desse segmento. Considerado parte da terceira onda a partir do final dos anos de 1970 e início de 1980, o movimento neopentecostal tem como suas principais características a exacerbação de uma guerra espiritual contra o “Diabo e os anjos caídos”, total ruptura com o sectarismo e ascetismo e a não utilização de alguns estereótipos acerca dos costumes e usos de santidades. Outro fato importante, historicamente, esta nova ideologia cristã compreende que a importância material como salvação e milagre divino.

Já em 1987 realizada em Londres, herdeira direta da City March em resposta às diferentes formas de manifestação a que os grupos descontentes com o governo Margaret Thatcher, a Marcha para Jesus, como passou a ser chamada, tornou-se um evento internacional, realizado em mais de uma centena de cidades de todo o mundo. Com o intuito de sobressair o evangelismo das “paredes do templo de Jesus”, no Brasil passou a ser realizada em 1993 através de esforços da Igreja Renascer em Cristo que posteriormente em 2009 foi aprovado o processo de lei 12.025, com autoria de Marcelo Crivella, um dia nacional da Marcha para Jesus no calendário oficial do país.

Marcha para Jesus no Brasil

Como mencionado, sabe-se que é um encontro do “povo de Deus” para manifestar a sua fé e liberdade religiosa em espaços públicos além das suas Igrejas. Entretanto, quando observamos o seu contexto histórico em território brasileiro, é possível notar uma carga política bastante enraizada. Na marcha de 2004, o Bispo Estevam Hernandes profetizou que seria aprovado um decreto de um dia específico para a manifestação. Em 4 de setembro de 2009, o site da Igreja Lagoinha anunciou “Lula sanciona Dia Nacional da Marcha para Jesus”, assinando o decreto que inseriu a Marcha para Jesus no calendário comemorativo nacional. Apesar disso, o atual candidato à presidência pelo PT, na época da sua gestão governamental nunca participou de nenhum desses eventos, assim como a ex-presidente Dilma Rousseff. Em 2019, Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato tornou-se o primeiro presidente a comparecer ao evento conduzido pelos fundadores da Renascer em Cristo, mas que mobiliza dezenas de igrejas num país cada vez mais pentecostal[80].

Além disso, a Marcha para Jesus sempre destacou a defesa da família, moral e bons costumes. Em 2012, por exemplo, era marcado as presenças de bandeiras com escritos nos cartazes que estampavam os trios elétricos e materiais oficiais do evento diziam respeito às pautas da frente parlamentar evangélica que era contrária à criminalização da homofobia, à legalização do aborto e da união homoafetiva. Segundo Marcelo Crivella, na época senador (PRB-RJ): “A marcha não deixa de ser um ato político”. Além disso, também foi declarado pelo pastor Silas Malafaia que o “Brasil é a nação cujo Deus é o Senhor”, Acima de tudo, a Marcha protegeria o Brasil contra os ataques do “diabo contra a família brasileira, que vem desses ativistas gays, dos esquerdopatas que tentam destruir o projeto de Deus para o Brasil”[81]. Tal ação organizada pelo Pastor, naquele momento era relacionada diretamente ao Projeto de Lei 122, que criminaliza discursos e ações discriminatórias contra homossexuais.

Marcha para Jesus em 2022

Evento religioso, que agora completa 30 anos, domina o espaço público e contou com a presença fundamental do presidente Jair Bolsonaro, réplica de uma arma gigante e R$ 1,7 milhão em emendas dos vereadores paulistanos[82]. Ainda se apoiando no discurso anticomunista, Bolsonaro aponta como a nação sofre com com o risco do “vermelho do socialismo”, uma vez que o presidente Lula (PT) segue ainda liderando as intenções de voto em âmbito nacional mas entre os evangélico continua não sendo o favorito[83]. Em seu discurso, explicita uma disputa “do bem contra o mal” e em defesa da família tradicional brasileira, no qual possui os evangélicos como guerreiros de Cristo.

Tais declarações transparecem um imaginário social formado pelo movimento bolsonarista: o de que um cristão de verdade jamais é de esquerda. Essa idealização possui claro apoio dos líderes pentecostais mais influentes, como o bispo Edir Macedo e o pastor Silas Malafaia. Como mencionado anteriormente, Bolsonaro foi o primeiro presidente a participar da Marcha para Jesus, de acordo com a Folha de SP, os manifestantes apresentam como que eles foram negligenciados pelos outros governantes, principalmente pela esquerda brasileira, essa realidade seria uma amostra de como o campo progressista deixou escorrer por suas mãos um diálogo que já conseguiu estabelecer com a cúpula pastoral do país[84].

Apesar disso, um ato na Catedral da Sé reuniu algumas lideranças cristãs que se declaram críticos à Marcha para Jesus e Bolsonaro, como o padre Júlio Lancellotti que foi alvo de ataques bolsonaristas nos últimos meses. Esse grupo que declara “contrário a fundamentalismos religiosos que têm usado a política para colonizar o povo com suas ideias”, nas falas da reverenda Alexya Salvador, procura se solidarizar a minorias sociais e aos moradores em situação de rua.

Em contrapartida do slogan “Deus acima de todos” de Bolsonaro e líderes pentecostais, o movimento na Catedral da Sé utiliza “Jesus está aqui” para demonstrar que Jesus mandou alimentar e não armar as pessoas, mas principalmente que Ele não se colocaria em um lugar de hierarquia perante a população. Segundo os religiosos progressistas, “nosso Jesus foi torturado e assassinado pelo poder político de seu tempo; Se Jesus estivesse aqui hoje, o atual governo federal o mataria de novo”[85].

Conclusão

Portanto, pode-se concluir que compreender que não existe um tipo de eleitorado evangélico, assim como suas ramificações que vão além do pentecostalismo. O atual presidente Bolsonaro ao observar isso, aproxima-se da parcela maior desse grupo, angariando apoio e fortalecendo suas demandas a favor da família tradicional brasileira, dos bons costumes e da fé cristã. Apesar disso, a outra ala religiosa e progressista procura contrair esse senso comum que os cristãos estão todos dentro do movimento político ideológico do bolsonarismo, o padre Júlio Lancellotti é uma das principais lideranças religiosas que demonstram essa realidade. Assim, levando em consideração isso, o candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e principal opositor de Bolsonaro, Lula se aproximando desses cristãos progressistas poderá abrir vantagem no eleitorado evangélico e reverter o cenário onde Jair Bolsonaro lidera.

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[79] Graduanda em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ) e pesquisadora da OPEL e NUDEB-UFRJ.

[80] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/marcha-para-jesus-escancara-negligencia-da-esquerda-com-evangelicos.shtml

[81] https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/05/marcha-para-jesus-reune-milhares-de-fieis-no-centro-do-rio.html

[82] https://www.brasildefato.com.br/2022/07/23/ato-de-bolsonaro-no-es-tem-replica-de-arma-gigante-durante-marcha-para-jesus

[83] https://www.poder360.com.br/poderdata/poderdata-bolsonaro-tem-44-dos-votos-evangelicos-e-lula-35/

[84] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/marcha-para-jesus-escancara-negligencia-da-esquerda-com-evangelicos.shtml

[85] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/07/ato-na-se-reune-religiosos-criticos-a-marcha-para-jesus-e-a-bolsonaro.shtml

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