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O Boletim #10 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No primeiro texto “Lula eleito e os desafios da democracia brasileira” (p. 5), o cientista político Josué Medeiros analisa a vitória do presidente eleito Luiz Inácio e os desafios a serem enfrentando para o fortalecimento da democracia brasileira.

Confira o texto abaixo!

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Lula eleito e os desafios da democracia brasileira
Josué Medeiros[1]

As eleições da polarização entre a democracia e o autoritarismo terminaram com uma vitória apertada das forças democráticas. Lula foi eleito com 50,9% dos votos válidos, somando 60 milhões de votos. Bolsonaro saiu derrotado com 49,1%, um total de 58 milhões de votos.

A margem mais estreita da história democrática brasileira permite uma dupla interpretação. Há, por um lado, a preocupação com o tamanho da força do bolsonarismo. Esta força já havia se manifestado no 1o turno tanto com a votação do presidente quanto pela eleição de expressivas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. E foi reafirmada, no 2o turno, com a vitória do ex-ministro Tarcísio nas eleições de São Paulo, além do patamar de votos conquistado por Bolsonaro em 30 de outubro.

Entretanto, é preciso lembrar que Bolsonaro foi o primeiro presidente a não se reeleger desde que essa possibilidade foi aprovada em 1997. A recente história eleitoral brasileira mostra que os incumbentes sempre saem em vantagem pela posição de dirigir a máquina pública. Em eleições normais, o mandatário que disputa a reeleição consegue melhorar os índices de aprovação do governo e diminuir a rejeição porque as entregas do seu mandato que são feitas no último ano e a propaganda eleitoral ajuda a sedimentar uma percepção de melhora da vida na população. Foi assim com Fernando Henrique, com Lula e com Dilma e com diversos governadores e prefeitos país afora nesses 25 anos de reeleição.

Ademais, o que Bolsonaro fez para se beneficiar da posição de presidente foi inédito em nossa história e precisa ser qualificado como uma tentativa de golpe de Estado, reforçando o sentido autoritário de sua candidatura e do bolsonarismo como fênomeno político. A aprovação, em julho, de uma política pública de transferência de renda para os mais pobres às vésperas da eleição foi a maior tentativa de compra de votos da nossa história. E não foi o único ato deste tipo do presidente, que criou um vale caminhoneiro, um vale taxista, aprovou empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil e baixou artificialmente o preço dos combustíveis, primeiro com uma redução de impostos que viola o pacto federativo e depois com a interferência política na Petrobrás, que vem segurando o aumento a pelo menos quatro semanas. Em suma, Bolsonaro despejou bilhões na economia de modo eleitoreiro e mesmo assim perdeu a disputa presidencial.

A democracia venceu a eleição contra o autoritarismo. Esse triunfo não encerra a disputa das forças democráticas contra o bolsonarismo autoritário, mas, sem dúvida, coloca essa disputa em patamares mais favoráveis para a manutenção e ampliação dos direitos do povo e para a retomada de uma cultura política cidadã em nosso país.

O alcance da reação bolsonarista ao resultado das eleições 

Ao longo do processo eleitoral, especulava-se, com justificado alarde, sobre a dificuldade que o presidente Lula teria para tomar posse caso saísse vitorioso no pleito. Bolsonaro deu sinais constantes durante seu mandato de que não aceitaria o resultado das eleições, alegando que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas. O exemplo estadunidense da invasão do Capitólio, em 06 de janeiro de 2021, por uma turba trumpista insuflada pelo próprio Donald Trump segue vivo e pairava sobre toda a disputa eleitoral brasileira.

O dia seguinte ao desfecho foi marcado por um patético silêncio de Bolsonaro, enquanto o bolsonarismo mais radical levantava barricadas nas estradas de norte a sul do Brasil em protesto contra a vitória de Lula. O movimento golpista começou já no domingo, atingiu seu ápice na segunda-feira, dia 31 de outubro, e começou a arrefecer quando as instituições e a sociedade começaram a reagir. Do ponto de vista institucional, a reação veio tanto do judiciário quanto do sistema político. Quando ao STF, rapidamente, ordenou o desbloqueio das estradas, com penas de multas e prisão, inclusive ao diretor da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, que desde o domingo assumiu o aparelhamento miliciano da instituição que comanda em favor de Bolsonaro. Já o sistema político condenou os atos quase por unanimidade, incluindo partidos que apoiaram Bolsonaro, com exceção das lideranças políticas bolsonaristas mais radicais.

Da parte da sociedade, as reações contrárias foram amplamente majoritárias, das quais destacamos duas: primeiro, a ação localizada de movimentos sociais, sindicais e torcidas organizadas para romper os bloqueios, o que em todos os casos foi conseguido com facilidade. Isso demonstra que a força desse bolsonarismo radical sem a máquina do Estado é bem limitada. Segundo, a reação de parte importante do empresariado – inclusive setores que apoiaram Bolsonaro – contra os bloqueios, que chegaram a causar prejuízos e desabastecimento em alguns estados. Isso evidencia que é alto o nível de isolamento do bolsonarismo mais radical, o que contrasta com o resultado eleitoral desse setor.

Ao fim e ao cabo, Bolsonaro rompeu o silêncio primeiro com um patético pronunciamento de 2 minutos e depois com um vídeo pedindo aos seus apoiadores para liberar as estradas. Em seu breve discurso, o presidente não reconheceu o resultado, mas sua fala foi o suficiente para que as instituições – STF, Congresso e seu próprio governo – entendessem que ele não vai contestar o resultado e desse início ao processo de transição entre as gestões, o que é o marco institucional brasileiro de respeito dos resultados quando a situação sai derrotada em um processo eleitoral.

Os desafios da transição para a democracia

Se é verdade, como falamos em todo nosso monitoramento eleitoral, que essas eleições se deram sob o signo de uma polarização entre democracia e autoritarismo, esta disputa mais profunda não desaparece com o fim do pleito. Ao contrário, estamos vivendo uma transição que não é só entre gestões, mas entre um governo que pretendia destruir as instituições democráticas e construir um arranjo institucional autoritário e um governo que terá como missão refazer a democracia no Brasil.

Neste sentido, a transição se iniciou com o simbolismo da frente ampla que Lula organizou no processo eleitoral. Isso fica nítido com a escolha, por parte do presidente eleito, do seu vice Geraldo Alckmin para coordenar o processo e não alguma figura do seu próprio partido, o PT. Outra dimensão em que a transição se dá como frente ampla é com a ida da ex-ministra Marina Silva para a COP-27, no Egito, representando o futuro governo.

O grande desafio de curto prazo da transição entre governos é garantir que as duas principais promessas feitas por Lula durante o processo eleitoral sejam cumpridas. São elas, a valorização real do salário mínimo e a manutenção da política pública de transferência de renda para 2023. Vale lembrar que, na Lei de Diretrizes Orçamentárias enviada por Bolsonaro, não há previsão para manter o Auxilio Brasil de R$600,00 e consta apenas uma reposição da inflação no valor do salário mínimo, sem ganhos efetivos para quem recebe.

Garantir essas promessas passa por negociar mais com o Congresso do que com o governo que termina e já é um primeiro embate do desafio de Lula em garantir que sua gestão consiga fazer política para os mais pobres em meio a um quadro de retração econômica e parlamento de maioria conservadora. Mas isso não será o suficiente: Lula precisará de políticas que melhorem a vida de todos os setores da sociedade e não só dos mais pobres, que serão prioridade absoluta nesse começo de mandato.

É fundamental que as pessoas que recebem entre 2 a 10 salários mínimos também experimentem políticas públicas que as acolha e proteja diante das tempestades econômicas e que as impulsione nos momentos de crescimento. Isso vale para os trabalhadores formais e, principalmente, para o enorme contingente de trabalhadores não assalariados, tais como informais, MEI, PJs e trabalhadores de plataformas tais como UBER e os entregadores que rodam as cidades de bicicleta ou moto. O mesmo vale para os setores que mais votaram no presidente, por exemplo, mulheres, povos indígenas e população negra, mas também aquele eleitorado em que ele foi derrotado, como os evangélicos.

Considerações finais: a mobilização política e social em defesa da democracia

Não haverá transição segura para a democracia sem que o conjunto de setores sociais do Brasil esteja satisfeito com sua vida cotidiana. Esse será o primeiro passo para o restabelecimento da confiança nas instituições e da legitimidade do sistema político.

O mais grave é que esse passo terá que ser dado em meio a um enfrentamento sem tréguas com o bolsonarismo. Bolsonaro e suas lideranças políticas não aceitarão fazer oposição interna ao Congresso Nacional. A extrema-direita funciona em uma lógica de mobilização permanente nas ruas e nas redes para desgastar o governo e o sistema político permanentemente e em todas as dimensões, não apenas a econômica ou de crítica aos resultados da gestão de Lula.

As forças democráticas em geral e o campo progressista em particular precisará retomar uma dinâmica de mobilização e disputa de hegemonia para além dos períodos eleitorais, algo que foi perdido no Brasil pelo menos desde a virada do século XX para o XXI, quando Lula se tornou presidente pela primeira vez.  

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[1] Cientista político e professor da UFRJ e PPGCS – UFRRJ.

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