O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No segundo texto “Lugar de mulher é onde ela quiser?” (p. 8-14), a bacharel em Relações Internacionais pela e mestranda em Ciências Sociais, Giulia Gouveia, e a voluntária Roberta Vilarins analisam quais as tendências para a representação política de mulheres nas eleições deste ano.

Confira o texto abaixo!

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Lugar de mulher é onde ela quiser?
Giulia Gouveia [4] e Roberta Vilarins

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar quais as tendências para a representação política de mulheres nas eleições deste ano. Para isso, neste boletim, buscamos retomar parte da trajetória das mulheres na política brasileira, destacando o papel das medidas reparatórias estabelecidas no campo institucional para os avanços e retrocessos observados neste curso. Para tal estudo, utilizamos referencial teórico[5] e levantamento de dados a partir do portal virtual do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de matérias dos jornais Folha de São Paulo, G1, Jornal Opção e Migalhas.

Direitos políticos das mulheres: da teoria à práxis

Em 2022, o voto feminino no Brasil completará 90 anos. Antes de ser conquistado, considerava-se que este direito simbolizaria o reconhecimento social e estatal da igualdade entre mulheres e homens, possibilitando que elas representassem os próprios interesses. Embora certamente tenha representado um avanço, amenizando a desigualdade de gênero, a equidade formal de homens e mulheres não equivale a uma igualdade efetiva de ingresso neste espaço, uma vez que, até os dias atuais, a elite política é composta majoritariamente por homens.

Tal característica é evidenciada quando observamos alguns dados: apesar de constituírem 52% da população brasileira, as mulheres ocupam apenas 12% das prefeituras, 15% do Congresso Nacional e menos de 4% dos governos estaduais. Para os 25 governadores eleitos em 2018, há somente uma governadora eleita. Como sugerido por Anne Phillips (1995), é necessário apenas reverter a posição dos gêneros para evidenciar o déficit democrático que incide sobre as mulheres: o que pensariam os homens de uma legislatura em que eles estivessem suplantados nessas proporções?

A questão vai além: quando a categoria “mulheres” é analisada através de um viés interseccional, as mulheres lidas pela sociedade como não-brancas são acometidas por outras relações de poder além do gênero, especialmente estando inseridas em um país no qual a experiência histórica que alicerçou a construção do poder político no Brasil corresponde às formas de dominação do patriarcalismo e do escravismo. Portanto, a sub-representação de mulheres não-brancas é ainda mais grave, ao passo que, observando as eleitas em 2018, apenas 14 eram não-brancas – entre elas, as pardas lideraram com nove eleitas, seguidas por quatro pretas e uma indígena.

A odisseia das medidas reparatórias

A fim de aumentar a inclusão de mulheres na política, desde 1995 vêm sendo desenvolvidas ações afirmativas, como as cotas eleitorais para mulheres, a redistribuição dos fundos destinados às campanhas e a regulamentação do tempo de televisão e rádio, visando não somente a diminuição da desigualdade de gêneros, como também, mais recentemente, maior equidade racial.

Faz-se importante ressaltar que uma série de fatores institucionais incide sobre a sub-representação de mulheres, mesmo com as medidas reparatórias, como o fato de o Brasil utilizar o sistema de lista aberta, enquanto a reserva de vagas para mulheres nos partidos e coligações funciona de maneira mais efetiva em Estados adeptos do sistema de lista fechada, haja vista que a lista aberta está mais centrada na figura individual das/os postulantes, favorecendo assim candidaturas de homens, que concorrem para ingressar em um ambiente lido como masculino pela sociedade.

Também, as candidaturas “laranjas”, que são a tentativa partidária de burlar a Lei de Cotas através da adição de nomes femininos nas listas unicamente com o intuito de cumprir com os requisitos legais, uma vez que não são destinados recursos financeiros ou sequer realizadas campanhas para essas candidatas.

Para além disso: mesmo as candidaturas de mulheres que não se enquadram como “laranjas” enfrentam um déficit financeiro, que pode ocorrer quando os recursos pessoais são insuficientes para arcar com a entrada na vida política – fator que acomete mais as mulheres, como é possível observar através de dados socioeconômicos brasileiros -, mas se dá principalmente através da distribuição desigual dos fundos de campanha partidários. Assim, a questão financeira incide fortemente sobre as chances de eleição das/os postulantes, uma vez que as campanhas eleitorais dependem de financiamento para realizar atividades básicas, desencadeando uma ligação direta entre desempenho eleitoral e financiamento, especialmente quando consideramos o fator lista aberta.

Os escassos incentivos das legendas ao impulsionamento da representação política de mulheres podem possuir conexão com a predominância masculina nas instâncias diretivas partidárias. Nem mesmo candidatas à reeleição, com capital político já agregado, fogem da assimetria de gêneros no âmbito do financiamento.

À vista disso, em 2018, o TSE definiu que ao menos 30% do fundo eleitoral deveria ser destinado para candidaturas femininas, inclusive na proporção de tempo de propaganda no rádio e na televisão. Também, essa emenda obriga os partidos a destinar 5% dos recursos do Fundo Partidário para programas de promoção e difusão da participação feminina na política.

Em contrapartida, a referida emenda também caracterizou um retrocesso ao anistiar os partidos que descumpriram a obrigação de preencher a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça nas eleições que ocorreram antes de sua promulgação.

Mais recentemente, em 2021, a EC 111/21 determinou a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e pessoas negras no cálculo da distribuição dos recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral. A determinação é válida de 2022 a 2030 e a contagem dos votos ocorrerá uma única vez. Essa medida visa o aumento do registro e da filiação de mulheres, uma vez que, quanto mais votos o partido receber, maior será o recebimento de recursos dos fundos.

Contudo, apesar das medidas reparatórias, em 2018, foi comum a inclusão de mulheres como candidatas a vice em candidaturas majoritárias e os homens como cabeça de chapa.

Mesmo após as reformulações mais recentes, o cenário atual tem indicado que uma alternativa encontrada pelas agremiações para manter seu caráter masculino, ao mesmo tempo em que não desrespeita diretamente as medidas reparatórias, é selecionar mulheres para o posto de vice. Assim, basta direcionar os fundos destinados às campanhas para a chapa majoritária, uma vez que a lei não determina que esses recursos devam ser distribuídos de maneira igualitária entre as candidatas.

Portanto, a seleção de uma mulher como vice faz um aceno à pluralidade, estando em conformidade com a legislação eleitoral, embora não proporcione benefícios significativos à representação política de mulheres. Na realidade, esse formato de distribuição dos recursos permanece privilegiando as chapas encabeçadas por homens. Tal fator pode ser atribuído justamente aos partidos políticos que, liderados por homens, resistem em abrir espaço para que as mulheres possam atuar efetivamente como protagonistas.

Ainda é possível haver modificações até a realização das convenções partidárias, mas o quadro vem se desenhando da seguinte forma em relação à candidatura de mulheres ao posto máximo dos executivos estaduais: o MDB lançou Teresa Surita ao Governo de Roraima e Mara Rocha ao Governo do Acre. O PDT lançou Leila Barros no Distrito Federal e Carol Braz no Amazonas. O PSOL, por sua vez, foi o partido que mais lançou candidatas: Manuela Nunes no Piauí, Ângela Machado no Paraná, Karol Chaves no Tocantins, Keka Bagno no Distrito Federal e Lorene Figueiredo em Minas Gerais, e Adelita no Ceará.

Já para o Palácio do Planalto, o MDB lançou a senadora Simone Tebet, o PSTU indicou Vera Lúcia e o PCB tem Sofia Manzano como candidata.

Ainda, o pré-candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), busca atrair sua ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina (Progressistas), para compor a chapa com ele. Tereza é deputada federal pelo MS, ligada ao agronegócio, com valores conservadores e apoiadora do governo atual. O objetivo é atrair o público feminino, um dos eleitorados com menor intenção de voto em Bolsonaro.

Tebet, por sua vez, tem se posicionado como uma possível representação da “terceira via” e afirmando que não será vice nas eleições de 2022. Interpretando que essa posição seria de coadjuvância, aceitar ser vice equivaleria a uma forma de diminuir o espaço da mulher na política: “há 20 anos estimulo mulheres porque faço parte desta história. (…) Se ela quiser ir para o mercado de trabalho tem que ter direito a ganhar salário igual. (…) Lugar de mulher é onde ela quiser, e precisamos de mais mulheres na política” [6].

No MDB, a candidatura de Simone já possui o apoio da maior parte dos diretórios regionais, o que indica que seu nome deve ser aprovado na convenção partidária. No entanto, a pressão interna em torno da candidatura é grande e se deve, em grande parte, ao fundo eleitoral. Isto porque caciques do partido entendem que não seria proveitoso despender um valor elevado na campanha de Tebet, já que sua candidatura ainda não conseguiu demonstrar viabilidade.

A preocupação de alguns membros do partido é com a possibilidade da bancada do MDB no Congresso Nacional ficar muito reduzida na próxima legislatura, além de uma possível repetição do fiasco ocorrido em 2018 com Henrique Meirelles. Cabe relembrar que o tamanho na bancada é relevante para o cálculo do percentual do Fundo Eleitoral a ser distribuído aos partidos.

Conclusão

A partir do exposto, não parece que grandes avanços em relação à representação política de mulheres serão constatados no próximo pleito, ao passo que o número de pré-candidatas aos governos estaduais nas eleições de 2022 é inferior ao de 2018. E esse número pode ser ainda menor, já que as candidaturas ainda devem ser referendadas pelos partidos até o mês de agosto. Além disso, dentre as sete eleitas vice-governadoras em 2018, nenhuma voltará a concorrer ao mesmo cargo neste ano.

Portanto, será mesmo que a frase “lugar de mulher é onde ela quiser” aplica-se à política brasileira? Completamos 90 anos da conquista do direito ao voto, e somente há seis anos foi construído um banheiro feminino no Congresso Nacional – no mesmo ano em que a primeira presidenta eleita sofreu um golpe-impeachment. 90 anos, e as instâncias partidárias permanecem desenvolvendo meios de burlar as medidas reparatórias. 90 anos, e parece que ao menos mais 90 serão necessários para atingir a plena equidade de gêneros na política. 90 anos após a conquista do direito ao voto, e o lugar de mulher ainda não é onde ela quiser, porque as estruturas políticas permanecem sob o mesmo comando há muito mais de 90 anos, e ele é branco, masculino, cisgênero e heterossexual.

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[4] Bacharel em Relações Internacionais pela UFRRJ. Mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRRJ. Atua como coordenadora adjunta do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM – UFRJ e PPGCS/UFRRJ), como assistente de coordenação do projeto Mulheres Eleitas e como pesquisadora da rede A Ponte.

[5] “The politics of presence”, de Anne Phillips (1995), “Beyond Multiple Inequalities: Transversal Intersectionality”, de Judith Squires (1999), “Representação política, representação de grupos e política de cotas: perspectivas e contendas feministas”, de Teresa Sacchet (2012), e “Financiamento eleitoral, representação política e gênero: uma análise das eleições de 2006”, de Teresa Sacchet e Bruno Speck (2012).

[6] https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2022/06/20/tebet-no-g1-trecho-temos-apenas-15percent-de-mulheres-na-politica-e-nao-e-porque-mulher-nao-se-interessa-em-politica-ou-porque-nao-vota-em-mulher.ghtml

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