O Boletim #1 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No oitavo texto “Crescimento da participação indígena na política: a busca pela construção da bancada do cocar” (p. 40-46), a bolsista Raissa Farias analisa o aumento de candidaturas indígenas e de representantes eleitos nos últimos pleitos eleitorais, bem como a articulação política para formação da “bancada do cocar” no Congresso nacional em 2022, composta por lideranças dos povos originários.

O estudo busca traçar o histórico de candidaturas, bem como a motivação que levou os indígenas a uma inserção política assídua nos últimos anos.

Confira o texto abaixo!

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Crescimento da participação indígena na política: a busca pela construção da bancada do cocar
Raíssa M. Farias

Resumo Este boletim tem como objetivo analisar o aumento de candidaturas indígenas e de representantes eleitos nos últimos pleitos eleitorais, bem como a articulação política para formação da “bancada do cocar” no Congresso nacional em 2022, composta por lideranças dos povos originários. Busca-se traçar o histórico de candidaturas, bem como a motivação que levou os indígenas a uma inserção política assídua nos últimos anos.

Com a finalidade de compreender o aumento gradativo das candidaturas federais e municipais, examinam-se os dados relativos às eleições de 2014, 2016, 2018 e 2020. Por conseguinte, apresentam-se os fenômenos que levaram os povos indígenas a reivindicar uma bancada própria.

Como fonte para pesquisa, foram utilizados o site do TSE, IBGE, jornal O Globo, Revista Exame, Estadão, Agência Brasil, Nexo Jornal, Conselho Indigenista Missionário, Revista Jacobin, Portal Terra, plataforma de periódicos científicos Scielo e, por fim, o site oficial da APIB (Articulação dos Povos Indígenas no Brasil) e CIMI (Conselho Indigenista Missionário).

Breve histórico de candidaturas indígenas

O crescimento do número de candidaturas indígenas tornou-se patente desde as eleições de 2014. Nesse ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aplicou, pela primeira vez, o método de classificação dos candidatos a partir da cor e raça (brancos, negros, indígenas, pardos e amarelos) aos cargos de deputado(a) estadual, deputado(a) federal, governador(a), senador(a) e presidente da República. Segundo o TSE, no total de quase 22 mil candidatos, 85 candidatos se declararam como indígenas [49] em 2014. Apenas um candidato indígena, José Carlos Nunes da Silva, foi eleito deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no Espírito Santo.

Estima-se que candidatos não se autodeclararam como indígena em função de questões estratégicas, tais como, evitar preconceito político no Congresso. Suspeita-se que outros tenham se identificado como pardos. O candidato Telmário Mota, senador eleito pelo Partido Democrata Trabalhista (PDT) de Roraima, foi reconhecido pelo próprio partido como indígena em uma reportagem acerca de sua vitória, com o bordão “Telmário Mota, um Macuxi não foge à luta”. Em sua ficha de cadastro do TSE, entretanto, Mota se identificou como pardo [50].

Em 2018, foram registradas 133 candidaturas indígenas aos cargos de governador, senador, deputado federal e deputado estadual/distrital [51]. Essa eleição foi considerada um marco para os povos originários, pois nela foi eleita, pela primeira vez, uma mulher indígena para o cargo de deputada federal, Joênia Wapichana (Rede Sustentabilidade – Roraima), enquanto outra indígena candidatouse à vice-presidência da República, Sônia Guajajara (Partido Socialismo e Liberdade – PSOL) [52]. Esse acontecimento obteve grande significado para o movimento indígena, visto como um ato de resistência e esperança, unificado, também, com o feito histórico de Mário Juruna, o primeiro indígena eleito a deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), representando o estado do Rio de Janeiro, no ano de 1982[53]. Outro fato a destacar em 2018: após declaração preconceituosa de que o brasileiro herdou “a indolência dos indígenas e a malandragem dos africanos”, o general Hamilton Mourão (PTRB), candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), autodeclarou-se indígena na Justiça Eleitoral [54].

Nota-se um aumento considerável de candidaturas indígenas nos pleitos municipais de 2016 e 2020, quando também se utilizou a classificação das candidaturas por raça e cor. Em 2016, segundo dados do TSE, cerca de 1.715 indígenas se candidataram aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, resultando em 184 eleitos55. Já em 2020, os números de candidatos alavancaram, sendo registradas 2.216 candidaturas. No total, 202 indígenas foram eleitos a cargos em nível municipal [56]. Como se percebe, as candidaturas indígenas foram mais bemsucedidas nesses pleitos, tanto em número quanto em quantidade de eleitos.

Devemos perguntar: quais condições proporcionaram o aumento da inserção de povos indígenas na política partidária nas eleições dos últimos anos?

Medidas para viabilizar a participação dos povos originários nas eleições

Desde a Constituição Federal de 1988, os povos indígenas têm assegurado o direito à participação no processo eleitoral. Contudo, o papel exercido pela Justiça Eleitoral (JE) tornou-se fundamental no que se refere à melhoria das condições de exercício de seus direitos políticos, ou seja, direito a votar e ser votado.

Em outubro de 2021, o TSE estabeleceu a Resolução nº 23.659, que extinguiu a exigência da fluência em língua portuguesa como critério para o cadastro eleitoral e o requerimento das candidaturas de indígenas, quilombolas e indivíduos de comunidades remanescentes. Essa exigência presente no Código Eleitoral, que vigorava desde 1965, impediu que indígenas exercessem o direito de votar e de se candidatar nas eleições nacionais mesmo depois da Constituição. Segundo o Censo do IBGE de 2010, 17,5% dos indígenas não possuíam fluência no português, isto é, aproximadamente 158 mil indígenas. A resolução do TSE prevê, de igual forma, a não exigência de comprovante domiciliar para indígenas, quilombolas e indivíduos em situação de rua, visto que a noção territorial indígena é diferente dos padrões normalmente impostos. Sobretudo, é preciso considerar a negligência do Estado nas questões de demarcação de terras indígenas e quilombolas [57].

No dia 19 de abril, data que rememora a luta indígena, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou a Portaria TSE nº 367/2022, que estabelece a Comissão de Promoção da Participação Indígena no Processo Eleitoral [58], uma reivindicação de líderes indígenas. Essa comissão será responsável por elaborar estudos e projetos que visam a ampliação da participação indígena em todas as etapas das eleições, com o objetivo de fortalecer o desempenho eleitoral dos povos indígenas e reduzir a sub-representatividade, respeitando seus costumes, linguagens e sua organização social. Vale salientar que essa comissão é coordenada pela assessora do Núcleo de Inclusão e Diversidade do TSE, a indígena Samara Pataxó [59].

Registra-se que o Censo Demográfico de 2010 revelou que 817 mil pessoas se autodeclararam indígenas. Houve um crescimento considerável dessa população no período posterior à Constituição de 1988, saltando de 294 mil no Censo de 1991 para 734 mil pessoas no Censo de 2000, salto esse atribuído tanto à valorização da identidade indígena quanto à implementação de políticas decorrentes da Constituição de 88 destinadas a esse segmento [60].

Novas estratégias políticas para construção da bancada do cocar

Contra uma herança colonialista e uma estrutura social racista, os povos originários se afirmam como símbolos de luta, resiliência e resistência. Essa foi a tônica da 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), realizada entre os dias 4 e 14 de abril, que teve como lema “Aldear a Política” e abrigou o lançamento de 30 pré-candidaturas indígenas, entre elas, Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, Maial Paiakan, Chirley Pankará, Vanda Witoto, Joênia Wapichana, Daniel Munduruku, Almir Suruí e Val Eloy [61]. A maioria das candidaturas se concentra em partidos de esquerda e centro-esquerda, como o PT, PDT, PCdoB, PSOL, PSB e Rede Sustentabilidade [62]. Essa foi considerada uma das maiores edições desde a criação do ATL em 2004. Segundo a APIB, contou com a participação de mais de 8 mil lideranças indígenas, representando cerca de 200 povos diferentes e mostrando a força da organização política indígena atual.

Os indígenas se articulam para constituir uma bancada própria, denominada de “bancada do cocar” [63], em oposição a uma frente anti-indígena presente no Congresso, formada por deputados ligados, sobretudo, à bancada ruralista e ao agronegócio. Como estratégia, pretendem apostar em um número menor de candidaturas, investindo em nomes competitivos, com maior viabilidade de eleição e superando diferenças e rivalidades entre etnias. Visam construir campanhas mais estruturadas, com equipes jurídicas e de comunicação [64] .

Em busca da profissionalização, tentam viabilizar cursos de formação política. Eleita em 2018, Joênia Wapichana, primeira mulher indígena a se formar em Direito (1997), tem ligação com a escola de líderes políticos formados pelo Renova BR [65] . Os indígenas têm como desafio transcender suas atuais pautas políticas e se apresentarem como representantes de eleitorado não-indígena.

O documento final produzido pela ATL, entregue ao pré-candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (presente no evento), não economiza críticas ao governo Bolsonaro, responsabilizando-o por incitar invasões em seus territórios e promover a violência contra seus parentes (termo usado para identificar seus pares indígenas). Acusam Bolsonaro de governar para legalizar ações de organizações criminosas, como garimpeiros, pecuaristas, milicianos, madeireiras e grileiros [66]. Lula se comprometeu em restabelecer os direitos retirados dos povos indígenas e em instaurar um Ministério Indígena, caso seja eleito.

As principais demandas que levaram à articulação para construção da bancada do cocar são: a retomada das demarcações de terras; o fim da violência cometida por grupos ilegais em seus territórios; o aumento da inclusão político-representativa; a paralisação instantânea da agenda anti-indígena no Congresso chamada de “pacote da destruição” que inclui, em particular, o projeto de lei de Mineração em Terras Indígenas e o Marco Temporal.

Conclusão

Nas últimas décadas, houve um crescimento significativo da população indígena. A instituição de direitos indígenas pela Constituição de 1988, a implementação desses direitos concomitantes aos ataques desferidos contra eles por parte de projetos de desenvolvimento de governos e a licença ou estímulo do governo Bolsonaro e de parte do Legislativo a atividades ilegais e criminosas nos territórios indígenas forjaram a organização política indígena por meio de entidades, movimentos sociais e, nos últimos anos, se refletiu na inserção político-eleitoral. Favorecem essas lutas, a consciência ecológica e a pauta ambiental cada vez mais urgente.

As resoluções recentemente implementadas pelo TSE e pela Justiça Eleitoral – classificação por raça e cor (2014), fim da exigência da fluência em língua portuguesa (2021) e comissão de promoção de diversidade (2022) -, em atendimento às demandas indígenas por garantias de direitos políticos, possibilita efeitos impulsionadores da presença indígena na política a curto e médio prazo – refletindo o aumento no número de eleitores, de candidaturas e de eleitos.

A participação dos povos originários em cargos políticos tende a interessar não somente ao eleitorado indígena. Os efeitos do descaso do atual governo, os interesses do agronegócio e do garimpo ilegal aceleram o desmatamento de matas e florestas, aumentando o aquecimento global e diminuindo os recursos naturais, afetando de forma direta a qualidade de vida de todo o eleitorado brasileiro. Os indígenas, portanto, tem se apresentado como defensores da natureza e da biodiversidade brasileira [67].


[49] https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais?busca=2014

[50] Codato, A.; Lobato, T.; Oliveira Castro, A. “VAMOS LUTAR, PARENTES!” As candidaturas indígenas nas eleições de 2014 no Brasil. São

[51] https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais?busca=2018

[52] https://cimi.org.br/2018/10/joenia-wapichana-a-primeira-mulher-indigena-deputada-federal-em-190-anos-de-parlamento/

[53] https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/bancada-do-cocar-e-os-novos-horizontes-para-o-congresso-nacional/

[54] https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/sonia-guajajara-diz-que-foi-oportunismo-mourao-ter-se-declarado-indigena,6bf779c4d7e4008b39dc8c33cacea3da1zaf110a.html

[55] https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais?busca=2016

[56] https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais?busca=2020

[57] https://exame.com/bussola/supressao-do-voto-indigena-e-a-bancada-do-cocar-em-2022/ e https://apiboficial.org/2022/04/14/atl-2022-povos-indigenas-unidos-movimento-e-luta-fortalecidos/

[58] https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/prt/2022/portaria-no-367-de-12-de-abril-de-2022

[59]  https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-04/comissao-vai-ampliar-participacao-indigena-no-processo-eleitoral

[60] https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena.html e https://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/estudos/indigena_censo2010.pdf

[61] https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/bancada-do-cocar-e-os-novos-horizontes-para-o-congresso-nacional/

[62] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/04/18/Nomes-e-ideias-quais-os-planos-ind%C3%ADgenas-nas-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2022

[63] https://jacobin.com.br/2022/04/o-movimento-indigena-esta-se-organizando-para-eleger-a-bancada-do-cocar/

[64] https://oglobo.globo.com/politica/bancada-do-cocar-povos-indigenas-reduzem-candidaturas-para-eleger-mais-25478203

[65] https://cimi.org.br/2018/10/joenia-wapichana-a-primeira-mulher-indigena-deputada-federal-em-190-anos-de-parlamento/

[66] https://apiboficial.org/2022/04/14/atl-2022-povos-indigenas-unidos-movimento-e-luta-fortalecidos/

[67] https://jacobin.com.br/2022/04/o-movimento-indigena-esta-se-organizando-para-eleger-a-bancada-do-cocar/

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