O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No primeiro texto do boletim dos voluntários “Chile, Colômbia, Brasil: tendências do novo ciclo progressista na América do Sul” (p. 3-7), o cientista político e professor UFRJ e PPGCS – UFRRJ Josué Medeiros analisa os sinais de retomada progressista na América do Sul, tendo este movimento retomado ainda em 2019 com o triunfo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner na Argentina.

Confira o texto abaixo!

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Chile, Colômbia, Brasil: tendências do novo ciclo progressista na América do Sul
Josué Medeiros [1]

A recente vitória de Gustavo Petro e Francia Marquez, nas eleições presidenciais colombianas, e a constante liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, nas pesquisas para presidente do Brasil, cuja votação ocorrerá em outubro de 2022, indicam que os ventos progressistas voltam a soprar na América do Sul.

Trata-se de uma significativa mudança no quadro hegemônico da direita desenhado, a partir de 2015, quando Maurício Macri venceu as eleições presidenciais na Argentina e a oposição ao chavismo conquistou maioria no parlamento venezuelano. Em 2016, o golpe parlamentar contra Dilma consolidou a onda direitista sul-americana. Em 2017, o Equador elege Lenin Moreno, sucessor do esquerdista Rafael Correa, com quem rompe imediatamente; em 2018, Sebastian Pinera retorna à presidência do Chile; em 2019, o eleitorado uruguaio elege Lacalle Pou, do Partido Nacional; no mesmo ano, Evo Morales renúncia à presidência da Bolívia depois de vencer as eleições, sofrendo um golpe.

Os sinais de retomada progressista na América do Sul começaram ainda em 2019, com o triunfo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner na Argentina. No mesmo ano, o Chile foi sacudido pelo “estalido social”, um levante popular que levou à convocação de uma Constituinte e uma renovação política radical, que culminou, em 2021, com a eleição de Gabriel Boric para presidente do país, com apenas 35 anos de idade. Também em 2021, Pedro Castilho vence as eleições no Peru e a esquerda vai para o segundo turno no Equador, com Andrez Aruz, que foi derrotado pelo atual presidente Guillermo Lasso por estreita margem (53% x 47%). E um ano antes, em 2020, Luiz Arce, do MAS boliviano, venceu as eleições presidenciais em seu país, revertendo o golpe contra Evo.

A provável vitória de Lula nos permite projetar um novo ciclo progressista na região. Contudo, diferente do ciclo iniciado com a vitória de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, e consolidado com as presidências de Lula no Brasil, em 2002, e Nestor Kirchner na Argentina, em 2003, o atual terá um novo eixo estratégico: Santiago – Brasília – Bogotá em substituição ao eixo Caracas – Brasília – Buenos Aires do começo do século XXI.

Tal deslocamento geopolítico regional se relaciona com três dimensões que marcam as tendências deste futuro ciclo e que serão analisadas nesse texto: primeiro, há uma mudança de agenda das esquerdas, com base na renovação; segundo, há um desafio econômico e de desenvolvimento, diante do tema da emergência climática e das dinâmicas da economia global; terceiro, há uma polarização política crescente, com ênfase no crescimento da extrema-direita.

Esquerdas e renovação política na América do Sul

Os anseios por renovação política se tornaram uma pauta frequente nas democracias da América do Sul na segunda década do século XX. Para ilustrar com um dado, 70% dos entrevistados declararam estar insatisfeitos com o governo de seu país segundo levantamento do Latinobarómetro de outubro de 2021. 2 Tratase, em alguma medida, de uma demanda generalizada em toda a região e que mostra os limites do ciclo de redemocratização iniciado no final dos anos 1970 na América do Sul.

O eixo estratégico do futuro ciclo progressista expressa essa problemática de modo diferenciado. No Chile é onde se expressa de modo mais radical, seja pela figura de Gabriel Boric, presidente com 35 anos, ex-líder estudantil das revoltas de 2006 em diante, seja pelo processo constituinte, todo ele marcado por uma profunda dimensão renovadora (por exemplo, sua composição teve paridade de gênero e representação dos povos originários, algo impensável no Chile anterior ao “estalido”).

Já na Colômbia, a renovação aparece em composição com as tradições do progressismo daquele país. A chapa vitoriosa de Gustavo Petros e Francia Marquez une um ex-guerrilheiro e político que fez sua trajetória nas instituições como deputado e prefeito com uma ativista negra, de 41 anos, com pautas ambientais e de trajetória nos movimentos sociais.

Por fim, o Brasil parece ter o processo político menos aberto à renovação, com a chapa presidencial Lula e Geraldo Alckmin. Ambos são dois políticos experientes e que ocuparam cargos importantes. Contudo, há uma dinâmica de renovação que se impõe nas outras disputas eleitorais que ocorrem em paralelo ao pleito presidencial, especialmente no Congresso e na disputa de alguns dos mais importantes governos estaduais. É possível imaginar, enfim, um ministério de LulaAlckmin bastante renovado.

Em comum entre as três nações há o desafio de como consolidar esse anseio por renovação em uma agenda política e econômica de governo.

As esquerdas e a economia na América do Sul

Não é mera coincidência, nem é menos importante, que os dois governos progressistas já eleitos no eixo Santiago-Bogotá e que a candidatura Lula apresentem uma semelhança no modo como vêm encarando a economia política da América do Sul para o próximo período.

Por um lado, Boric, Petro e Lula afirmam uma prioridade de combate à pobreza e de consolidação de direitos sociais que dialoga diretamente com o contexto de crise social que atravessa a região e que explica a sucessão de revoltas populares ocorridas nos últimos anos na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru desde 2019.3 Por outro lado, os três buscam se estruturar a partir de concessões e aliança com certo discurso e agenda mercadológica: Boric escolheu como Ministro da Economia o ex-presidente do Banco Central Mário Marcel, defensor da autonomia do orgão; Petros anunciou como seu ministro o economista Antonio Ocampo, que fez parte de governos liberais e apoiou um candidato de direita nas eleições; e Lula, que evita falar em nomes, tem no ex-governador Geraldo Alckmin um “fiador” de que não fará uma gestão radical.

Entre esses dois pólos (prioridade para o social e pactuação com o mercado) há a questão ambiental, apresentada pelos três líderes progressistas como a dimensão que vai impulsionar as economias de Chile, Colômbia e Brasil em seus governos. Boric anunciou, em discurso para empresários antes da posse, que fará um governo “ambientalista” e de “enfrentamento à crise climática”. Petro, em seu primeiro discurso como presidente eleito, afirmou que “a justiça ambiental” será um tripé de seu governo. E Lula vem articulando em seu programa uma proposta de Green New Deal brasileiro.

Trata-se de um desafio para os progressistas dos três países, cujas economias têm na mineração e uso dos combustíveis fósseis um dos principais pilares. Além disso, viabilizar a agenda ambiental é fundamental para se conectar com a agenda de renovação da política e da democracia e pode, ainda, ajudar na resolução da terceira dimensão, que é a polarização.

As esquerdas e a polarização

Se há um elemento que unifica Chile, Colômbia e Brasil é a força política e social de uma extrema-direita autoritária e que vê na violência um método eficaz de resolução dos conflitos sociais em favor da “ordem”. José Antonio Kast, candidato derrotado nas eleições chilenas, é admirador confesso do ditador Augusto Pinochet e estruturou sua plataforma na defesa da família e dos valores cristãos.

Já Rodolfo Hernandéz, candidato derrotado no segundo turno colombiano, é um milionário independente que se apresentou como “Trump da Colômbia” e organizou sua campanha em torno da pauta da corrupção e da defesa da violência política com uma plataforma de “tolerância zero” ao crime.

Por fim, o Brasil segue governado por Bolsonaro, que avança em sua agenda de destruição social, institucional e ambiental: em 2022, a fome, o desmatamento da Amazônia e a venda de armas bateram novos recordes. Mesmo que ele seja derrotado no pleito presidencial, sairá com uma votação expressiva (no patamar de 40% dos votos válidos) e, assim como seus pares chilenos e colombianos, em condições de organizar um movimento radical de direita na oposição.

Trata-se de um nível de polarização política e social que não desaparece no dia seguinte à eleição e que precisa de estratégia concreta de enfrentamento por parte do progressismo sul-americano. A agenda socioambiental e uma efetiva renovação da política são caminhos que podem impulsionar uma reconstrução dos laços sociais que baixe a intensidade dos conflitos políticos e refaça o tecido democrático e cidadão na região.

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[1] Cientista político e professor da UFRJ e PPGCS – UFRRJ.

[2] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/10/indiferenca-com-democracia-abre-espaco-para-autoritarismo-na-america-latina-diz-pesquisa.shtml

[3] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/10/23/america-do-sul-em-turbulencia-veja-em-resumo-os-protestos-e-crises-politicas-na-regiao.ghtml

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