O Boletim #5 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No quinto texto “Candidaturas LGBTQIA+: limites da representatividade em legendas de direita e centro-direita” (p. 26-31), o graduando em Sociologia Lucas Braga observa os limites da representatividade e atuação em candidaturas LGBTQIA+ eleitas por partidos ditos alinhados à direita e à centro-direita.

Confira o texto abaixo!

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Candidaturas LGBTQIA+: limites da representatividade em legendas de direita e centro-direita Lucas Moura Braga[17]

Resumo Este texto compõe o Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022, tendo por finalidade observar os limites da representatividade e atuação em candidaturas LGBTQIA+ eleitas por partidos ditos alinhados à direita e à centro-direita. Destaca-se como objeto de análise as trajetórias, no exercício do cargo, do ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) e do atual vereador da câmara municipal de São Paulo, Thammy Miranda (sem partido). Pretende-se compreender a atuação de ambas as partes, por meio de consultas feitas ao diário oficial do Rio Grande do Sul e do site da câmara municipal de São Paulo, buscando encontrar projetos específicos referentes à diversidade sexual e de gênero, mirando reconhecer se as suas convicções político partidárias estão ou não de encontro com uma agenda que promova direitos a minorias sociais em especial a LGBTQIA+, grupo social ao qual ambos pertencem.

A identidade

Parte central desse escrito busca entender como a identidade de gênero ou orientação sexual das figuras analisadas se articula com suas respectivas vidas políticas. Dito isso, corporificar esses indivíduos enquanto pertencentes a marcadores sociais de diferença se faz crucial. A começar pelo ex-governador Eduardo Leite (PSDB), trata-se de um homem cisgênero e que em 2021 veio a público assumindo-se gay[18], tornando-se o primeiro governador do Brasil abertamente declarado com tal. O ato foi seguido de episódio emblemático, já que logo após o ex-governador fazer a declaração, o atual presidente da República Jair Bolsonaro (PL), em visita ao Rio Grande do Sul, fez comentários classificados como homofóbicos sobre Eduardo Leite[19].

Já Thammy Miranda, vereador da câmara municipal de São Paulo, é um homem transexual, o primeiro a ocupar o cargo. Eleito pelo Partido Liberal (PL), atualmente o vereador encontra-se sem partido, sendo a saída motivada pela filiação do presidente Bolsonaro ao PL[20]. O vereador justificou que deixou a legenda por já ter sofrido ataques pessoais por parte da família do presidente.

Os partidos

Entender como os partidos se localizam ideologicamente também toma lugar de destaque na compreensão dos limites da representatividade. A doutora em ciência política Soraia Marcelino, em sua tese de doutorado defendida na UERJ[21], discute a mudança de paradigma ideológico ocorrida no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), compreendendo então que o partido em seu nascimento se enquadraria no campo da centro-esquerda, mas que hoje estaria localizado à centro-direita.

Por sua vez, o Partido Liberal pode ser classificado como pertencente à direita conservadora, ou à velha direita, como argumentam os autores Adriano Codato, Bruno Bolognesi e Karolina Mattos Roeder[22]. Compreende-se por velha direita aqueles partidos políticos que apresentam algum tipo de ligação com as ditaduras militares; defesa da não intervenção do Estado na economia; e defesa da moral cívica e da família tradicional.

No que circunda os programas políticos dos partidos, é possível encontrar menções à defesa dos direitos de minorias étnicas, sociais e religiosas, no programa do PL[23]. Enquanto no estatuto do PSDB[24], no artigo 1 (um), parágrafo único, há menção ao respeito às diferentes orientações sexuais e diversidade de gênero.

A vida política e atuação

Eduardo Leite, que também já foi prefeito e vereador da cidade de Pelotas-RS, atuou no cargo de governador de 2018 a maio de 2022, quando renunciou ao posto na esperança de tentar as prévias no PSDB para lançamento de candidatura à presidência da República, o que não se concretizou, já que o partido optou por não lançar candidatura própria neste ano, indicando a senadora Mara Gabrilli (PSDB) como vice da candidata Simone Tebet do Movimento Democrata Brasileiro (MDB). Diante disso, Eduardo voltará a disputar o cargo de governador do Rio Grande do Sul nas eleições de outubro deste ano, onde, enquanto esteve ocupando o cargo, não promoveu grandes políticas voltadas à promoção de direitos ao público LGBTQIA+, como observado em diário oficial. No seu programa político apresentado durante a corrida eleitoral de 2018, existe um parágrafo que faz menção à promoção da defesa de minorias e do compromisso na equidade de direitos entre pessoas racializadas, mulheres, classes sociais e pessoas de diferentes faixas etárias[25], sem qualquer citação direta a fomento de direitos voltados à diversidade sexual e de gênero. Esse fato ilustra a postura de Leite no governo do estado do Rio Grande do Sul, já que como medida pró-LGBTQIA+ foram sancionadas apenas a criação de cotas para pessoas trans e indígenas nos concursos públicos do Rio Grande do Sul, com participação da deputada estadual Luciana Genro (PSOL); e a portaria 005/2021 que trata sobre estabelecimento de políticas específicas quanto à custódia de pessoas LGBTI presas e egressas do sistema prisional do Rio Grande do Sul.

Já Thammy Miranda, que havia tentado a câmara de vereadores de São Paulo pelo Partido Progressista (PP) em 2016, mas sem êxito, em 2020 alcançou o cargo pelo PL. Ao analisar os projetos de lei disponíveis no site da câmara municipal de São Paulo, dentre os vetados, aprovados ou em tramitação, não é possível encontrar nenhum relacionado a políticas voltadas ao segmento LGBTQIA+. Com uma postura semelhante à de Leite, o vereador não costuma ser visto como um ativista pela minoria. É possível encontrar raras atuações sobre a cidadania LGBTQIA+ vindo de Thammy, como no episódio em que ele e a também vereadora da câmara municipal de São Paulo, Erika Hilton (PSOL) – sendo os dois as primeiras e únicas pessoas trans eleitas para atuar no cargo – somaram forças na tentativa de incorporar homens trans e pessoas transmasculinas no texto da Lei 17574/21, que trata sobre dignidade menstrual e estabelece o fornecimento e distribuição de kits de higiene em colégios de nível fundamental e médio da cidade de São Paulo.

Os limites da representação

Até então se buscou lançar à luz sobre como vem sendo a atuação de ambos os políticos a fim de discutir os limites da representatividade. Ou seja, Eduardo Leite e Thammy Miranda representam a comunidade LGBTQIA+? Ser LGBTQIA+ nesse caso é o bastante para cumprir um papel de representante? Representatividade e atuação política estão intrinsecamente atrelados ou há certo essencialismo difundido no discurso?

A discussão da representatividade em candidaturas de segmento minoritário têm ganhado notório espaço. Como retoma a cientista política Mala Htun, em seu escrito sobre política de cotas para mulheres em eleições na América Latina, o movimento de ocupação por mulheres dos espaços políticos institucionais não garante uma agenda feminista, justamente por se tratar de um grupo não homogêneo, de diferentes crenças e disciplinas partidárias[26]. A política brasileira não deixa faltar exemplos disso, como é o caso da ex-ministra Damares Alves (Republicano) e da deputada Bia Kiss (PL), que estão alinhadas a projetos políticos ultraconservadores, ou do deputado Fernando Holiday (NOVO) e da vereadora da câmara municipal de Londrina, Jessica Alves (PP), que mesmo sendo ambos LGBTQIA+, constantemente saem em defesa de políticas que acentuam o retrocesso dos direitos de minorias sociais.

Todavia, é preciso salientar que a representatividade por si só não basta e nem está intrinsecamente ligada a mudanças significativas no cenário político. Os projetos apresentados e o aspecto ideológico dos partidos constituem parte fundamental do processo de escolha das candidaturas. Entretanto, há discursos visando a representatividade de grupos minoritários e subalternos que reproduzem falas como “vote em candidaturas negras” ou “vote em mulheres” e o que ocorre em candidaturas LGBTQIA+ não é diferente. O problema se apresenta quando a forma dessas candidaturas não dá conta de sustentar as proposições que estão embutidas nessas falas. “Vote em LGBTQIA+” pode carregar alguns significados, um deles é a ideia de que essas figuras estariam comprometidas com o segmento minoritário LGBTQIA+, o que nem sempre pode ser tido como verdade.

Duas formas distintas de classificar a representatividade seriam a representatividade símbolo, ou seja, essa exercida por Thammy e Eduardo, nas quais não há políticas concretas de defesa dessas identidades e disputa de projeto político pelo fomento dessas cidadanias; e a representatividade substantiva, ligada à representação e a status de conteúdo concreto, a exemplo das vereadoras Erika Hilton (PSOL) e Benny Briolly (PSOL), do deputado federal David Miranda (PDT) ou do ex deputado Jean Wyllys (PT), que tem como compromisso eleitoral a atuação nesses espaços institucionais pautar suas demandas enquanto LGBTQIA+.

Conclusão

Nesse sentido, tentativas de associar tanto Eduardo Leite quanto Thammy Miranda a figuras representantes da comunidade LGBTQIA+ de forma substantiva nas instituições de poder pode soar como um discurso oportunista e sem compromisso com a materialidade, mimado de proselitismo identitário. O fato de Thammy Miranda ter se associado ao Partido Liberal, conhecido por suas figuras e papel conservador; e Eduardo Leite ter apoiado a candidatura do atual presidente da República Jair Bolsonaro é exemplo da representatividade simbólica exercida por ambos. O pioneirismo embutido nessas identidades, infelizmente, não significa muita coisa. Ser o primeiro governador abertamente gay ou o primeiro homem transexual a ocupar o cargo de vereador de São Paulo não é o suficiente para estabelecer esses nomes como representantes da luta política LGBTQIA+. Não basta apenas ser LGBTQIA+ no país que promove mazelas irreparáveis e inimagináveis para essas experiências em sociedade, com altos índices de violência e morte[27], mas é preciso compromisso com a criação de políticas voltadas ao segmento.


[17] Graduando no Bacharelado em Sociologia na UFF.

[18] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/07/02/eduardo-leite-declara-publicamente-pela-primeira-vez-que-e-gay.ghtml

[19] https://revistaforum.com.br/politica/2021/9/11/video-esse-salame-do-governador-diz-bolsonaro-em-declarao-homofobica-contra-eduardo-leite-103223.html

[20] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/11/30/thammy-miranda-saida-pl-filiacao-bolsonaro.htm

[21] Vieira, Soraia Marcelino. O partido da social democracia do brasil: trajetória e ideologia / Soraia Marcelino Vieira. – 2012

[22] A nova direita brasileira: uma análise da dinâmica partidária e eleitoral do campo conservador. In: Direita, volver! : o retorno da direita e o ciclo político brasileiro / Sebastião Velasco e Cruz, André Kaysel, Gustavo Codas (organizadores). – São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.

[23] https://partidoliberal.org.br/wp-content/uploads/2022/06/programa-do-partido-liberal.pdf

[24] https://www.psdb.org.br/wp-content/uploads/2022/07/tse-estatuto-psdb-de-09.12-2017-deferido-em-21-8-2018-substiuicao-em-10.2.2020-1.pdf

[25] http://estaticog1.globo.com/2018/11/promessas/Rio_Grande_do_Sul_Leite.pdf

[26] HTUN, MALA. A política de cotas na América Latina. Revista Estudos Feministas [online]. 2001, v. 9, n. 1 [Acessado 25 Julho 2022] , pp. 225-230. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104- 026X2001000100013.

[27] https://grupogaydabahia.com/2022/02/24/mortes-violentas-de-lgbt-no-brasil/

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