O Boletim #7 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No segundo texto “Candidaturas LGBTQIA+ e a violência política e eleitoral” (p. 6-11), o graduando em Sociologia Lucas Braga apresenta o número de candidaturas identificadas como LGBTQIA+, além de discutir os dados referentes às mais diversas violências políticas e eleitorais cometidas contra esse segmento.

Confira o texto abaixo!

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Candidaturas LGBTQIA+ e a violência política e eleitoral
Lucas Moura Braga [5]

Resumo Este texto, parte do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022, tem por finalidade apresentar o número de candidaturas identificadas como LGBTQIA+ e discutir os dados referentes às mais diversas violências políticas e eleitorais cometidas contra esse segmento. Abordam-se as definições de violência, as articulações da sociedade civil em torno da pauta, (sobretudo, a organização #VoteLGBT), a questão indígena, as violências contra a vereadora Benny Briolly e outras figuras políticas, bem como se correlaciona essa violência ao fenômeno bolsonarista. Dão apoio às discussões os seguintes autores e pesquisadores: Isabelle Pinto, Luiz Mott, Rosana Pinheiro-Machado e Adriano de Freixo. Analisam-se conteúdos publicados em diversos veículos de informação, como o site UOL, a Folha de São Paulo, o jornal O Dia, a CNN Brasil, o jornal O Globo e o portal G1, a revista VEJA e o jornal Catraca Livre.

Contextualizando as violências

A forma com qual a violência cotidiana é direcionada a pessoas LBGTQIA+ não é novidade para esse grupo, como aponta o estudo da pesquisadora Isabelle Pinto. Entre 2015 e 2017, foram registradas 12.477 denúncia no Disque 100 – órgão responsável por receber denúncias de violação de direitos humanos – que envolvem violência contra LGBTQIA+[6] . Somado a isso, a violência presente dentro da política institucional brasileira também não deixa escapar, como colocado pelo relatório produzido pela ONG Terra Direitos e Justiça Global, que os altos índices de violência contra candidatos e eleitores têm aumentado drasticamente, chegando a ser registrados casos de violência política a cada 3 horas em 2019[7].

Todavia, a violência política, por meio da Lei 14.197/2021, é entendida no Código Penal brasileiro como atos que buscam restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Já a violência eleitoral é traduzida como uma subcategoria da violência política, sendo definida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como atos ou ameaças de coerção, intimidação ou dano físico perpetrados para afetar um processo eleitoral ou que surjam no contexto da competição eleitoral[8] . Em um relatório sobre a violência, a organização #VoteLGBT levantou dados que demonstram que 49% das candidaturas LGBTQIA+ já sofreram alguma violência por sua orientação sexual, enquanto 29% afirmaram já ter sofrido alguma violência motivada por sua identidade de gênero. Desses, 54% recorreram ao partido para denunciar a violência, enquanto 56% assumiram não ter tido apoio, sendo 26% das agressões vinda de companheiros das próprias legendas[9].

Sociedade civil: Organização #VoteLGBT

O alarmante imobilismo estatal frente a essas violações de direitos, principalmente, na produção de dados que justifiquem a criação de políticas públicas capazes de barrar essas violências levaram organizações da sociedade civil a produzir e divulgar dados importantes para o funcionamento pleno da democracia. Os números apresentados pela organização #VoteLGBT foram recolhidos por meio de formulários enviados aos partidos, uma vez que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não organiza informações de candidaturas quanto à orientação sexual ou identidade de gênero não cisgêneras.

Em um desses documentos, é possível presenciar algo inédito. Segundo o levantamento, 294 candidaturas LBGTQIA+ disputam as eleições de 2022, totalizando 299 candidatos – levando em conta as candidaturas coletivas. Desses, 91 se declararam gays, 68 lésbicas, 93 bissexuais ou pansexuais, 5 homens trans, 68 mulheres trans ou travestis e 7 pessoas não-binárias. Essas candidaturas estão distribuídas em 22 partidos, sendo 246 em partidos enquadrados como de esquerda, 46 de centro e 7 de direita. Já a divisão por cargo aponta que 11 disputam a cadeira de deputado distrital, 176 concorrem para deputado estadual, 108 para deputado federal, 1 para governador e 3 para senador[10].

Vale salientar que o primeiro político assumidamente gay do Brasil foi o ex-deputado federal Clodovil Hernandes (PTC), assumindo o cargo já em 2006 e o segundo, em 2010, Jean Wyllys (PT), também como deputado federal[11] .

A questão indígena

No debate sobre candidaturas LGBTQIA+ e violências, inserir a discussão indígena se torna fundamental, reconhecendo o apagamento dessas identidades e o passado de violações desses povos. Como indica Luiz Mott em seu trabalho “A Inquisição no Maranhão”, o primeiro condenado à morte por homofobia que se tem registro no Brasil foi o jovem indígena Tibira, em 1614[12], um marco do que viria a ser construído no território brasileiro sobre a imagem de LGBTs e indígenas.

Segundo os levantamentos feitos pelo #VoteLBGT, dos 299 candidatos registrados e que participaram da pesquisa, apenas 4 se autodeclararam como indígenas, em comparação com os 118 que se autodeclararam negros, os 56 pardos e os 121 brancos. Ou seja, as candidaturas indígenas representam menos de 2% do total de candidatos, demonstrando que embora o percentual de LGBTQIA+ disputando as eleições seja histórico, as questões de raça e etnia não podem ser negligenciadas e o olhar transversal sobre essas identidades ainda precisam avançar.

Transfobia: caso Benny Briolly e outros

A impunidade pelos crimes eleitorais cometidos contra pessoas LGBTQIA+ chama a atenção, seja na ausência de dados, seja no imobilismo do poder público. Entretanto, há candidaturas que não se deixam calar diante das perseguições, ameaças e tentativas de interrupção das suas vidas políticas e vem fazendo um trabalho de denúncia e agitação para que cada vez mais esses crimes sejam punidos, como é o caso da vereadora da cidade de Niterói e candidata a deputada estadual pelo Rio de Janeiro, Benny Briolly (PSOL), a primeira travesti eleita para a Câmara municipal de Niterói[13] .

Em sua trajetória política, Benny vem enfrentando diversas violências dentro e fora da casa legislativa, mas também coleciona vitórias contra setores que vêem como afronta a presença de um corpo negro, travesti e do candomblé, ocupando a tribuna e tendo voz ativa na política institucional. As violências contra a vereadora partem, sobretudo, de uma ala conservadora, de extrema-direita e bolsonarista, um perfil conhecido entre pessoas LGBTQIA+ que já foram vítimas de violência. Em uma das ocasiões de ataques verbais proferidos, o deputado estadual bolsonarista Rodrigo Amorim (PTB) ameaçou a vereadora de morte, após a mesma denunciá-lo por racismo e transfobia[14]. Também o vereador bolsonarista da Câmara de Niterói, Douglas Amorim (PTC), colega parlamentar de Benny, foi condenado por transfobia, após falas direcionadas à vereadora[15].

Em 2021, o Fantástico, programa da rede Globo, exibiu reportagem sobre a violência direcionada a pessoas trans eleitas no Brasil, discutindo como o preconceito dificulta e impede o trabalho dessas figuras nesses espaços, abrindo lugar para que elas possam relatar ao público ameaças e perseguições sofridas. Essas ameaças fizeram Benny Briolly deixar o país, em 2021, temendo por sua vida[16], como também aconteceu com o ex-deputado federal Jean Wyllys (PT), o que o levou, inclusive, a interromper seu mandato[17]. Outro caso é o da vereadora da Câmara municipal de São Paulo, Erika Hilton (PSOL) que, além de ameaças, teve seu gabinete invadido por um homem que portava bandeira de cunho religioso. A partir desse episódio, a vereadora passou a necessitar de segurança particular[18].

Esse boletim também não poderia deixar de mencionar o caso Marielle Franco (PSOL), reflexo emblemático da violência embutida na política brasileira. A vereadora da Câmara municipal do Rio de Janeiro sofreu, em março de 2018, um atentado a tiros no centro da cidade, levando sua vida e a de seu motorista Anderson Gomes. Marielle era símbolo da mulher, negra, mãe, lésbica e ativista dos diretos humanos e também, dos direitos LGBTQIA+. A viúva Monica Benicio (atualmente vereadora na Câmara do Rio de Janeiro pelo PSOL), a família, ONGs e membros da sociedade civil cobram respostas até hoje, já que o caso não foi solucionado e ainda corre na justiça[19].

O bolsonarismo como arma anti-LGBTQIA+

Ao assumir a presidência, o discurso de Bolsonaro fundado no ódio à comunidade LGBTQIA+ foi reforçado. O presidente entoa falas agressivas como “sou homofobico, sim, com muito orgulho”[20] . Em julho deste ano, já em campanha à reeleição, o candidato defendeu que “joãozinho” e “mariazinha” devem continuar “joãozinho” e “mariazinha” pelo resto da vida, ao se referir a pessoas trans. Desse modo, entendia defender o modelo familiar composto por “homem, mulher e sua prole”[21], o que deixa claro como o cenário nacional ainda se mostra árduo para as pessoas LGBTQIA+.

O fenômeno do bolsonarismo, como colocado pelos autores Adriano de Freixo e Rosana Pinheiro-Machado, constitui um movimento que transcendeu a figura do presidente, vinculando-se a ideias ultraconservadoras, voltadas aos valores tradicionais de retórica nacionalista e patriótica, crítica a qualquer ideia minimamente ligada à esquerda e ao progressismo[22] . Diante disso, as candidaturas LGBTQIA+ se colocam como fundamentais para combater esses discursos, já que um dos eixos desses movimentos ultraconservadores está na negação de direitos e da própria existência de pessoas LGBTQIA+.

Conclusão

Diante dos quadros de violência explorados aqui, observa-se a necessidade de um Estado que aborde a questão LBGTQIA+, seja na produção de dados ou na proteção dessas candidaturas. A ausência de políticas públicas voltadas a esse segmento pode dificultar o processo eleitoral, acarretando em um esforço maior desses candidatos em relação aos seus concorrentes cisgêneros ou/e heterossexuais. Com o crescente número de candidaturas, fica evidente que a comunidade LGBTQIA+ tem lutado por mais espaço. Apesar das mazelas, o grupo vê esperança na política institucional como meio de transformação social e na construção de uma política em que o respeito às diferenças esteja cada vez mais presente.


[5] Graduando no Bacharelado em Sociologia na UFF.

[6] Pinto, Isabella Vitral et al. Perfil das notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. 2020, v. 23, n. Suppl 01 [Acessado 11 Setembro 2022] , e200006.SUPL.1.

[7] http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Relat%C3%B3rio_Violencia-Politica_FN.pdf

[8] UNDP (2009), Elections and conflict prevention: a guide to analysis, planning and programming Nova York, Bureau for Development Policy.

[9] https://static1.squarespace.com/static/5b310b91af2096e89a5bc1f5/t/62839ef52f76f546de002ce0/1652793081067/220517_vote_relatorio_2022.pdf

[10] https://docs.google.com/spreadsheets/d/19Q_X9Pgn3pEUmZcVMKTh5wcWMpLR4BxP/edit#gid=252173438

[11] https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/talk-desta-quinta-discute-os-desafios-para-candidaturas-lgbti/

[12] Mott, L. R. B. A Inquisição no Maranhão. São Luis: EDUFMA, 1995.

[13] https://odia.ig.com.br/niteroi/2020/11/6029836-historico-benny-briolly-se-torna-a-primeira-travesti-a-ser-eleita-em-niteroi.html

[14] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/vereadora-trans-benny-briolly-diz-ter-recebido-ameaca-de-morte-por-e-mail-de-deputado/

[15] https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2022/06/vereador-bolsonarista-e-condenado-por-crime-de-transfobia-contra-benny-briolly.ghtml

[16] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/05/benny-briolly-primeira-vereadora-trans-de-niteroi-deixa-o-pais-apos-receber-ameacas.shtml

[17] https://vejasp.abril.com.br/cidades/jean-wyllys-anuncio-saida-brasil/

[18] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/03/10/voce-vai-morrer-satanas-do-inferno-vereadora-erika-hilton-procura-policia-apos-receber-novas-ameacas.ghtml

[19] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/03/14/caso-marielle-quatro-anos-apos-o-crime-o-que-falta-responder-e-quais-os-proximos-passos-da-investigacao.ghtml

[20] https://catracalivre.com.br/cidadania/sou-homofobico-sim-com-muito-orgulho-diz-bolsonaro-em-video/

[21] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/bolsonaro-adota-fala-homofobica-e-defende-que-joaozinho-seja-joaozinho-a-vida-toda.shtml

[22] Brasil em transe: Bolsonarismo, Nova direita e Desdemocratização / Rosana Pinheiro-Machado, Adriano de Freixo (organizadores) – Rio de Janeiro: Oficial Raquel, 2019.

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