O Boletim #1 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No quarto texto “Bolsonaro vs democracia: o risco de ruptura do sistema democrático de direito” (p. 22-26), a cientista política e mestranda em Ciência Política Nathália Julia analisa as investidas do presidente Bolsonaro contra o sistema democrático de direito. O intuito é estudar as ações e falas do chefe de Estado que se mostram ser contra os valores democráticos, além de esclarecer o porquê de tal comportamento ser um risco à democracia liberal brasileira.

Confira o texto abaixo!

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Bolsonaro vs democracia: o risco da ruptura do sistema democrático de direito
Nathália J. S. Ribeiro [19]

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar as investidas do presidente Bolsonaro contra o sistema democrático de direito. Para isso, nesse primeiro boletim, será feita uma análise qualitativa das ações e falas do chefe de Estado que se mostram ser contra os valores democráticos, além de esclarecer o porquê de tal comportamento ser um risco à democracia liberal brasileira.

Nossa hipótese é de que Bolsonaro se mostrou contra os valores democráticos antes mesmo de sua posse à presidência. Também entendemos que sua postura antidemocrática foi sendo acentuada a partir do momento em que seu governo passou a receber duras críticas devido à ineficiência do presidente na resolução de problemas econômicos e sociais, além do risco iminente de perder o próximo pleito para o ex-presidente Lula.

Para tal estudo, foram utilizados discursos do chefe do Executivo, além de reportagens dos jornais O Globo, CNN e Folha de São Paulo.

Ataques que antecedem o período eleitoral de 2022

Jair Messias Bolsonaro foi eleito em 2018 como presidente da República, dizendo-se a favor da verdadeira democracia, da liberdade, de Deus e da família. No seu discurso são notadas características populistas como negação das instituições, da política tradicional, da liberdade de minorias sociais e da liberdade de imprensa. Dessa forma, Bolsonaro se apresentou como um candidato outsider, isto é, diferente daqueles vistos como tradicionais na política brasileira. Ao se postular como verdadeiro representante do povo, Bolsonaro considerava que, numa democracia, as minorias deveriam se curvar às maiorias, se adaptarem às condições existentes ou simplesmente desaparecerem [20].

Esses discursos e proposições, proferidos ainda em sua pré-campanha eleitoral de 2018, já apontavam que Bolsonaro, apesar de falar em democracia e liberdade, não pactuava com os princípios básicos desse sistema político. Quando preconizava a submissão de uma minoria em prol da maioria, o atual presidente agredia um dos principais valores do sistema: a liberdade individual.

A democracia contemporânea tem como princípio ser o governo de todos, o que significa, entre outras coisas, salvaguardar os direitos fundamentais dos indivíduos, principalmente, o direito à vida, à liberdade de expressão e à propriedade. As falas do presidente vão de encontro às balizas do sistema democrático de direito, ao desrespeitar a garantia e a preservação dos direitos individuais, independentemente das vontades da maioria.

Posicionando-se contra a liberdade de imprensa, o mandato de Bolsonaro representou um aumento na violência contra jornalistas em quase 106%[21], de acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), sendo o presidente apontado como o principal ofensor a essa categoria. A liberdade de imprensa constitui valor primordial para a estabilidade democrática por possibilitar a formação de indivíduos conscientes dos acontecimentos políticos e capazes de tomarem decisões racionais e autônomas. O chefe de governo se apresenta como um dos principais opositores às instituições do Poder Judiciário, investindo desde sua posse contra essa instância de poder que tem como papel proteger os direitos e dar garantias individuais. A presença do presidente em diversas manifestações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo de seu mandato é apenas um exemplo.

Ataques recentes ao sistema eleitoral

Na ocasião de sua vitória eleitoral em 2018, Bolsonaro alegou ter sido vítima de fraude eleitoral [22], afirmando que teria provas – até hoje não apresentadas -, de ter vencido o pleito no primeiro turno. O presidente, desde então, se coloca como opositor às urnas eletrônicas, alegando que elas não são confiáveis, apesar de ser um sistema elogiado por vários países, sem qualquer indício de ineficiência.

Faltando poucos meses para as próximas eleições presidenciais, a intenção de voto no atual presidente segue estagnada [23] enquanto a do seu principal oponente cresce expressivamente. Pressionado pelo risco de não ser reeleito, Bolsonaro mostra abertamente sua postura antidemocrática, ao ter ameaçado não realizar a eleição deste ano caso não seja adotado o uso do voto impresso. Ele afirma que não reconhecerá o resultado se o pleito for realizado sem a mudança do sistema eleitoral.

Contrariando incisivamente os princípios democráticos dos quais deveria ser um defensor e representante, Bolsonaro declara que pretende incumbir as Forças Armadas [24] da apuração dos votos nas próximas eleições, forças essas que deveriam se manter apolíticas e agir em defesa do Estado e não de um governante particular.

Essa postura do presidente representa um risco iminente de golpe eleitoral. Isso porque o chefe de governo emite todos os sinais de querer interferir no processo eleitoral e no poder judiciário, poder que representa a instituição chave para a defesa dos direitos.

Repercussão no âmbito nacional e solicitação de auxílio internacional

O receio de golpe por parte do atual presidente tem gerado preocupação entre os cidadãos. De acordo com o Datafolha [25], 55% dos brasileiros afirmam temer que Bolsonaro possa intervir no resultado do pleito em caso de derrota. O Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil (Demos) organizou uma petição [26] direcionada à Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de denunciar os ataques de Bolsonaro à democracia. O documento expõe diversas agressões direcionadas à imprensa, Judiciário, movimentos sociais e universidades.

O Demos espera que o relator especial da ONU venha ao Brasil para investigar o atual mandato presidencial. O Observatório pede para que seja realizada uma visita ao Brasil com o intuito de mapear os ataques de Bolsonaro, além de solicitar ao governo as medidas adotadas em resposta às investidas do presidente. Por fim, é pedido um pronunciamento oficial por parte da Organização com as conclusões e recomendações referentes ao caso.

Como forma de responder o chefe de Estado e despreocupar a população com relação à confiabilidade nas urnas eletrônicas, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin [27], afirma que não há negociação quando se trata do resultado eleitoral e que “o Brasil tem eleições limpas, seguras e auditáveis”.

Considerações finais

De acordo com o teórico Adam Przeworski [28], um dos aspectos importantes da democracia é a aceitação da imprevisibilidade do resultado eleitoral. Sendo assim, as ameaças de rejeição do resultado do pleito e o questionamento do modelo eleitoral vigente colocam em risco o funcionamento do sistema democrático. Dessa forma, Bolsonaro, mais que pôr em risco a estabilidade da democracia liberal, ameaça a sua própria existência no Brasil. Não há democracia sem eleições regulares, justas e competitivas.

As intensas investidas do atual presidente contra a democracia brasileira fazem com que o próximo pleito seja determinante para o futuro da democracia no país. Para além de abrigar uma disputa conflituosa entre setores democráticos da esquerda e da direita, as eleições presidenciais de 2022 adquirem um significado único para essas forças políticas: derrotar Bolsonaro e reforçar instituições e valores democráticos fragilizados nos últimos 4 anos.


[19] Cientista política e mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

[20] As falas do presidente referentes ao Estado cristão e a submissão das minorias podem ser acessadas através do link: https://youtu.be/BCkEwP8TeZY

[21] Os dados da FENAJ podem ser acessadas através do link: https://fenaj.org.br/violencia-contra-jornalistas-cresce10577-em-2020-com-jair-bolsonaro-liderando-ataques/

[22] A fala de Bolsonaro referente a suposta fraude eleitoral pode ser acessada através do link: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-diz-que-provara-que-houve-fraude-na-eleicao-de-2018/

[23] As intenções de voto podem ser acessadas através do link: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/05/datafolha-lula-abre-21-pontos-sobre-bolsonaro-no-1o-turno.shtml

[24] A matéria referente ao assunto pode ser acessada através do site: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/04/bolsonaro-promove-evento-oficial-contra-stf-e-cobra-militares-naapuracao-dos-votos.shtml

[25] O resultado da pesquisa pode ser acessado através do link: https://br.noticias.yahoo.com/55-dizem-ver-chancebolsonaro-180400056.html

[26] A petição pode ser acessada a partir do endereço: https://images.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/demospeticao-portugues.pdf

[27] A fala do presidente do TSE está disponível no site: https://www.cartacapital.com.br/politica/fachin-brasil-temeleicoes-limpas-e-acatar-o-resultado-e-inegociavel/

[28] PRZEWORSKI, ADAM. Ama a Incerteza e serás Democrático. Novos Estudos. São Paulo, n. 9, p. 36-46, jul. 1984.

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