As desigualdades socioeconômicas no Censo da Educação Superior

O Censo da Educação Superior é hoje um dos melhores retratos do estado da educação superior no país. A partir deles é possível pensar em políticas públicas que fortaleçam as universidades e a pesquisa. O Observatório do Conhecimento publica esta semana uma série de reportagens sobre os resultados do último Censo da Educação e os desafios que seus resultados apresentam para a reconstrução do ensino e pesquisa no Brasil.

As desigualdades socioeconômicas no espelho do Censo
Para acompanhar a meta 8 do Plano nacional de Educação, que pretende elevar a escolaridade da população de 18 a 29 anos a 12 anos até 2024, o Censo apresenta a escolaridade desse grupo por segmentos. A disparidade começa aqui. Os 25% de maior renda têm em média 13,4 anos de estudo, contra 10,4 anos dos 25% de menor renda. 

Há disparidade também entre pessoas brancas, que têm em média 12,3 anos de estudo e pessoas pretas ou pardas, com 11,2 anos. O mesmo se repete entre a população urbana (11,8 anos) e rural (10,2).

“Essas diferenças são um reflexo de uma disparidade socioeconômica que já existe no Brasil. São dados que não surpreendem, pelo contrário, explicitam as lacunas que existem no Brasil entre segmentos da população”, explica a cientista política e professora da UFRJ Mayra Goulart, coordenadora do Observatório do Conhecimento.

Fonte: Inep

Contrariando a expectativa, o tempo de estudo médio das mulheres (11,9) é maior do que dos homens (11,3). Elas também foram a maioria (61%) entre os concluintes de graduação em 2021. O desvio aqui está em outro fator, o tipo de curso que as mulheres são maioria. “Mulheres costumam atuar em áreas ligadas à cuidados e nas ciências humanas. Homens são maioria em cursos ligados às ciências duras, áreas conhecidas como STEM, no português ciências, tecnologia, engenharias e matemática.. Ou seja, elas são a maioria nas universidades, mas seguem carreiras que tendem a ter menores remunerações. A distorção já começa aí”, explicou a professora Mayra, que também ressaltou o dado que mulheres, mesmo em posições de trabalho similares a de homens, têm em média salários inferiores.

Em 2021, as mulheres foram 78% das graduadas na área de educação e 73% na área de saúde, mas foram 36% das formadas em engenharia, produção e construção, e apenas 15% das graduadas em computação e tecnologias da informação e comunicação.

(A representatividade de gênero e raça na Ciência é um dos eixos de atuação do Observatório do Conhecimento. Ano passado lançamos o documentário “Ciência: luta de mulher”, que conta a história de quatro pesquisadoras de diferentes lugares do Brasil. O filme está disponível no YouTube.)

De acordo com o Censo, na rede federal de ensino superior apenas 31% das matrículas é para cursos noturnos. A porcentagem nas universidades estaduais é de 42%. Já a rede privada oferece 66% das vagas para o turno da noite. “Isso cria uma distorção”, avalia Mayra. “O aluno que precisa trabalhar, por isso estuda a noite, acaba encontrando sua vaga na rede privada. E esses alunos que trabalham normalmente são aqueles de menor renda”, explicou. Para a professora, a solução passa pela ampliação de vagas noturnas na rede pública de ensino.

Fonte: Inep

Nas instituições privadas, o percentual de desistência entre os que possuem Fies é de 38%, enquanto entre aqueles que não fazem parte do programa de financiamento é de 63%.

Outro dado do Censo que gera um alerta é a taxa de abandono da graduação. Entre 2012 e 2021, a taxa de desistência entre os estudantes é de 59%. A medição é feita sempre pelo acumulado dos últimos 10 anos, e desde 2016 a taxa ultrapassou os 50%. Fica mais grave quando se olha a segmentação dos que abandonaram a graduação. Nas instituições privadas, o percentual de desistência entre os que possuem Fies é de 38%, enquanto entre aqueles que não fazem parte do programa de financiamento é de 63%.

Entre 2020 e 21, o total de estudantes da rede privada que contam com algum tipo de bolsa ou financiamento caiu 6,6 pontos percentuais. Em 2016, o Fies e o Prouni chegaram a ser responsáveis por 68% dos estudantes na rede privada. Em 2021 esse percentual é de apenas 27%.

Precisamos lutar por políticas de assistência estudantil permanentes, que garantam que aquele aluno vai ser amparado durante todo o seu curso

Daniel Peres, professor da UFBA

A desistência, contudo, também é alta na rede pública. Entre 2012 e 2021, 50% dos alunos matriculados abandonaram seus cursos. “Precisamos que as universidades públicas sejam mais inclusivas, mas não basta oferecermos mais vagas através de políticas como as de cotas, por exemplo”, defendeu o professor Daniel Peres, da UFBA. “Precisamos lutar por políticas de assistência estudantil permanentes, que garantam que aquele aluno vai ser amparado durante todo o seu curso. O que temos hoje é um cenário de restrição, até pela asfixia orçamentária dos últimos anos, que acentua a evasão. É muito grave”.

Leia aqui a primeira parte do balanço do Censo da Educação Superior

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