O Boletim #6 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No nono texto “A outra margem: um olhar sobre as candidaturas de policiais antifascistas”, a bacharel em letras e graduanda em Ciências Sociais Letícia Queiroz analisa candidaturas de três operadores de segurança de esquerda pertencentes ao grupo Policiais Antifascismo. 

Confira o texto abaixo!

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A outra margem: um olhar sobre as candidaturas de policiais antifascistas
Letícia Fretheim Queiroz[82]

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar candidaturas de três operadores de segurança de esquerda pertencentes ao grupo Policiais Antifascismo – Fabrício Rosa (PT), Leonel Radde (PT) e Orlando Zaccone (PDT) -, levando-se em conta, paralelamente, a atual centralidade dos operadores de segurança nos partidos de direita. Foram analisadas publicações em redes sociais, programas de televisão e entrevistas a jornais.

As candidaturas de operadores de segurança já são uma presença importante na política brasileira. Como já comentado em boletins anteriores, sua ascensão está fortemente ligada com a ascensão de Bolsonaro. Em 2022, essas candidaturas já superam em número as das últimas eleições gerais: de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cresceram em 27%. Da mesma maneira, aumentou a concentração dessas candidaturas em partidos de direita: enquanto o campo detinha 89,9% em 2018, em 2022 detém 94,9% do total de candidaturas; e o partido de Bolsonaro continua a liderar em números absolutos. Em 2018 o extinto PSL aparecia no topo da lista, e em 2022, lidera o PL[83].

Visto isso, é importante observar como se comportam os operadores de segurança candidatos por partidos de esquerda, que compõem uma proporção bastante minoritária entre seus colegas de profissão. Os candidatos analisados neste boletim, além de carreiras policiais, têm em comum o pertencimento ao grupo Policiais Antifascismo, cuja primeira plenária nacional aconteceu em setembro de 2017. Dentre seus fundamentos, estão a ideia de que o sistema penal e as forças policiais não deveriam ser soluções para problemas sociais; a desmilitarização da PM, e sua consequente desvinculação como força auxiliar das Forças Armadas; o fim da política de proibição das drogas e suas medidas de combate; e a construção política de policiais como trabalhadores, a fim de que gozem de direitos proibidos no modelo atual das polícias[84].

Fabrício Rosa (PT)

Fabricio Rosa é candidato a deputado federal pelo estado de Goiás pelo PT. O candidato faz parte da Polícia Rodoviária Federal, é graduado em Direito e doutorando em Direitos Humanos. Ele se define como antifascista e LGBT, sendo diretor  da  RENOSP-LGBT  (Rede  Nacional  de  Operadores  de  Segurança  Pública LGBT). Nas eleições de 2020, apesar de ter sido o 14º candidato mais votado para a câmara dos vereadores de Goiânia, não foi eleito por falta de quociente eleitoral[85]. Na época em questão, o candidato estava no PSOL.

Em suas redes sociais, o candidato aborda pautas diversas. As questões LGBT+ tem espaço importante em suas publicações. Também comenta questões como a fome no Brasil, participação política das mulheres, saúde, educação e questões trabalhistas (com especial atenção ao trabalho dos policiais).

Um ponto que tem especial atenção do candidato são as condições das polícias no Brasil. Ele compreende alguns problemas não como fatos isolados a serem corrigidos, mas como problemas gerais, relacionados à formação dos policiais e ao uso político das polícias, e comenta essa questão nos casos de debate público. À época do assassinato de Genivaldo Santos pela PRF de Sergipe, o candidato publicou um texto escrito com os diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre as deficiências da formação atual da PRF[86]. O texto aponta, por exemplo, a eliminação das disciplinas de Direitos Humanos e a reduzida carga horária da disciplina de Uso Diferenciado da Força, evidenciando o perfil profissional priorizado pela instituição.

Além disso, o candidato já participou de diversos debates da emissora TV Brasil Central, de Goiânia, ao longo de 2021, dentre os quais dois trataram diretamente das polícias[87]. Os assuntos centrais foram a letalidade policial e a desmilitarização da PM, e em ambos os debates seus oponentes eram policiais militares. Cabe destacar como o papel de policial de Fabrício Rosa na discussão é completamente descredibilizado pelos outros debatedores, que parecem participar compreendendo-se como as verdadeiras autoridades no assunto. No debate sobre letalidade policial, o Coronel e também atual candidato Edson Melo chama Fabricio Rosa de “infiltrado” e afirma que ele deveria defender os policiais ou “virar advogado para defender bandido”. No debate sobre a desmilitarização, o Tenente Coronel Cardoso afirma que o oponente “defende a balbúrdia”. Além disso, em ambos os debates é recorrente a ideia de que o candidato não deve ter um conhecimento prático de policial, mas apenas teórico.

Leonel Radde (PT)

Leonel Radde é vereador de Porto Alegre, tendo sido o 8º mais votado em sua cidade e o mais votado do PT. Atualmente é candidato a deputado estadual. É policial civil, além de graduado em História e mestre em Direitos Humanos. Faz parte de diversas frentes parlamentares na câmara da cidade, como a Frente Parlamentar pela Diversidade, Frente Parlamentar Antifascista Pelos Direitos Humanos, Frente Parlamentar em Defesa da Guarda Municipal e outras.

O candidato tem forte presença nas redes sociais. Também discute diferentes pautas, como direitos LGBT+, direitos dos animais e educação. Entretanto, conteúdos sobre combate a grupos bolsonaristas e às fake news, violência política e atuação do movimento antifascista têm bastante destaque, sobretudo em seu canal no YouTube. Tanto em suas redes quanto em seu material de campanha, o candidato usa com frequência o símbolo antifascista. Ao mesmo tempo, ele usa elementos visuais que passaram a ser mais usados em campanhas de extrema-direita desde 2018, como a bandeira do Brasil e cores escuras compondo seus conteúdos – o que destoa bastante da campanha de Fabrício Rosa, do mesmo partido – como uma possível tentativa de disputar alguns símbolos. Além disso, Radde faz muitas críticas a atuações irregulares das polícias e à violência policial.

O candidato mostra bastante preocupação com o fato de a esquerda precisar disputar o debate da segurança pública[88]. Defende que, em 2022, a campanha de Lula dê especial atenção ao assunto, que segundo ele pode ser determinante nas eleições. Também defende que o candidato à presidência procure manter diálogo com os policiais, grupo que, de acordo com ele, é historicamente ignorado pela esquerda.

Leonel Radde faz muitas críticas à maneira como o campo progressista tem lidado com esses assuntos, responsabilizando-o pelo êxito do campo da direita em monopolizar a pauta da segurança e por perder votos em regiões periféricas[89]. De acordo com ele, sofre constantes críticas da própria esquerda. Destaca-se uma fala do vereador sobre os efeitos do tráfico de drogas na morte da população negra, que gerou bastante controvérsia[90]. De acordo com ele, isso o coloca em um lugar de ser “esquerda demais para a polícia e policial demais para a esquerda”.

Orlando Zaccone (PDT)

Orlando Zaccone é candidato a deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. Delegado da Polícia Civil, é doutor em Ciência Política pela UFF. O candidato, que já foi filiado ao PSOL, tem uma carreira notória por ter atuado no caso Amarildo, em 2013. Na época, o delegado foi o responsável pela linha de investigação que terminou por punir policiais militares pelo assassinato de Amarildo[91] .

O candidato comenta bastante os acontecimentos políticos recentes em suas redes sociais, além de ter um podcast em que convida pessoas para discutir temas da atualidade, como questões raciais, desmilitarização das polícias, violência e direitos humanos. Nos últimos meses, além de sua campanha, tem feito muitas postagens a favor de Ciro Gomes, candidato à presidência, e a Rodrigo Neves, candidato ao governo do estado, ambos de seu partido. Paralelamente, tem feito muitas críticas ao presidente Lula e às alianças construídas por sua candidatura, apresentando as candidaturas do PDT como uma alternativa a essas alianças.

Além disso, o candidato se preocupa em discutir a atuação das polícias. Em entrevista recente, afirmou que as polícias estão sendo cooptadas politicamente por Bolsonaro através de suas bases e de sua cúpula; e que o governador do RJ faz uso eleitoreiro das operações policiais no estado. Também comenta como é difícil ser um policial identificado com a esquerda e ativista dos direitos humanos[92]. Outro assunto que discute com frequência é o fracasso do combate às drogas no Brasil, adotando uma clara posição antiproibicionista – em um post recente, fez uma crítica implícita a Marcelo Freixo, que neste mês disse não ser mais a favor da legalização das drogas[93].

Conclusão

É visível como as três candidaturas observadas vão radicalmente na contramão de candidaturas policiais cujas campanhas são mais centradas no combate à criminalidade e, em menor peso, nas pautas conservadoras – a exemplo das comentadas nos boletins anteriores, como as de Allan Turnowski (PL) e Edson Melo (Avante). Os candidatos não parecem se basear no status de gestores de ameaças normalmente associado aos militares e aos policiais, o que os permite discutir uma maior gama de pautas não necessariamente ligadas a suas profissões. Ao mesmo tempo, suas ocupações não são um mero detalhe: todos se preocupam em debater as condições de existência das polícias, tanto institucionalmente como politicamente.

Também chama a atenção a dificuldade dos candidatos em representar a esquerda em seu campo profissional. Isso fica claro, por exemplo, no tratamento que tem Fabrício Rosa por seus colegas de profissão em debates, e nas declarações de Leonel Radde e de Orlando Zaccone sobre ser policial e de esquerda. Destacam-se aqui as declarações de Radde sobre o dever da esquerda em disputas as polícias, preocupação que manifesta inclusive na estética de sua campanha.

Entretanto, os candidatos parecem contornar propostas práticas de curto prazo para a segurança pública e para o combate à criminalidade (além de suas pautas de mudanças estruturais), que têm grande importância nas candidaturas de policiais do campo da direita. Debater esses assuntos, apesar de sua centralidade nas eleições, parece ser, ainda, um desconforto para o campo da esquerda – a exemplo do episódio de controvérsia envolvendo Leonel Radde -, mostrando-se um desafio na campanha de 2022.


[82] Letícia Fretheim Queiroz é bacharel em Letras (UFRJ) e graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ.

[83] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/08/analise-candidaturas-2022.pdf

[84] https://policiaisantifascismo.blogspot.com/2018/03/

[85] https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/14o-nas-eleicoes-para-camara-fabricio-rosa-quer-concorrer-a-cadeira-na-alego-377002/

[86] https://piaui.folha.uol.com.br/licao-de-tortura/

[87] https://www.youtube.com/watch?v=MZLZf14m9oo&t=1194s https://www.youtube.com/watch?v=Truo7b_9w2E&t=378s

[88] https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2022/06/seguranca-publica-desestabilizar-o-pais/

[89] https://www.dw.com/pt-br/a-esquerda-precisa-mudar-seu-discurso-sobre-seguran%C3%A7a/a- 56825781

[90] https://twitter.com/leonelradde/status/1276894377764368385

[91] https://extra.globo.com/noticias/extra-extra/delegados-do-caso-amarildo-sao-entrevistados-ao- mesmo-tempo-22306500.html

[92] https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/bolsonaro-pegou-as-policias-para-um- projeto-politico-diz-delegado

[93] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/08/freixo-muda-posicao-sobre-drogas-e-regime-fiscal-em-brusca-guinada-ao-centro.shtml https://twitter.com/ZacconeOrlando/status/1560379407084261384

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