O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No primeiro texto “A classe trabalhadora está de volta: Uma análise do pré-programa de Lula” (p. 4-9), a professora de Ciência Política e coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada e do Observatório do Conhecimento, Mayra Goulart, e a doutoranda em Ciências Sociais Tayná Lima Paolino apresentam e analisam o programa da chapa VAMOS JUNTOS PELO BRASIL.

Percebe-se que o programa apresenta a educação e a ciência e tecnologia como um investimento central para fazer do Brasil um país desenvolvido, com inovação produtiva e com inclusão social. No entanto, é ideologicamente marcado à esquerda, na medida em que disserta sobre a educação como uma forma de defesa dos direitos e do protagonismo da classe trabalhadora.

Confira o texto abaixo!

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A classe trabalhadora está de volta: Uma análise do pré-programa Lula
Mayra Goulart [1] e Tayná Lima Paolino [2]

Em 06 de junho de 2022, foi lançada uma versão preliminar do programa da chapa VAMOS JUNTOS PELO BRASIL (PT, PCdoB, PV, PSOL, Rede, PSB e Solidariedade) para a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República[3]. A publicação do conteúdo do programa gerou alvoroço entre alguns partidos e sindicalistas apoiadores da chapa[4], como o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e União Geral dos Trabalhadores (UGT) porque propunha a revogação da reforma trabalhista. A versão final do programa[5] foi divulgada no dia 21 de junho junto com uma live no Youtube, que contou com os presidentes, presidentas e representantes dos sete partidos que compõem a chapa de Lula à Presidência da República[6].

O programa tem como objetivo geral a reconstrução do país, sendo formulado a partir de três eixos: i) promoção do desenvolvimento social com a garantia de direitos; ii) desenvolvimento econômico com sustentabilidade socioambiental e climática e iii) reconstrução do Estado e da soberania. Como diretriz primeira está o entendimento de que, para cumprir com esses compromissos, o Estado deve voltar a ter um papel crucial na promoção de investimentos em educação, ciência e tecnologia, infraestrutura e na promoção de direitos.

A centralidade da pauta do trabalho e da renda, priorizando soluções para a classe trabalhadora e para os menos favorecidos, não deixou de lado as questões de gênero, raça e cultura. Mesmo correndo o risco de prejudicar o processo de aproximação com lideranças evangélicas e de afugentar eleitores mais conservadores, é um programa que não fugiu de temas capazes de gerar polêmicas. Portanto, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados deixam claro que defenderão os direitos da população LGBTQIA +, que farão o combate ao machismo e ao racismo estrutural, tudo isso mediante a promoção e ampliação das políticas públicas de ação afirmativa iniciadas durante as gestões anteriores do PT.

O programa vai de encontro com toda a política que tem sido colocada em prática pelo Governo Bolsonaro, que desmonta áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social, como o Ministério da Educação e da Ciência e Tecnologia, persegue movimentos sociais e retira direitos garantidos. Segundo o OBL – Observatório do Legislativo Brasileiro, o orçamento aprovado em 2022 foi o maior orçamento desde os anos 2000, mas isso não se reverteu em investimentos para a melhoria das condições de vida da população brasileira, ao contrário, o orçamento para o Ministério da Educação e da Ciência e Tecnologia vem sendo cortado e contingenciado desde o Governo Temer. Quando olhamos a proporção de investimento na educação, os dados são ainda mais duros, passamos de 17% de investimento em 2014 e 2015 para 8% em 2022[7].

O governo de Jair Bolsonaro demonstra sua falta de compromisso com a educação e com a ciência e tecnologia, o que se traduz nos cortes de investimentos nessas áreas estratégicas. Infelizmente, o descaso não para por aí. Seus ministros são constantemente alvos de denúncias de corrupção e deturpação das suas funções de agente público, com a construção de ministérios paralelos, como já havia sido identificado pelos trabalhos da CPI da COVID[8], durante a emergência sanitária, com fraude para compra de vacina superfaturada e remédios produzidos por aliados pelo Ministério da Saúde, e como está sendo exposto no Ministérios da Educação a partir do caso do ex Ministro Milton Ribeiro e sua relação com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura[9].

Como é de conhecimento geral, no dia 22 de junho, o ex-ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, Milton Ribeiro, foi preso na operação Acesso Pago, que investiga tráfico de influência e corrupção na liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Milton Ribeiro ficou no governo por quase dois anos, de junho de 2020 até março de 2022, e saiu da pasta quando o áudio em que ele dizia que iria liberar verbas por indicação de dois pastores, a pedido de Bolsonaro, vazou. O recurso do FNDE é fundamental para o funcionamento das políticas educacionais nas prefeituras e nos estados, e uma parte do fundo é utilizado conforme as demandas, de livros didáticos, ônibus escolar, entre outros, isto é, de maneira não obrigatória, o que dá possibilidade de acordos entre Governo Federal, prefeituras e governos estaduais.

O investimento em educação de qualidade, da creche à pós-graduação, tem um papel central para a reconstrução do Brasil no programa apresentado pela chapa do Presidente Lula. Como se pode ver no ponto 22:

22. O nosso objetivo é resgatar e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado. Para participar da sociedade do conhecimento, é fundamental o resgate de um projeto de educação que dialogue com o projeto de desenvolvimento nacional. Para isso, é preciso fortalecer a educação pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica e inclusiva, com valorização e reconhecimento público de seus profissionais. (DIRETRIZES PARA O PROGRAMA DE RECONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO BRASIL, 2022)

O programa salienta, no ponto 38 e 39, que o Governo do Presidente Lula irá dar continuidade a políticas de cotas sociais e raciais na educação superior e nos concursos públicos federais, como forma de combate ao racismo estrutural e promoção da igualdade racial. Outra parte importante do programa é a defesa da inclusão e permanência na educação da população LGBTQIA +, no ponto 41, como uma das formas de se garantir a inserção no mercado de trabalho, o direito à saúde, o respeito às diversas identidades de gênero e suas expressões, assim como o combate à agressão moral e física por conta da orientação sexual.

A educação também aparece como um ponto importante para o reconhecimento e geração de oportunidades que potencializam o protagonismo das juventudes brasileiras no ponto 42. Juventudes essas que enfrentam grave cenário de desemprego, fome e falta de perspectiva.

A garantia do acesso à educação aparece no programa como política para a inclusão de pessoas com deficiência:

43. Um Brasil inclusivo e acessível, com a garantia de direitos e respeito às pessoas com deficiência é uma de nossas metas. Para tanto é preciso assegurar às pessoas com deficiência e suas famílias o acesso à saúde, à educação, à cultura e ao esporte, e a inserção no mundo do trabalho. Nosso compromisso é romper as barreiras do capacitismo e assegurar a todos os brasileiros e brasileiras inserção social, oportunidades e autonomia. Para tanto, vamos trabalhar com a comunicação acessível e inclusiva, investir em pesquisa e inovação e assegurar à pessoa com deficiência o acesso a tecnologias assistivas e, sobretudo, integrar todas as esferas de governo e da sociedade para garantimos a premissa de cidadania das pessoas com deficiência, de que “nada sobre nós, sem nós”. (DIRETRIZES PARA O PROGRAMA DE RECONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO BRASIL, 2022)

Ao resgatarmos a história de Milton Ribeiro à frente do Ministério da Educação, podemos ratificar que o programa da chapa “Vamos juntos pelo Brasil” é uma crítica frontal às políticas que estão sendo conduzidas pelo Governo de Jair Bolsonaro, que podem ser identificadas não só pela falta de prioridade econômica de investimento no orçamento, como, também, em opiniões emitidas pelo representante enquanto estava no cargo, como de que a universidade deveria se “para poucos”[10] , que os homossexuais vêm de famílias desajustadas[11] e sobre o problema de crianças deficientes estarem nas escolas[12].

No programa, a educação é importante para dialogar com as medidas de enfrentamento dos impactos sociais e econômicos gerados pela COVID 19, propondo recuperação educacional para os e as estudantes mais afetados pela grave crise sanitária, devido às “inúmeras limitações materiais, pedagógicas ou tecnológicas”.

Conclusão

O programa apresenta a educação e a ciência e tecnologia como um investimento central para fazer do Brasil um país desenvolvido, com inovação produtiva e com inclusão social. A educação aparece como um aspecto central no diálogo com os defensores das famílias, com proteção e cuidado prioritário para as crianças. Na escola, as crianças têm acesso à alimentação, saúde, direito de brincar ao ar livre. Ademais, a permanência na escola favorece a defesa dos direitos da criança, dificultando o o trabalho infantil, a violência, a exploração sexual e todas as formas de preconceitos e discriminações. Consideramos esse ponto importante porque ele permite a construção de diálogo com alguns segmentos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, na medida em que a educação é capaz de transcender as clivagens ideológicas.

O programa, no entanto, é ideologicamente marcado à esquerda, na medida em que disserta sobre a educação como uma forma de defesa dos direitos e do protagonismo da classe trabalhadora, uma categoria que, quando comparada a outras como empresários, policiais e militares, recebeu pouca atenção ao longo do governo de Jair Bolsonaro. O mesmo pode ser afirmado de sua trajetória legislativa, como demonstramos na pesquisa conduzida no Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), no qual sistematizamos os projetos de Lei e discursos proferidos em Plenário, ao longo de seus sete mandatos consecutivos como Deputado Federal.


[1] Professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS). Coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM) http://ppgcs.ufrrj.br/laboratoriosde-pesquisa/lappcom/ Atualmente é vice-presidente do sindicato de professores da UFRJ (ADUFRJ) e Coordenadora do Observatório do Conhecimento.

[2] Doutoranda em Ciências Sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisadora do Laboratório de Partidos e Política Comparada – LAPPCOM. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e graduada em Ciência Política pela mesma Universidade, sendo bolsista CNPq.

[3] https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/06/06/esboco-do-programa-do-pt-preve-revogacao-de-teto-e-da-reforma-trabalhista-e-critica-orientacao-passiva-do-cambio.ghtml

[4] https://www.terra.com.br/noticias/previas-de-propostas-de-lula-para-reforma-trabalhista-racham-base-sindical,adb71c91b67569a040426fc676af55babjfd9mlw.html

[5] DIRETRIZES PARA O PROGRAMA DE RECONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO BRASIL, 2022. Acessar em: https://fpabramo.org.br/wp-content/uploads/2022/06/documento-diretrizes-programaticas-vamosjuntos-pelo-brasil-20.06.22.pdf

[6] Componentes da comissão de representantes dos sete partidos que compõem a chapa de Lula à Presidência da República: PT: Aloizio Mercadante( Coordenador), Maria do Rosário e Mônica Valente, PCdoB: Luis Fernandes e Rubens Diniz, PV: José Carlos Lima e Osvander Valadão, PSOL: Claudio Puty e Camila de Caso, REDE: Pedro Ivo e Wellington Almeida, PSB: Alexandre Navarro e Domingos Leonelli, SOLIDARIEDADE: Guilherme Martinelli e Jorge Onoda.

[7] https://olb.org.br/ciencias-sociais-articuladas-o-orcamento-da-educacao-ciencia-e-tecnologia-no-brasil-22-anos-de-avancos-e-retrocessos/#cite_note-1

[7] https://olb.org.br/ciencias-sociais-articuladas-o-orcamento-da-educacao-ciencia-e-tecnologia-no-brasil-22-anos-de-avancos-e-retrocessos/#cite_note-1

[8] https://oglobo.globo.com/politica/cpi-da-covid-veja-os-indicios-da-existencia-do-gabinete-paralelo-no-planalto-contra-covid-19-1-25048517

[9] https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/06/22/entenda-por-que-milton-ribeiro-foi-preso.ghtml

[10] https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/08/10/ministro-da-educacao-defende-que-universidade-seja-para-poucos.ghtml

[11] https://www.otempo.com.br/politica/milton-ribeiro-do-mec-associa-homossexualidade-a-familias-desajustadas-1.2389518

[12] https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/08/24/milton-ribeiro-ministro-da-educacao-fala-criancas-deficiencia.htm

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