Repercussões sobre o Bicentenário da Independência ou comício eleitoral de Bolsonaro, por Nathália J. S. Ribeiro
O Boletim #8 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No segundo texto “Repercussões sobre o Bicentenário da Independência ou comício eleitoral de Bolsonaro”, a cientista política e mestranda em Ciência Política Nathália Julia analisa as ações e falas do presidente Jair Bolsonaro durante a celebração cívica e história dos 200 anos da Independência do Brasil. Em complemento, apresenta também a repercussão política e social dos acontecimentos no último dia 7 de setembro.
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Repercussões sobre o Bicentenário da Independência ou comício eleitoral de Bolsonaro
Nathália J. S. Ribeiro[1]
Confira o texto abaixo!
Resumo O presente texto faz parte do projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar as ações e falas do presidente Jair Bolsonaro durante a celebração cívica e história dos 200 anos da Independência do Brasil. Em complemento, pretende-se apresentar a repercussão política e social dos acontecimentos no último dia 7 de setembro. Neste oitavo número foram utilizadas matérias de portais midiáticos de grande circulação, discursos oficiais do presidente e pesquisas de opinião pública.
7 de setembro: de celebração cívica e histórica a comício político-partidário
Tradicionalmente, o dia 7 de setembro é celebrado de forma cívica e sem a exaltação e promoção de qualquer representante político atual. O intuito tende a ser a comemoração da Independência do Brasil, o dia da Pátria. A celebração costuma exibir desfiles militares, manifestações sociais e discursos do presidente da República em prol da Independência e autonomia do país. No entanto, nos últimos quatro anos, Jair Bolsonaro escreveu essa história de forma diferente.
De 2019 a 2021, Bolsonaro discursou enfatizando a independência da Pátria e autonomia do povo brasileiro. No entanto, o presidente seguia em contramão aos valores democráticos ao proferir também duros ataques e ameaças direcionados ao Poder Judiciário. Em 2021, por exemplo, o chefe de Estado afirmou que não cumpriria mais decisões vindas do Supremo Tribunal Federal (STF): “Digo a vocês que, qualquer decisão do ministro Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. Não se pode permitir que um homem apenas turve a nossa liberdade. […] Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro, deixa de censurar3”.
Apesar de, em discursos, aclamar a soberania popular em nome da democracia, esse tipo de comportamento do chefe do Executivo não é de forma alguma democrático. Ao exaltar a manifestação dos defensores de seu governo contra o Poder Judiciário, Bolsonaro deturpa o princípio do sistema que estabelece um equilíbrio entre os três Poderes, observando a institucionalidade constituída a partir da soberania popular e do direito individual. De acordo com esse ideal, o Judiciário tem por função fiscalizar o cumprimento da Constituição de 1988 pelos demais Poderes e pelos cidadãos, protegendo os direitos individuais. De tal forma, o respeito e a autonomia à Corte são indispensáveis a qualquer democracia.
A comemoração do bicentenário da Independência do Brasil entrará para a história do país, não pela celebração do marco de 200 anos de Independência, mas pela manifestação político-partidária feita por Bolsonaro. O atual presidente e candidato à reeleição transformou uma comemoração cívica e nacional em comício em prol de sua campanha política, fato esse sem registros na história da democracia brasileira.
Driblando a legislação para evitar crime eleitoral4, Bolsonaro, após assistir o desfile militar na Esplanada dos Três Poderes, tira a faixa presidencial e se dirige ao trio elétrico perante uma manifestação de apoiadores, alguns dos quais exibiam cartazes antidemocráticos, pedindo o fechamento do STF e intervenção militar. Ao lado de sua esposa, de seu candidato à vice-presidência e de empresários aliados, o presidente discursou5 a seus eleitores, não à nação6. O objetivo de suas declarações foi se autopromover, exaltar sua masculinidade e dividir os brasileiros entre os bons (seus apoiadores) e os maus7 (os adversários petistas).
Repercussão política e social
As comemorações do bicentenário da Independência do Brasil não tiveram avaliação positiva da mídia, de figuras políticas importantes e dos cidadãos. As grandes repercussões e análises chegaram a uma só conclusão: Bolsonaro transformou uma celebração cívica em comício eleitoral.
O candidato Ciro Gomes8 (PDT) acusou Bolsonaro de ter cometido transgressões políticas e institucionais, e, em conjunto com seu partido, acionou o STF, solicitando uma ação de investigação judicial eleitoral contra o presidente. De acordo com o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o chefe de governo usou dinheiro público ao transformar um desfile cívico em comício político a favor de sua campanha.
A presidenciável Simone Tebet criticou o discurso feito por Bolsonaro, enfatizando seu desrespeito às mulheres e à sua própria esposa, Michelle Bolsonaro. Para a candidata, que declarou ter se sentido desrespeitada, o presidente mostra seu “desprezo pelas mulheres e sua masculinidade tóxica e infantil9”.
O ex-presidente e atual candidato Luiz Inácio exaltou que nunca fez uso de tal data para se autopromover, apesar de ter estado na mesma posição de Bolsonaro em 2 mandatos. O petista também criticou o governante por fazer uso de recursos públicos em benefício próprio, além de comparar o evento com uma reunião da Ku Klux Klan e considerar que o chefe de Estado roubou o dia da Independência dos brasileiros.10
Entre os cidadãos comuns, a repercussão também não foi favorável ao presidente. De acordo com a pesquisa “A Cara da Democracia”, realizada pelo Instituto da Democracia (IDDC), 44% dos eleitores 11acreditavam que o presidente não teria chances de reeleição após seus atos no bicentenário. O estudo também apresenta que 54% dos eleitores consideram como pouco ou totalmente inadequado esse comportamento de Bolsonaro.
Além do repúdio da oposição, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também se posicionou. O ministro Benedito Gonçalves, com apoio unânime do plenário do TSE, proibiu12 que qualquer imagem feita no 7 de setembro, seja pelo presidente ou qualquer outro cidadão, fosse utilizada em sua campanha política. Baseando sua decisão em pedidos solicitados pelos oponentes de Bolsonaro, o ministro entende que houve relação entre a celebração cívica do Bicentenário e a campanha à reeleição do atual chefe de governo. Portanto, Bolsonaro não poderia ter a vantagem de usar material produzido em função de sua posição presidencial. Apesar da proibição, Bolsonaro pagou R$ 1,3 milhão ao Google, difundindo ilegalmente propagandas com trechos dos atos do 7 de setembro13.
Considerações finais
Apesar de Bolsonaro ter contornado a lei ao tirar a faixa presidencial, sair do palanque da Esplanada dos Três Poderes e discursar em um trio elétrico em uma manifestação de apoiadores, sua atitude prática resultou em propaganda eleitoral e não no tradicional discurso que celebra a Independência da Pátria.
No entanto, apesar de seus esforços ilegais, as intenções de votos14 seguiam favoráveis ao candidato Lula, seu principal rival na disputa eleitoral. Faltando poucos dias para as eleições, as projeções de voto mantinham Bolsonaro estagnado em segundo lugar, enquanto o ex-presidente beirava uma vitória no primeiro turno.
O reflexo dos atos do chefe do Executivo nos números encontrados pelas pesquisas eleitorais indicava uma coisa: Bolsonaro já tinha seus fiéis eleitores e isso não se alterava, independente de sua postura ludibriadora da lei e dos valores democráticos. Entretanto, o resultado do primeiro turno representou um cenário diferente daqueles apontados nas pesquisas. Além de Bolsonaro ter se mostrado mais forte do que indicaram as intenções de voto, o bolsonarismo ganhou mais destaque do que no pleito passado. Independente de seus atos antidemocráticos ao longo do governo e do esforço da principal oposição – Coligação Brasil da Esperança -em fazer voto útil na candidatura de Lula em prol da democracia, Bolsonaro foi para o segundo turno, atrás do candidato do PT, com 43,215% dos votos válidos. Seus aliados também ganharam destaque no Senado16 e na Câmara dos Deputados17. Agora, diferente da composição formada em 2018, o atual chefe do Executivo, em caso de reeleição, teria apoio para seguir processos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal.
Com a corrida eleitoral chegando ao fim e o atual presidente sendo o primeiro da história da democracia brasileira a ficar em segundo lugar durante uma disputa à reeleição18, Bolsonaro faz uso intenso da máquina pública e do poder de decisão para criar medidas econômicas eleitoreiras. Ou seja, visando o resultado do próximo turno, ele promete o décimo terceiro do Auxílio Brasil19 e a criação do programa de renegociação de dívidas – que a Caixa Econômica Federal20, no entanto, afirma já existir. Faltando menos de 30 dias para o próximo turno, resta saber se o atual presidente irá seguir para mais um mandato, pondo em xeque a democracia brasileira, ou se o ex- presidente Lula será eleito, seguindo o compromisso firmado de fortalecer o sistema democrático brasileiro e derrotar o autoritarismo de Bolsonaro.
[2] Mestranda em Ciência Política (UNIRIO).
[4] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62824150
[5] O discurso pode ser acessado através do link: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/07/7-de- setembro-leia-na-integra-o-discurso-de-bolsonaro-no-rio.htm
[15] https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html%23/m/eleicao/resultados
[18] https://www.instagram.com/p/CjO4QDCt_UU/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D
[19] https://www.instagram.com/p/CjSy9Watmij/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D