Militares no governo Bolsonaro: defesa ou risco à democracia brasileira?, por Nathália J. S. Ribeiro
O Boletim #3 está no mundo!
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No terceiro texto “Militares no governo Bolsonaro: defesa ou risco à democracia brasileira?” (p. 16-21), a cientista política e mestranda em Ciência Política Nathália Julia analisa a forte relação entre o presidente Bolsonaro e as Forças Armadas, além dos indícios de golpe eleitoral por parte de ambos. A hipótese é de que Bolsonaro, assim como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, planeja intervir no resultado do pleito em caso de derrota.
Confira o texto abaixo!
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Militares no governo Bolsonaro: defesa ou risco à democracia?
Nathália J. S. Ribeiro [4]
Resumo O presente texto faz parte da pesquisa de monitoramento eleitoral e tem por objetivo analisar a forte relação entre o presidente Bolsonaro e as Forças Armadas, além dos indícios de golpe eleitoral por parte de ambos. Neste terceiro número, partimos da hipótese de que Bolsonaro, assim como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, planeja intervir no resultado do pleito em caso de derrota. A relação entre o chefe do Executivo e as intuições militares deixa o cenário eleitoral brasileiro mais instável e produz maior risco à democracia, se comparado ao caso estadunidense. Como fontes de estudo foram utilizadas matérias do jornal O Globo, Exame, CNN e Folha de São Paulo, além de falas do presidente disponíveis no YouTube.
Bolsonaro e militares
A carreira política de Bolsonaro esteve diretamente relacionada aos valores hierárquicos e patriarcais do militarismo, incluindo o apoio à intervenção militar no Estado, a exaltação a torturadores e a apologia à execução de opositores. Esses traços opressores ficam evidentes na história do presidente ao observarmos falas suas em 1999, 2015, 2018, 2020 e 2022 nas quais exaltava torturadores do regime militar brasileiro e o assassinato de militantes petistas. Ele próprio admite que, por ter sido militar, sua especialidade é matar[5].
Para além de discursos, é possível observar a prática nos gabinetes e equipes do chefe de Estado. A participação de militares na política brasileira nunca esteve tão forte quanto na atual gestão, nem mesmo durante o período da ditadura cívico-militar. Além do vice-presidente, general Hamilton Mourão, o atual governo tem mais de 6.150[6] militares atuando em cargos civis, sendo 4 deles chefes de Ministérios (Defesa, Ciência e Tecnologia, Saúde e Minas e Energia).
Com as intenções de voto a favor do seu principal rival, o ex-presidente Lula, Bolsonaro não só vem atacando o sistema eleitoral brasileiro, atitude de forte caráter antidemocrático, como também manifesta o intuito de fazer uso das Forças Armadas para garantir a segurança do pleito e até intervir em caso de possível fraude. No entanto, vale ressaltar que o sistema eletrônico de votação no Brasil nunca apresentou qualquer indício de falha, além de ser elogiado por diversas outras democracias.
As Forças Armadas têm por fim a defesa da lei e da ordem do Estado democrático de direito, e não de um governante particular. Essas devem ser acionadas em caso de insegurança nacional quando as unidades policiais não forem capazes de conter o perigo. No entanto, o presidente da república, com apoio do ministro da Defesa, vem preconizando a presença da instituição militar no processo eleitoral.
O presidente declara que fará uso do exército brasileiro para apurar a contagem dos votos no próximo pleito, pois alega de forma infundada que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possui um gabinete paralelo e secreto que possibilita a manipulação do resultado eleitoral.
Além das falsas acusações do presidente, o posicionamento de parte do Exército também coloca em xeque o sistema democrático no Brasil. Apesar de se tratar de uma instituição apolítica, a instituição já vem intervindo no processo eleitoral através de exigências ao TSE sobre dados de eleições passadas e sugestões de alterações nas regras eleitorais.
O cenário de insegurança na democracia brasileira e possível intervenção no pleito agrava-se quando o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, afirma que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional possui planos de atuação em todas as fases do processo eleitoral. De acordo com o general, o plano é para que a Defesa Nacional esteja presente para perguntar, verificar, questionar ou propor algo relacionado ao resultado7 .
Atitudes como essas reforçam a tese de que o objetivo de Bolsonaro é intervir de forma golpista nas eleições presidenciais junto às Forças Armadas. Além do esforço de tentar invalidar a funcionalidade das urnas eletrônicas, o presidente, mesmo negando querer reproduzir a tentativa de golpe no Capitólio estadunidense, incita os cidadãos quando afirma que eles “sabem como devem se preparar” e “fazer antes das próximas eleições[8]”. O discurso vago de que há um inimigo imaginário do qual é preciso se defender estende-se às Forças Armadas. O chefe de Estado também instiga os militares a se prepararem diariamente contra supostas traições no território nacional[9].
População armada no governo Bolsonaro
A pauta da flexibilização do acesso e porte de armas é destaque na agenda do atual presidente desde o início da sua carreira política. Esse foi um dos principais temas apresentados no seu plano de governo em 2018. Contrariando as estatísticas que mostram uma relação entre o aumento de civis armados e o crescimento de crimes letais praticados com arma de fogo[10], Bolsonaro apoia o discurso pró-armamentista como forma de política de segurança pública, apesar dos índices mostrarem um efeito negativo na segurança da população.
Desde que assumiu a presidência da república, o atual governante assinou mais de 30 normas que enfraquecem o Estatuto do Desarmamento[11], criado em 2003 pelo governo Lula. Como consequência, nos últimos 3 anos, o número de armas de fogo dobrou no Brasil. Hoje, o grupo de Colecionadores de Armas, Atiradores Profissionais e Caçadores (CACs) possui mais membros e arsenais do que todas as instituições da Polícia Militar no Brasil. Esses números se relacionam também, de acordo com especialistas do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com o aumento do número de mortes causadas por esse tipo de arma.
O CACs, com apoio de Bolsonaro, reúne quase 60 pré-candidatos[12] para disputar os cargos legislativos nas eleições de 2022. No entanto, por ora, o maior risco[13] é de que esse grupo fortemente armado seja incitado pelo presidente a promover caos social com o fim de intervir nas instituições políticas e no processo eleitoral, semelhante ao ocorrido no Capitólio. Tendo como um dos seus lemas “voupraguerracombolsonaro”, as pautas do grupo também se relacionam com valores cristãos, defesa da família tradicional e a liberdade.
Semelhança com Donald Trump e repercussão internacional
No dia 6 de janeiro de 2021, os Estados Unidos da América passaram por uma tentativa de golpe de Estado ao ter o Capitólio invadido por civis de extrema direita pró-Trump durante a assembleia que confirmava a vitória de Joe Biden e a derrota à reeleição do candidato republicano.
Apesar de não ter a figura de Trump durante a invasão, a conclusão da comissão parlamentar de inquérito foi só uma[14]: o então presidente tinha orquestrado a invasão e era culpado pela tentativa de golpe.
Assim como Bolsonaro vem fazendo, o ex-presidente dos Estados Unidos construiu sua campanha eleitoral com base em falsas acusações referentes à funcionalidade e confiabilidade do sistema eleitoral, além da incitação de eleitores contra o sistema e às Cortes do país. Apesar da grande semelhança, Bolsonaro tem um fator ao seu lado que Trump não tinha: o apoio das Forças Armadas.
Com o objetivo de tentar impedir que o feito nos EUA se repita no Brasil, o presidente Biden já manifestou sua confiança na segurança do sistema eleitoral brasileiro. Para além de falas de apoio, a Defesa Nacional norte-americana afirma que irá acompanhar as eleições no Brasil[15], já o Congresso declara punir o Brasil com o fim de auxílio financeiro em caso de intervenção militar no processo eleitoral.
Considerações finais
A expectativa para as próximas eleições no Brasil aumenta junto com o receio de uma possível intervenção de Bolsonaro, com o auxílio dos militares, no processo e resultado do pleito. O presidente afirma que fará uso das Forças para fiscalizar e, se preciso, intervir no pleito, além de afirmar que ambos não farão “papel de idiota” nas eleições de 2022[16]. Em contrapartida, de acordo com a pesquisa do Instituto Democracia, a desconfiança dos cidadãos brasileiros em relação às Forças Armadas aumentou[17] dez pontos percentuais nos últimos 4 anos, o que reflete também nos dados do Datafolha [18], que apontam que 62% da população é contrária à presença de militares em cargos políticos, marca essa do atual governo.
Apesar das declarações do presidente e da postura do alto escalão militar quanto à organização do pleito, parte das Forças[19] não apoia essa atuação político-partidária da instituição, bem como questiona a parcialidade do ministro da Defesa quanto ao apoio às investidas de Bolsonaro contra as urnas e o Tribunal Superior Eleitoral. Já o general Hamilton Mourão[20], vice-presidente, nega qualquer parcialidade do setor militar e afirma que o órgão respeitará o candidato eleito, seja ele qual for, mesmo afirmando que Luís Inácio Lula da Silva não conta com o respeito das Forças Armadas.
O cenário brasileiro é de intensa preocupação quanto à estabilidade do sistema democrático. Bolsonaro apresenta todos os sinais de que pretende intervir nas eleições e invalidar o resultado do pleito em caso de derrota, exatamente como fez Trump nos Estados Unidos. Aumentando a tensão, por um lado, parte da ala militar apoia as falsas acusações de Bolsonaro e exige participação no comando do pleito; por outro, há um grande grupo de eleitores bolsonaristas fortemente armados. O risco não é apenas de um golpe eleitoral por parte do presidente, mas também de um golpe cívico-militar orquestrado pelo chefe do Executivo.
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[4] Cientista política, mestranda em Ciência Política pela UNIRIO e pesquisadora do Observatório Político e Eleitoral (OPEL).
[5] https://youtu.be/WC-Du9mUHIs
[8] https://youtu.be/iZ7Eg8KbSoE
[13] https://12ft.io/proxy?q=https%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fcolunas%2Feliogaspari%2F2022
[14] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61758319
[20] https://veja.abril.com.br/politica/mourao-lula-nao-tem-o-respeito-das-forcas-armadas/