O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No oitavo texto “Invasões, violências e atividades ilegais em terras indígenas: as consequências da omissão do poder público” (p. 51-57), a graduanda em Ciências Sociais Raissa Farias analisa a perda dos espaços e dos direitos indígenas no atual governo de Jair Bolsonaro. Busca-se, também, traçar o índice de violência e homicídios contra os povos originários registrados nos últimos anos.

Confira o texto abaixo!

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Invasões, violências e atividades ilegais em terras indígenas: as consequências da omissão do poder público
Raíssa M. A. de Farias [145]

Resumo Este boletim tem como objetivo analisar a perda dos espaços e dos direitos indígenas no atual governo de Jair Bolsonaro, o qual incita a todo momento a invasão de organizações criminosas em territórios indígenas por meio de manifestações públicas e produções de Projetos de Lei com o intuito de regulamentar a exploração de atividades econômicas nessas terras. Busca-se, também, traçar o índice de violência e homicídios contra os povos originários registrados nos últimos anos, assim como expor as brutais consequências ambientais que reflete na saúde dessa população, causadas por essas invasões dadas de forma ilegal. Como fonte para a pesquisa, foram utilizados o site do G1, o Uol, CNN Brasil, Revista Exame, Brasil de Fato, Socialismo Criativo, Revista Greenpeace, Agência Brasil, Revista Metrópoles, Correio Braziliense, Supremo Tribunal Federal e por fim, o site oficial do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O avanço da violência contra os povos indígenas

Segundo dados do Atlas da Violência, em agosto de 2021, publicado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), em cooperação com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), nota-se um aumento de 21,6% nos assassinatos de povos indígenas na última década, enquanto a taxa de homicídios em geral declinou cerca de 20% no Brasil. Estima-se que mais de 2 mil indígenas vieram a óbito em razão de mortes violentas no intervalo entre 2009 e 2019, sendo registrado 15 mortes por 100 mil habitantes indígenas no primeiro ano e 18,3 no último, na direção contrária à redução ocorrida no índice de homicídios em geral, que passou de 27,2 para 21,7 por 100 mil habitantes. Vale ressaltar que essa foi a primeira vez que o Atlas da Violência divulgou informações em relação à taxa de violência letal contra os povos originários. Utilizou os números oferecidos pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade, desenvolvido pelo Ministério da Saúde antes da pandemia do COVID-19[146].

De acordo com a pesquisa “Violência contra povos indígenas no Brasil”, realizada pelo Cimi, com o apoio de lideranças nativas e representantes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 2019 foram registradas 113 mortes contra pessoas indígenas. Já no ano de 2020, houve um aumento de cerca de 63% dos números de assassinatos, resultando em 182 mortes147. Nesse mesmo ano, foram identificados 17 casos de ameaças de morte, 34 ameaças variadas, 16 homicídios culposos, 8 lesões corporais dolosas, 15 casos de racismo e discriminação étnico cultural, 14 casos de abuso de poder, 13 tentativas de assassinato e 5 casos de violência sexual, que contabilizaram 304 ocorrências de violência no geral. Deste modo, o total apontado neste ano é superior ao de 2019, que registrou 277 casos[148]. Segundo os dados publicados pela Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), com o advento da pandemia que, também se iniciou em 2020, mais de 43 mil indígenas foram infectados pelo coronavírus trazido pelos De acordo com a pesquisa “Violência contra povos indígenas no Brasil”, realizada pelo Cimi, com o apoio de lideranças nativas e representantes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 2019 foram registradas 113 mortes contra pessoas indígenas. Já no ano de 2020, houve um aumento de cerca de 63% dos números de assassinatos, resultando em 182 mortes[147]. Nesse mesmo ano, foram identificados 17 casos de ameaças de morte, 34 ameaças variadas, 16 homicídios culposos, 8 lesões corporais dolosas, 15 casos de racismo e discriminação étnico cultural, 14 casos de abuso de poder, 13 tentativas de assassinato e 5 casos de violência sexual, que contabilizaram 304 ocorrências de violência no geral. Deste modo, o total apontado neste ano é superior ao de 2019, que registrou 277 casos148. Segundo os dados publicados pela Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), com o advento da pandemia que, também se iniciou em 2020, mais de 43 mil indígenas foram infectados pelo coronavírus trazido pelos garimpeiros invasores de terras indígenas e cerca de 900 morreram em decorrência das complicações da doença. Muitas dessas mortes refletem a omissão do poder público em relação a essa população, notadamente na área da saúde[149].

Observa-se ainda um índice de mortes maior em territórios onde há a presença de terras indígenas. Constatam-se 20,4 por 100 mil habitantes. Contudo, em cidades sem essas terras, é registrado 7,7 por 100 mil habitantes[150]. Os três Estados brasileiros mais violentos atualmente para a população indígena são: Roraima, Amazonas e Mato Grosso do Sul[151].

Deve-se enfatizar que o número elevado dos casos de violência geral se atribui às agressivas invasões e à exploração predatória dos recursos naturais presentes nos territórios indígenas, acometidos por grupos de garimpeiros, madeireiros, pescadores, caçadores ilegais, fazendeiros e grileiros. Eles queimam e desmatam suas terras, extraem madeiras, contaminam rios e garimpam à procura de minérios.

As brutais consequências das invasões ilegais

Ainda com base na pesquisa “Violência contra povos indígenas no Brasil”, foram registradas 263 ocorrências de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danificações ao patrimônio que atingiram cerca de 201 terras indígenas, de 145 povos distintos, em 19 estados brasileiros, no ano de 2020. Um aumento em relação ao cenário de 2019, visto que esse totalizou 256 casos, e um acréscimo de 137% em comparação a 2018, quando se identificou 111 registros. O relatório registra ainda que os casos de conflitos relacionados a direitos territoriais foram alavancados de maneira extrema: 96 ocorrências em 2020, 174% a mais que as 35 obtidas em 2019[152].

O Cimi atenta para a situação dos povos Yanomami, Ye’kwana e Munduruku, alvos contínuos de ações de violência não reprimidas pelo governo e da crise sanitária do coronavírus em 2020.

O território Yanomami, localizado na floresta Amazônica e em Roraima, é uma das maiores terras afetadas por organizações, em maioria, criminosas. Estimase a presença de 20 mil garimpeiros[153] no local.

O recente desaparecimento de indígenas da comunidade Yanomami de Roraima, localizados na região de Waikás, repercutiu nas mídias sociais e em jornais de todo Brasil, com a narrativa “Cadê os Yanomami?”. No dia 25 de abril, o líder indígena Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), utilizou sua rede social para publicar um vídeo de sua autoria, denunciando o estupro de uma adolescente de 12 anos por parte de garimpeiros, o que teria resultado em sua morte. Afirmou também que outra criança havia caído no rio que banha o território na ocasião. Com a repercussão, policiais federais, agentes do ministério público e da Funai foram até o local averiguar a ocorrência do crime. Encontraram a aldeia vazia e algumas moradias indígenas com vestígios de incêndios[154].

Esse caso é um dos inúmeros já vivenciados pela população Yanomami e outras etnias, além dos 13 povos isolados que habitam a região. Semanas antes do desaparecimento da comunidade, o Ministério Público Federal havia reportado que garimpeiros estavam aliciando mulheres e crianças indígenas Yanomami em troca de comida[155]. O índice de desmatamento teve um crescimento de 41% em apenas seis anos, registrando 58,4 hectares em 2016 para 2.409 hectares no ano de 2021, o que dificulta o cultivo e a produção de recursos naturais fundamentais para sobrevivência[156]. Em 2021, o Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna informou que garimpeiros teriam tentado invadir a comunidade de Palimú, no território indígena Yanomami. Os invasores estavam a bordo de 12 barcos e recuaram após perceber a presença de um grupo yanomami[157].

Além do dano ambiental causado por invasões garimpeiras em terras indígenas, um laudo da Polícia Federal, realizado neste ano, identificou uma presença elevada de mercúrio nos rios de terras Yanomami: 8600% superior ao estabelecido como máximo para águas de consumo humano. O mercúrio é utilizado durante a extração de minérios e afeta diretamente a saúde dos povos nativos que vivem da pesca, utilizando essa água para cessar sua sede e se banhar[158].

O incentivo governamental às organizações criminosas e o enfraquecimento dos órgãos públicos

O número de violência física e territorial contra os povos originários cresce a partir de 2018, iniciando-se ainda no governo Temer[159] , quando se registra a exoneração do presidente da Funai Franklimberg de Freitas. A violência intensificou-se com as declarações públicas anti-indígenas de Bolsonaro.

Bolsonaro sempre mostrou apatia pelos povos indígenas. Em 1998, quando ainda era deputado federal, condecorou a cavalaria norte-americana, afirmando que foi mais competente do que a cavalaria brasileira porque “dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”[160]. Declarou em sua pré candidatura, em 2018, que os indígenas não teriam sequer mais um centímetro de terra[161]. Ele mantém esse tipo de discurso até hoje. Contou com o forte apoio do poder legislativo na criação de Projetos de Lei lesivos aos territórios indígenas, como o PL 191/2020, o PL 571/2022 e a pauta sobre o Marco Temporal, que ameaça mais de 300 terras desses povos[162] . Declarações públicas e inação governamental contra a invasão de terras fazem com que invasores se sintam protegidos e amparados pelo governo.

Com o aparelhamento e enfraquecimento de órgãos importantes para a defesa dos povos indígenas, como a Funai, ativistas indigenistas, profissionais, ambientalistas e líderes indígenas que atuam em defesa da proteção da Amazônia e dos direitos humanos se tornam vulneráveis a ameaças, perseguições e morte. A desautorização de armamento da Funai para proteção de indígenas no Vale do Javari, na Amazônia, é um exemplo[163].

O servidor público Maxciel Pereira dos Santos, atuante na linha de frente de proteção do Vale do Javari, foi executado a tiros em Tabatinga. Segundo a Funai, Maxciel havia recebido diversas ameaças dias antes do ocorrido. O crime segue impune há três anos. Um mês depois, Francisco Gouvêa, coordenador da área, pediu demissão, alegando “precarização dos meios para o atendimento de nossa missão institucional de proteção dos direitos dos povos indígenas”. Neste mesmo ano, a base do Vale do Javari sofreu quatro ataques, sendo o último, em dezembro, com disparos de armas de fogo[164].

No caso do recente assassinato do indigenista Bruno Pereira (exonerado da coordenadoria geral de indígenas isolados da Funai) e do jornalista britânico, Dom Phillips, no Vale do Javari[165], ressalta-se que Bolsonaro manteve o discurso antiindígena e continuou defendendo o agronegócio, declarando que “acabou a economia brasileira do agronegócio! Acabou nossa garantia alimentar, acabou o Brasil!”[166].

Conclusão

Observa-se um aumento no número de assassinatos e violências contra os povos indígenas desde de 2018, no governo de Michel Temer. Esse quadro foi intensificado durante a campanha eleitoral de Bolsonaro nesse mesmo ano. O atual governo explicita continuamente seu desejo por converter terras indígenas em objeto de exploração comercial, privilegiando os interesses de grandes empresas privadas ligadas ao agronegócio, à mineração e a amplos grupos econômicos.

Atualmente existem 1.299 terras indígenas identificadas no Brasil. Dessas, 832 esperam deliberações do poder público[167]. Vale ressaltar que a lei 231 presente na Constituição de 1988 prevê o direito dos povos originários sobre suas terras e reconhece como dever do Estado proteger e dar suporte a esses povos.

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[145] Graduanda em Ciências Sociais pela UERJ e pesquisadora do NUDEB – UFRJ.

[146] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/08/31/taxa-de-assassinatos-de-indigenas-aumenta-216percent-em-dez-anos-diz-atlas-da-violencia.ghtml

[147] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/08/31/taxa-de-assassinatos-de-indigenas-aumenta-216percent-em-dez-anos-diz-atlas-da-violencia.ghtml

[148] https://cimi.org.br/2021/10/relatorioviolencia2020/

[149] https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/10/28/violencia-contra-indigenas-aumento-de-assassinatos-invasoes-de-terras-e-violacoes-de-direitos-durante-pandemia-sao-denunciados-pelo-cimi.ghtml

[150] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/08/31/taxa-de-assassinatos-de-indigenas-aumenta-216percent-em-dez-anos-diz-atlas-da-violencia.ghtml

[151] https://www.greenpeace.org/brasil/blog/genocidio-sim-assassinato-de-indigenas-aumenta-61/

[152] https://cimi.org.br/2021/10/relatorioviolencia2020/

[154] https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-que-se-sabe-sobre-o-sumico-dos-yanomami.phtml

[155] https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-que-se-sabe-sobre-o-sumico-dos-yanomami.phtm

[156] https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2022/04/19/devastacao-de-terras-indigenas-cresce-41-vezes-entre-2016-e-2021-segundo-o-mapbiomas.ghtml

[157] https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/20/garimpeiros-tentam-invadir-comunidade-na-terra-yanomami-em-10o-dia-de-ataques-dizem-indigenas.ghtml

[158] https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2022/06/06/rios-na-terra-yanomami-tem-8600percent-de-contaminacao-por-mercurio-revela-laudo-da-pf.ghtml

[159] https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/com-pior-desempenho-em-demarcacoes-desde-1985-temer-tem-quatro-terras-indigenas-para-homologar

[160] https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2022/03/16/bolsonaro-ja-lamentou-que-o-brasil-nao-dizimou-os-indigenas.ghtml

[161] https://br.noticias.yahoo.com/relembre-7-vezes-em-que-bolsonaro-atacou-direitos-dos-indigenas-162258426.html?guccounter=1

[162] https://www.brasildefato.com.br/2022/04/21/projeto-de-lei-da-a-bolsonaro-poder-de-liberar-mineracao-em-qualquer-area-do-pais

[163] https://www.metropoles.com/brasil/exclusivo-funai-retirou-armas-usadas-na-protecao-de-indigenas-no-vale-do-javari

[164] https://www.socialismocriativo.com.br/enfraquecimento-da-funai-favorece-violencia-contra-indigenas-e-servidores/

[165] https://exame.com/brasil/morte-de-dom-e-bruno-o-que-falta-saber-e-o-que-ja-se-sabe-sobre/

[166] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/06/5013739-em-meio-a-crise-em-terra-indigena-bolsonaro-critica-protecao-de-terras.html

[167] https://cimi.org.br/2021/10/relatorioviolencia2020/

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