Esquerda e direita no contexto brasileiro, Isabelle Braga
O Boletim #6 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No terceiro texto “Esquerda e direita no contexto brasileiro”, a graduanda em História Isabelle Braga apresenta os termos “esquerda” e “direita” e como eles podem ser aplicados no contexto brasileiro.
Confira o texto abaixo!
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Esquerda e direita no contexto brasileiro
Isabelle Braga[16]
Resumo O presente texto tem por objetivo apresentar os termos “esquerda” e “direita” e como eles podem ser aplicados no contexto brasileiro. Para isto, usamos como referência os candidatos à Presidência da República de maior destaque e que representam de modo mais claro as duas perspectivas, Lula e Bolsonaro, respectivamente, e como a mídia nacional se utiliza desses termos para a construção do imaginário popular sobre o que significa uma pessoa ser considerada de “esquerda” e de “direita”. Para tal objetivo, neste quarto boletim, usamos como base o livro de Norberto Bobbio, filósofo político italiano, “Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política”, publicado pela Editora da UNESP, e a partir de sua ângulos, analisamos durante o período de dois meses (10 de junho de 2022 a 18 de agosto de 2022) os editoriais publicados pelo Jornal O Globo, a mais influente mídia impressa do Estado do Rio de Janeiro.
Esquerda e Direita: história e conceito
Para nos aprofundarmos nessa questão, utilizaremos como base o livro do italiano Norberto Bobbio, “Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política”. Norberto escreve em um contexto de eleições polarizadas para o Parlamento Italiano em 1994 e tem como objetivo provocar e responder se esquerda e direita ainda existem e se sim, qual seria o significado dos mesmos.
Antes de destrincharmos a tese do autor, é importante pontuar que, diferente do que muitos pensam, o conceito de esquerda e direita são relativamente recentes, formados a partir do processo da Revolução Francesa no século XVIII. Na Assembleia dos Estados Gerais, o grupo que tinha ideias mais radicais e propunha o fim da monarquia e a instauração da República, conhecido como Jacobinos, se localizou à esquerda do salão, enquanto o grupo que tinha como defesa a conservação da monarquia, os Girondinos, sentou à direita. Assim, surgiram os termos que perpetuam e caracterizam a política até os dias atuais.
Norberto Bobbio pontua que o conceito de esquerda e direita não possui o mesmo significado de sua origem, sendo modificado conforme os processos históricos se desenrolam. Dessa forma, comunica que classificar esquerda e direita somente como ideologia seria muito simplista, dado que cada um desses termos apresentam propostas que são antagônicas perante os diversos problemas sociais, nos quais os contrastes não são apenas de ideias mas sobre qual direção a sociedade deve seguir.
Bobbio afirma que em sociedades democráticas é inadequado a separação bem delimitada entre duas únicas partes, uma vez que, nesse tipo de sociedade existem diversos grupos com opiniões que se contrapõe, se superpõe, se integram, se separam, ora se aproximam, ora estão distantes, “como num movimento de dança”[17], sendo assim, em uma sociedade plural não se pode colocar os problemas sob a forma de antítese “ou de direita ou de esquerda”, nem partir do entendimento de que quem não é de direita logo é de esquerda e vice-versa, deste modo, para classificar aquilo que fica no meio entre os dois termos, popularmente conhecido como “centro”, o autor se utiliza do termo “Terceiro Incluído”. Bobbio completa que, em sistemas democráticos de maior pluralismo, o Terceiro Incluído acaba por capilarizar mais o cenário político, colocando a direita e a esquerda às margens, sendo possível assim a existência de um centro- esquerda e de um centro-direita.
Dentro do debate político, o autor apresenta o termo “Terceiro Inclusivo”, utilizado para caracterizar a terceira via como alternativa aos dois pólos, uma posição diferente do “Terceiro Incluído” visto que o mesmo se coloca no meio das definições, enquanto a terceira via é algo que se propõe a ir além da díade (esquerda e direita) apresentada pelo autor. De forma objetiva, uma política de “Terceiro Inclusivo” é uma política de centro mas que não se compromete entre as ideologias dos dois extremos, mas sim como uma superação simultânea de ambos. Como pontuado pelo autor, “não como Terceiro-entre, mas Terceiro-além”[18].
Para melhor detalhar o campo político, Bobbio discorre sobre os extremistas, que podem pertencer tanto da extrema-esquerda como da extrema-direita e enxergam suas convicções políticas como as máximas, e por isso partem do princípio da radicalização. O autor classifica que, mesmo se colocando em polos antagônicos, os extremistas se aproximam sobre o arco de suas posições antidemocráticas.
Dessa maneira, o marco que distingue direita e esquerda para o autor é a ideia de igualdade que cada campo possui. Enquanto a esquerda compreende que, mesmo com as diferenças, os seres humanos possuem mais características que os igualam, entendendo que as desigualdades são sociais e por isso são possíveis de serem eliminadas, a direita, por sua vez, enfatiza o contrário, a relevância está exatamente naquilo que nos torna desiguais, interpretando que as desigualdades são naturais e por isso impossíveis de serem eliminadas. Segundo Bobbio, outro ponto que diferencia os polos são os valores que esquerda e direita atribuem para o termo “desigualdade”: a esquerda interpreta a desigualdade como algo que impede a sociedade de avançar, deste modo, as políticas públicas devem buscar a maior inclusão possível, valorizando o ser coletivo e as necessidades humanas. Ao mesmo tempo que para a direita a desigualdade não é um mal em si mesma, pois significa progresso, partindo do princípio da individualidade e da meritocracia.
Esquerda e Direita nos editoriais do Jornal O GLOBO
Uma vez explicada a distinção entre esquerda e direita, podemos analisar como a mídia brasileira se apropria desses conceitos para construir o imaginário da população a partir desses termos. Para tal feito, novamente retornamos a observar durante o período de dois meses (10 de junho de 2022 a 18 de agosto de 2022) os editoriais do Jornal de maior influência no Estado do Rio, O GLOBO. Dos 123 (cento e vinte e três) editoriais publicados nesse recorte temporal, 11 (onze) abordam os termos direita e esquerda, nos quais 4 (quatro) citam a palavra “direita” e todos os 11 (onze) editorais citam a palavra “esquerda”.
A primeira vez que um dos termos é citado é para comentar sobre a incapacidade do Brasil de competir com as economias internacionais, uma das propostas do Jornal para solucionar o problema é o investimento em educação, pauta que o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, deixou de lado utilizando “o Ministério da Educação em front da ‘guerra cultural’ contra a esquerda”[19]. A entrega da Medalha da Ordem do Mérito do Livro pela Biblioteca Nacional ao Deputado Federal Daniel Silveira (PTB-RJ) também é comentada como um “capítulo revoltante à guerra cultural travada contra a esquerda pelo bolsonarismo”[20].
O editorial seguinte é dedicado a falar sobre a vitória de Gustavo Petro, primeiro candidato de esquerda eleito presidente da Colômbia[21], e sua trajetória até o cargo de maior destaque do país. O artigo de opinião faz comparações a Lula e cutuca os presidentes do campo progressista da América Latina, porém um fato que chamou atenção apesar da foto da matéria estar Petro e sua vice é que nenhuma menção a Francia Márquez foi feita, assim como a candidatura de Petro é histórica para a Colômbia, ter uma vice-presidenta negra eleita também foi um feito inédito, e mesmo assim, nada sobre ela foi comentado.
A alta dos combustíveis foi mais uma vez alvo de comentários dos jornalistas do O GLOBO, no editorial de 21/06/2022 foi publicizado sobre o desespero de Bolsonaro para conter o preço da gasolina e do diesel e aponta que “É justamente aí, no plano político, que repousa a maior dificuldade. Permanece não apenas entre dinossauros da esquerda nacionalista, mas também no discurso de Lira e Bolsonaro, a percepção de que a Petrobras deveria se dobrar à vontade do acionista majoritário, movida por interesse político, em vez de seguir regras do mercado”[22].
Os conceitos de “extrema esquerda” e “extrema direita” foram utilizados para retratar o episódio em que o Vereador Paulistano, Fernando Holiday (Novo), foi impedido de falar em um evento por militantes da União da Juventude Comunista na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) “aos gritos de ‘recua, fascista, recua, a Unicamp nunca vai ser sua’”[23]. O Jornal usa o liberalismo para justificar porque considera a atitude dos militantes comunistas “antidemocráticas”, pontuando que a defesa do “neoliberalismo” e das passagens de pano dos absurdos ditos pelo Presidente Bolsonaro não podem ser aplicados como argumentos para tal reação.
A Argentina é citada para noticiar como a relação tensionada entre Presidente, Alberto Fernández, e Vice-Presidente, Cristina Kirchner levou a renúncia do Ministro da Economia, Martín Guzmán, que segundo o GLOBO, possuiu um perfil “bem distante daquilo que a esquerda costuma tachar de ‘neoliberal’”[24].
Depois de Colômbia e Argentina, agora é a vez do Chile. O editorial do dia 10/07/2022 discorre sobre a possibilidade da população chilena rejeitar a nova Constituição, redigida a partir dos levantes populares de 2019 que levou o ex-presidente Sebastián Piñera a propor que uma nova Constituição fosse escrita para que enterrasse a Constituição do ditador Augusto Pinochet. A opinião do Jornal chega a ser escandalosa, ao afirmar que comparada à redação que deve ir a plenário em setembro, que defende o dever do Estado de assistir os chilenos do seu nascimento à sua morte, garante o direito dos Sindicatos de declarar greve e proíbe todas as formas de precarização do trabalho, a atual Constituição que remonta os tempos cruéis da ditadura de Pinochet “não é tão ruim assim”[25].
As marcas que Bolsonaro deixará no Brasil são diversas, segundo a pesquisa “A cara da democracia” publicada pela plataforma Pulso, do GLOBO. Em torno de 30% dos entrevistados afirmam que perderam a vergonha de dizer que são de direita ante 16% que se dizem de esquerda. A fração que se dizem favoráveis à pena de morte cresceu desde o inicio do governo, de 39% para 41%, e caiu de 50% para 41% a parcela favorável a proibir as armas de fogo, entretanto, a parte daqueles que confiam nas Forças Armadas caiu de 75% para 69%, assim como a confiança nos resultados das urnas eletrônicas saltou de 53% para 69%[26].
No cenário norte-americano, o artigo de opinião aponta os desafios e dificuldades do Presidente estadunidense perante o Congresso e a população, dado que teve “o pior desempenho de todos os presidentes a esta altura do mandato desde a Segunda Guerra”[27].
Em clima de eleição presidencial brasileira, os dois últimos editoriais que abordam os termos esquerda e direita tratam sobre as adversidades que um novo governo pode obter para regular a economia e a inflação[28]. O editorial critica o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a decisão de revogar o teto de gastos. Outro aborda sobre a necessidade dos programas de governo dos presidenciáveis serem sérios[29], apesar do vasto número de candidatos ao posto máximo de representação do país, o artigo de opinião somente se debruçou nos planos de governo de Lula e Bolsonaro, sempre com críticas diga-se de passagem.
Lula e Bolsonaro: esquerda x direita
Como comentado no boletim anterior[30], as eleições desse ano estão polarizadas na figura de Lula (PT) e Bolsonaro (PL), o primeiro sendo o representante da esquerda e o segundo da direita. A partir da distinção e caracterização de Norberto Bobbio sobre esses conceitos, é correto afirmar que Lula atualmente se localiza mais no campo do centro- esquerda e que Bolsonaro está localizado na extrema-direita. Isso porque a escolha de Alckmim como vice reafirma os acenos que Lula faz para o campo conservador, iniciados desde a primeira vez que assumiu a presidência, assim como, Bolsonaro reitera sua política autoritária e armamentista ao escolher novamente um militar, o general Walter Braga Netto, para ser seu suplente.
Apesar de governar não com o intuito de contribuir para o avanço da consciência de classes, a candidatura de Lula representa uma luz no fim do túnel depois de quase 4 anos de política de morte, de fome, de miséria e de ódio. Para os que se reivindicam do campo da esquerda revolucionária, não existem ilusões sobre a linha cada vez mais liberal que Lula irá adotar caso seja eleito. Entretanto, sua candidatura possui acordos mínimos que garantam minimamente um respiro para o nosso povo.
Em um processo eleitoral em que constantemente o atual Presidente da República ataca as instituições democráticas e questiona repetidamente a seguridade das urnas eletrônicas na qual ele já foi eleito diversas vezes, inflamando assim sua base fiel, armada e com poderes aquisitivos para orquestrar um golpe caso o resultado das eleições não o agrade, o que nós é evidenciado é a importância de não deixar de tomar um lado em um ano tão decisivo para a história do nosso país.
Conclusão
Mesmo depois de mais de vinte anos o livro de Bobbio continua importante e necessário para qualquer pessoa que pretende entender os conceitos de esquerda e direita para utilizar no contexto que vive ou para analisar outros contextos. No caso do Brasil, parto da avaliação de que o arco de alianças feito entre os partidos de esquerda e progressistas em prol da candidatura de Lula foi um movimento tático acertado para disputar os desafios da atual conjuntura e que impactará significativamente nas futuras gerações. Lula não realizará a revolução mas em seu governo alguns avanços, mesmo que pequenos, em direção a um horizonte revolucionário certamente é mais propenso. Hoje, a população brasileira possui a tarefa histórica de derrotar o fascismo e devolver o mínimo de dignidade e esperança para a nossa gente.
[16] Graduanda em História na UFF e pesquisadora no NUBED/UFRJ.
[17] BOBBIO Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. UNESP, São Paulo, página 35.
[18] BOBBIO Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. UNESP, São Paulo, página 39.
[26] https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2022/07/a-marca-de-bolsonaro-no-brasil.ghtml