Desempenho eleitoral dos operadores de segurança, por Letícia Fretheim Queiroz
O Boletim #10 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
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Confira o texto abaixo!
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Desempenho eleitoral dos operadores de segurança
Letícia Fretheim Queiroz[119]
Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar o desempenho de operadores de segurança nas eleições para cargos do legislativo. Também vai observar o caso do Mato Grosso do Sul, em que um candidato das Forças Armadas disputa o governo do estado no segundo turno com o apoio de Bolsonaro.
Os resultados eleitorais de 2022 mostram como as ideias ligadas ao campo político representado por Bolsonaro se mantêm fortes, apesar do presidente não ter conseguido a reeleição em 2022 em uma disputa muito acirrada contra Lula (PT). O desempenho eleitoral de operadores de segurança também reflete essa força. Apesar de terem se elegido em menor número, considerando o total de cargos, em comparação às eleições de 2018, é necessário observar algumas particularidades que manifestam o avanço dessa tendência política no Brasil.
Olhando especialmente para a Câmara dos Deputados, houve um aumento de policiais eleitos, em torno de 30%, em comparação às últimas eleições gerais. Houve também uma certa renovação desse quadro, pois apenas 12 deputados policiais conseguiram se eleger. Isso revela também uma mudança de perfil dos deputados: dentre os eleitos, grande parte tem uma forte identificação com pautas defendidas por Bolsonaro, como a flexibilização do porte de armas e do excludente de ilicitude[120]. Além disso, chama a atenção a eleição de candidatos que usam as mídias sociais para divulgar o cotidiano policial.
É o caso, por exemplo, de Delegado Da Cunha (PP) e Delegado Palumbo (MDB), eleitos por São Paulo. Ambos têm notoriedade por publicar vídeos de operações policiais. Delegado Da Cunha se destaca não só por ter mais de 3 milhões de inscritos em seu canal do YouTube, mas por já ter encenado uma prisão a fim de gravar um vídeo para seu canal – o que mostra a centralidade da midiatização e do papel da internet[121]. Paulo Bilynskyj é outro policial com certa visibilidade na internet, principalmente por publicações em estandes de tiro e sobre o universo dos caçadores, atiradores e colecionadores – conhecidos como CACs.
Um dado interessante é o desempenho dos operadores de segurança nas Assembleias Legislativas: nessas eleições, foram eleitos em menor número. A esfera estadual, entretanto, é onde as polícias conseguem negociar suas condições de trabalho e de funcionamento. Essa informação, junto ao alinhamento intenso com as pautas do bolsonarismo, mostra como a representação política de policiais cada vez menos diz respeito aos interesses das corporações e dos policiais como trabalhadores.
Em boletins anteriores, foram comentados alguns esforços das candidaturas de esquerda em disputar as polícias através da melhoria das condições de trabalho e da valorização da carreira – como as diretrizes da chapa Lula-Alckmin e as propostas apresentadas por Marcelo Freixo em debates, no Rio de Janeiro. Entretanto, com o desempenho dos policiais nas eleições deste ano é possível compreender que a valorização das polícias não é suficiente, uma vez que seus representantes que conseguiram vagas no Congresso não precisam priorizá-la. Ou seja, se já havia uma grande concentração de candidatos e eleitos nos partidos de direita, fica ainda mais difícil a esquerda encontrar espaço entre essas candidaturas, pois os interesses que poderiam ser comuns perdem importância face a pautas cada vez mais à direita. Uma ilustração disso no Congresso é junto a alta concentração de operadores de segurança eleitos pelo PL – 20 dos 40 eleitos são do partido -, o desempenho da esquerda, que conseguiu eleger apenas uma candidata oriunda desse grupo, Adriana Accorsi (PT) por Goiás[122].
Além da Câmara dos Deputados, o Congresso ganha mais um aliado de Bolsonaro no Senado: o General Hamilton Mourão (PL), eleito pelo Rio Grande do Sul e vice-presidente. Apesar de ter uma campanha bastante diferente dos policiais e delegados eleitos, alguns de seus posicionamentos deixam claro a conformidade com as pautas bolsonaristas. Em setembro, por exemplo, Mourão criticou o STF por restringir a quantidade de armas e munições permitidas aos CACs, medida tomada a fim de se diminuir o risco de violência política em época de eleições[123]. Também já defendeu o Senado “frear” o ministro Alexandre de Moraes, que segundo ele, estaria ultrapassando o próprio limite de poder[124].
Capitão Contar e o apoio de Bolsonaro
No Mato Grosso do Sul, um operador de segurança disputa o segundo turno nas eleições ao governo do estado, em uma campanha cuja trajetória mostra ainda a força do apoio a Bolsonaro. Capitão Contar (PRTB), deputado estadual oriundo das Forças Armadas, fazia uma campanha com sua imagem bastante vinculada à do presidente. Entretanto, uma aliança articulada pela ex-ministra de Bolsonaro Tereza Cristina formou uma chapa com PL e PSDB no estado, partidos de Bolsonaro e do candidato ao governo estadual Eduardo Riedel, respectivamente.
Às vésperas do primeiro turno, pesquisas indicavam que os candidatos André Puccinelli (MDB) e Eduardo Riedel lideravam as intenções de voto, o primeiro com 31% e o segundo com 18%. Capitão Contar aparecia em quarto lugar, com 17% das intenções de voto, empatado com Marquinhos Trad, do PSD[125]. Porém, no dia 30 de setembro, no último debate de presidenciáveis da TV aberta e a dois dias das eleições, Bolsonaro pediu voto publicamente para Contar. O pedido aconteceu durante um direito de resposta concedido a ele, após a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) acusá-lo de abandonar o aliado em prioridade à chapa no estado[126].
O presidente, em uma espécie de retratação, se declarou neutro na disputa do MS após o primeiro turno – o que revela, talvez, um apoio pouco planejado, causado pela necessidade urgente de rebater os ataques sofridos no debate. No entanto, os efeitos do apoio de Bolsonaro a dois dias das eleições foram suficientes para mudar a distribuição de votos: Contar terminou o primeiro turno em primeiro lugar, com 26,71% dos votos, seguido por Riedel, com 25,16%. O candidato que liderava as pesquisas ficou fora do primeiro turno com 17,18% dos votos[127].
A virada no MS se parece bastante com o caso do RJ em 2018, quando a poucos dias das eleições Wilson Witzel (PSC), aliado de Bolsonaro, aparecia entre terceiro e quarto colocado nas pesquisas de intenção de voto128, mas surpreendentemente terminou o primeiro turno com mais que o dobro de votos do até então líder das pesquisas, Eduardo Paes, e venceu a disputa no segundo turno[129]. No entanto, a disputa no Mato Grosso do Sul terminou com a vitória de Riedel, com 56,90% dos votos contra 43,10% de Contar.
Conclusão
Diferentemente do que se poderia imaginar, o fenômeno da escalada política de operadores de segurança não enfraqueceu e tampouco se dispersou para outros campos políticos: Bolsonaro ainda lidera esse movimento, de forma que muitas candidaturas tenham usado sua imagem com frequência em campanhas. Além disso, pode-se dizer que houve um estreitamento de afinidade política entre esses operadores e Bolsonaro, não só na representação política. Um retrato disso foram as ações da Polícia Rodoviária Federal no dia 30, ao manter blitzes para fiscalizar o transporte irregular de eleitores, o que contrariou a ordem do TSE de interromper qualquer tipo de operação no dia das eleições. É importante mencionar que o apoio do diretor da PRF a Bolsonaro é público, e que a maior parte dessas operações aconteceu na região Nordeste, reduto eleitoral de Lula[130].
Sabendo desse cenário iniciado sobretudo em 2018, o campo da esquerda fez algumas tentativas de quebrar um pouco da hegemonia que os partidos de direita exercem nesse grupo. Passada a novidade do “terremoto eleitoral” que foi a vitória de Bolsonaro, a margem que poderia estar aberta após quatro anos de governo para a esquerda disputar esses grupos parece, no entanto, estar ainda mais fechada do que em 2018.
O caso do Capitão Contar deixa claro como Bolsonaro ainda mantém muita influência sobre uma parte considerável do eleitorado, mesmo a poucos dias das eleições e na reta final da campanha dos governadores no primeiro turno. Além disso, fica visível como as candidaturas bolsonaristas avançam sobre candidaturas da direita tradicional, representada pelo PSDB, captando votos do mesmo campo político.
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[119] Letícia Fretheim Queiroz é bacharel em Letras (UFRJ) e graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ.
[122] https://piaui.folha.uol.com.br/eleicoes-2022/bancada-turbinada-da-bala
[124] https://www.estadao.com.br/politica/senado-tem-que-dar-um-freio-em-alexandre-de-moraes-diz- mourao/
[127] https://www.estadao.com.br/politica/eleicoes/2022/apuracao/primeiro-turno/ms/
[129] https://politica.estadao.com.br/eleicoes/2018/cobertura-votacao-apuracao/primeiro-turno