Bolsonaro amplia intervenção na educação superior pública

Por Kelvin Melo no Jornal da AdUFRJ

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Cresceu para 14 o número de interventores nas universidades e institutos federais sob a chancela do governo Bolsonaro. Nesta semana, o presidente nomeou os candidatos que ficaram em terceiro lugar na disputa pelas reitorias da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ambos receberam votações pífias nos respectivos colégios eleitorais e também nas consultas internas junto a professores, técnicos e estudantes. E perderam em todos os segmentos.
Na Unifesspa, o reitor nomeado Francisco Ribeiro da Costa recebeu apenas 6,9% dos votos da comunidade. Já o professor Maurílio de Abreu Monteiro ficou em primeiro, com 84,4% dos votos. O Conselho Universitário local homologou o resultado por unanimidade. Na UFRGS, a situação foi um pouco diferente: a chapa do atual reitor, professor Rui Oppermann, perdeu no total de votos para a chapa da professora Karla Müller, mas ganhou a consulta pelo critério que atribui peso de 70% para os votos docentes. A chapa do nomeado Carlos Bulhões ficou bem para trás em qualquer cálculo. No Conselho Universitário, que formou a lista tríplice, o resultado apresentado é indiscutível: Rui obteve 45 votos contra 29 de Karla; Bulhões, que faz parte do colegiado, ganhou apenas três votos. Não houve brancos nem nulos.
O caso da UFRGS chama mais atenção por ser uma instituição maior, mais antiga e bem posicionada nos rankings acadêmicos. Antes do decreto de Bolsonaro publicado no Diário Oficial do dia 16, a universidade só havia sofrido uma intervenção desde a redemocratização: em 1988, ainda no governo de José Sarney. O mandato de Bulhões começa hoje, dia 21.
“Não nos surpreende, pois esta tem sido a marca do governo Bolsonaro, que escolheu as universidades públicas federais como inimigas”, avaliou o presidente da Adufrgs, professor Lúcio Vieira. O professor prometeu resistência do sindicato em defesa da UFRGS. “Ele não tem o reconhecimento da comunidade acadêmica para exercer o cargo”. No dia 17, um ato presencial organizado pelos estudantes em frente à reitoria — com orientações para cuidados com a saúde, na pandemia — marcou o início desta oposição.
Professor BulhõesLúcio destacou uma declaração do candidato agora nomeado: durante um dos debates da campanha, Bulhões disse que deveria ser respeitado o resultado das urnas. “Devemos, sim, respeitar este resultado e que o primeiro seja nomeado. Qualquer coisa diferente disso, para mim, é uma especulação”, falou Bulhões, em vídeo gravado e enviado à reportagem. “Mas, acabado o processo eleitoral, ele imediatamente passou a articular com deputados da base do Bolsonaro e foi para a rádio defender sua nomeação”, lamentou o presidente da Adufrgs.
A atual reitoria criticou a medida de Bolsonaro por nota. “Contrariando a vontade manifestada pela comunidade na consulta realizada em 13 de julho e pela eleição do Conselho Universitário (Consun), o Governo Federal optou pela proposta amplamente derrotada para estar à frente da UFRGS nos próximos quatro anos. Ignorou, assim, os grandes avanços feitos nos últimos anos na construção de uma universidade de excelência acadêmica, plural e inovadora”. O texto observa que a instituição “ocupa, pelo oitavo ano consecutivo, a posição de melhor universidade federal do país, conforme avaliações do próprio MEC no Índice Geral de Cursos (IGC)”.
Questionada sobre a justificativa do presidente para contrariar a vontade da maioria das comunidades acadêmicas, a assessoria do MEC limitou-se a responder que a “nomeação de Reitor de Universidade e Instituto Federal é feita pela Presidência da República a partir de lista tríplice elaborada pelo colegiado máximo da instituição, conforme Lei Nº 9.192, de 21 de dezembro de 1995”.

AVALIAÇÃO DA ADUFRJ
A presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, enxerga dois propósitos nas intervenções feitas pelo governo Bolsonaro. “Coloca em prática o projeto de controle ideológico da universidade e desestrutura seu corpo institucional”, afirma. “Quando ele nomeia os derrotados, cria um cenário de profunda animosidade da comunidade contra seus dirigentes. Isso leva a desagregação, tensionamentos internos. A ação é, antes de tudo, destrutiva”, completa.
A docente teme os prejuízos que a medida poderá causar às pesquisas científicas. “Não existe como construir um ambiente de produção de conhecimento, sem essencialmente ter um ambiente de liberdade”.
Eleonora ressalta que, para cumprir esta tarefa, Bolsonaro conta com professores que aceitam trair a própria comunidade acadêmica e o processo democrático para entrar na lista tríplice. “Ele precisa de pessoas que aceitem esse papel medíocre. São coveiros da sua própria história”, critica.

NOVAS INTERVENÇÕES?
As recentes intervenções reforçam as preocupações da comunidade acadêmica sobre as próximas nomeações que o presidente deverá realizar em breve. Uma delas, para a reitoria de outra instituição gigantesca: a Universidade de Brasília.
A chapa da atual reitora, professora Márcia Abrahão, venceu em todos os segmentos na consulta junto à comunidade. Pelos critérios de ponderação adotados no pleito, teve 54,01% dos votos contra 16,58% da chapa que ficou em segundo lugar. A consulta, no fim de agosto, foi organizada pela Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), pelo Sindicato dos Trabalhadores da UnB (Sintfub) e pelo DCE Honestino Guimarães. O Conselho Universitário do dia 17 confirmou o nome de Márcia em primeiro lugar na lista tríplice com 85 votos – a segunda colocada teve apenas dois votos e a terceira somente um.

Consuni da UnB reelege reitora com 96% dos votos

Ana Beatriz Magno

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Professora Márcia

Professora Márcia – Foto: ARQUIVO/DIVULGAÇÃO/UNBEm sessão histórica, na última quinta-feira,17, o Conselho Universitário da Universidade de Brasília reelegeu a professora Marcia Abrahão Moura para a reitoria da UnB pelos próximos quatro anos. Com 85 votos, a docente do Instituto de Geociências obteve 96% da preferência do colégio eleitoral. A segunda colocada, professora Olgamir Amância Ferreira, recebeu 2 votos e a terceira, Germana Henriques Pereira, do Instituto de Letras, obteve um voto. Houve, ainda, uma abstenção.
Os nomes das três professores, com as respectivas votações, já foram enviadas ao Ministério da Educação. Por lei, o presidente da República pode nomear qualquer um dos nomes da lista tríplice. Até a gestão de Bolsonaro, no entanto, os presidentes respeitavam a democracia universitária e indicavam o primeiro colocado, tanto nas votações dos Conselhos Universitário quanto nas respectivas consultas à comunidade acadêmica – uma das raras exceções ocorreu na UFRJ em 1998, com a nomeação do interventor José Henrique Villena, terceiro colocado e nomeado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Reitora que, na consulta à comunidade, venceu no primeiro turno nas três categorias, Marcia se cercou todos os cuidados para garantir a institucionalidade do processo. O Conselho Universitário de quinta-feira, com composição de 72% de docentes, 10,8% de técnicos e 17,2% de estudantes, foi coordenado pelo conselheiro e professor mais antigo em exercício na UnB, Volnei Garrafa. Procurador de carreira da Advocacia-Geral da União e procurador-chefe da universidade, Tiago Coutinho de Oliveira acompanhou toda a sessão. Outros dois experientes procuradores federais também participaram.
Todos os votos foram gravados e feitos com imagem de vídeo. “Essa votação é o reconhecimento de nosso trabalho, sério, de excelência e inclusão. Me comprometo, nos próximos quatro anos, a seguir defendendo a UnB, a autonomia universitária e honrando o legado de nossos fundadores. Hoje, nesta reunião histórica, a comunidade mostrou estar unida e o Consuni reafirmou o compromisso da UnB com a democracia”, disse a reitora Márcia Abrahão.

Intervenção fere a legimitidade e coloca em risco a governabilidade

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Por 38 votos a nove, os reitores das universidades federais decidiram escrever carta de repúdio à nomeação de interventores nas reitorias. O documento defende a autonomia universitária e a legitimidade das escolhas da comunidade acadêmica. Aprovado na reunião da Andifes na manhã de sexta-feira, 18, o texto será enviado ao Ministro da Educação e ao presidente Bolsonaro.

A reunião foi tensa. Sob a liderança do reitor da Universidade Federal do Ceará, professor Cândido Albuquerque, terceiro colocado na eleição da UFC e nomeado por Bolsonaro em agosto, os defensores da intervenção alegaram que a escolha está garantida em lei. Do outro lado, a diretoria da Andifes alegou que a questão legal não é suficiente para garantir a legitimidade do mandato dos interventores e sustentar a democracia interna das instituições.

Um dos argumentos mais fortes contra a intervenção foi do representante da UFRJ, professor Carlos Frederico Leão Rocha. “O caso da UFRGS é exemplar. O reitor nomeado teve apenas três votos no Consuni, sendo um dele próprio. Que representatividade ele terá para garantir a institucionalidade da universidade num contexto de tamanha crise orçamentária ? Haverá, com certeza, uma crise de legitimidade. Não é só uma questão da democracia interna. É da governabilidade”, ponderou o vice-reitor.

As entidades nacionais representativas da comunidade acadêmica – Andes, UNE, Fasubra, APG e SBPC – também participaram do encontro.

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