O Boletim #8 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No sexto texto “Avanço de candidaturas indígenas eleitas e propostas dos presidenciáveis para os povos originários”, a graduanda em Ciências Sociais Raíssa Farias apresenta o resultado da Campanha Indígena no pleito eleitoral deste ano: a eleição de Sônia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG) à Câmara Federal. Além disso, foi mapeado o programa de governo e os discursos de candidatos à presidência quanto às questões indígenas.

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Avanço de candidaturas indígenas eleitas e propostas dos presidenciáveis para os povos originários
Raíssa M. A. de Farias[63]

Confira o texto abaixo!

Resumo O presente boletim possui o objetivo de apresentar o resultado da Campanha Indígena no pleito eleitoral deste ano: a eleição de Sônia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG) à Câmara Federal. Além disso, foi mapeado o programa de governo e os discursos de candidatos à presidência quanto às questões indígenas. Como fonte para a pesquisa, foram utilizados O Globo, revista Brasil de Fato, Rede Brasil, G1, Agência Brasil, revista O Tempo, CNN Brasil, Uol, o site da Câmara Legislativa, revista Exame e, por fim, o site de campanha dos próprios candidatos.

O avanço do movimento indígena na política institucional

Em abril deste ano, o Acampamento Terra Livre (ATL) organizou pela primeira vez um debate acerca de candidaturas indígenas. Lançada a Campanha Indígena, fomentada pelos movimentos sociais dos povos originários, foram apresentadas 30 candidaturas que representaram 31 povos. Nesse total, 12 disputaram os cargos de deputado federal e 18, os cargos de deputado estadual.

Em meio a uma onda de candidatos de direita eleitos para o Congresso, o pleito deste ano forneceu um resultado histórico para o movimento originário, dado que duas candidatas da Campanha Indígena foram eleitas à Câmara Federal: Sônia Guajajara (PSOL-SP), coordenadora da APIB, e Célia Xakriabá (PSOL-MG). Isso representa a esperança de um novo cenário da política nacional com uma maior representatividade dos povos tradicionais e a expectativa da construção de novos marcos para a cultura do país.

Entretanto, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena a se eleger para o Congresso Nacional e a única representante na legislatura atual, não conseguiu se reeleger, pois obteve somente 11 mil votos.

As eleições deste ano registraram um aumento no número de candidaturas autodeclaradas indígenas no que se refere ao pleito de 2018. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), elas passaram de 133 para 186 neste ano e, notadamente, houve um crescimento de 40% dessas candidaturas. Em vista disso, nota-se uma ascensão das mulheres indígenas, que tiveram um crescimento em suas candidaturas ainda mais significativo: de 49 em 2018 para 84 neste ano[64].

Programa de governo de Bolsonaro e Lula

É de conhecimento geral que há no governo de Jair Bolsonaro (PL) a presença de um política anti-indígena que invalida os direitos dos povos originários. Antes mesmo de assumir a presidência do país, Bolsonaro demonstrava, como candidato, apatia ou mesmo aversão à população indígena. Em 2018, ano de sua pré-candidatura, o presidente declarou, que não demarcaria um centímetro quadrado a mais de terra indígena[65]. Durante o cumprimento de seu mandato continuou a produzir o mesmo discurso, investindo em estratégias políticas, muita das vezes inconstitucionais, que beneficiassem determinados interesses econômicos. Em decorrência disso, Bolsonaro defende a abertura de terras indígenas para empreendimentos de infraestrutura e para atividades de mineração, além de defender firmemente segmentos do agronegócio que sustentam um modelo de atividade econômica que afeta diretamente os territórios indígenas e a vida da população que nela habita[66]. Contou, também, com o forte apoio do poder legislativo na criação de Projetos de Lei nocivos às terras originárias, como o PL 191/2020, o PL 490/2007 e a pauta sobre o Marco temporal.

Observa-se a tentativa bem sucedida do atual presidente em militarizar a Funai (Fundação Nacional do Índio), órgão responsável pela proteção e defesa dos direitos indígenas que, atualmente, promove, de forma constante, a violência contra a população originária. As portarias de Restrição de Uso, dispositivo legal para a proteção temporária de indígenas isolados, foram objeto de descaso da Funai ao sofrerem atrasos em suas renovações. Isso estimula a ação de invasores e propaga o aumento do desmatamento florestal. Considerando os recorrentes ataques governamentais às comunidades indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB) realizou cerca de três denúncias no Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI). A denúncia formalizada em 2021 alega que o chefe de Estado cometeu crimes contra a humanidade e ações de genocídio ao incentivar invasões em terras indígenas por parte de garimpeiros[67]. Em 2022, a ONU (Organização das Nações Unidas) também denunciou o governo de Jair Bolsonaro por violar tratados internacionais e ameaçar constantemente a população indígena[68]. Bolsonaro tenta se reeleger a presidente do país para os próximos quatro anos. Entretanto, seu plano de governo permanece idêntico ao proposto em 2018. Dessa forma, prossegue estimulando as atividades de mineração, investindo em atividades predatórias do agronegócio e pretende aumentar a produção nacional de fertilizantes. Assina o compromisso de ampliar as políticas de combate ao desmatamento legal, de promover o turismo em terras indígenas e de incentivar atividades produtivas nas aldeias[69].

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera as intenções de voto nas pesquisas para o segundo turno no pleito vigente, tendo governado o país por dois mandatos consecutivos (2003-2011). Diferente do atual chefe de Estado, Lula não atacou a população indígena e seguiu com a política de demarcações de terra. Sob seu governo, foram homologadas 81 terras indígenas, ou seja, aproximadamente 14,3 milhões a 18,6 milhões de hectares. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), havia uma expectativa maior em relação ao governo do PT. Lula homologou uma área menor de terras indígenas em comparação aos governos de Fernando Collor (PTB), Itamar Franco (Cidadania) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), nos quais foram homologados mais de 30 milhões de hectares de terras indígenas em cada um dos governos[70].

O ex-presidente Lula, se for eleito, pretende investir em políticas públicas em prol da comunidade originária, assim como assegurar a defesa dos direitos desses povos. Visto isso, declara garantir a demarcação das terras indígenas e quilombolas, afirmando assumir um compromisso com essa parcela da população. Além disso, ao discursar em um encontro com representantes dos povos originários em Belém (PA), no início deste mês de setembro, o candidato voltou a afirmar ter pretensões em combater o garimpo ilegal, principalmente em terras indígenas da Amazônia. Lula também declara que, se for eleito, criará o Ministério dos Povos Originários que, segundo ele, deverá ter um ministro indígena. Ele enfatiza a importância de trazer as populações tradicionais para as frentes políticas destinadas a elas[71]. Vale destacar que a aliança com ruralistas, como forma de estratégia política, amedrontou a população indígena, visto que estes defendem a pauta do Marco Temporal. Porém, o candidato garantiu cumprir com suas promessas feitas aos povos nativos[72].

No plano de governo de Lula, encontra-se a pauta “Brasil Sustentável”. Nela, além de combater o garimpo ilegal, as queimadas e o desmatamento, foca-se a atenção em recuperar os órgãos de preservação e fiscalização para a defesa do meio ambiente[73], pauta de suma importância para os povos indígenas.

Mariana da Silva (REDE), ex-ministra do meio ambiente no governo Lula (2003- 2008) e atual candidata a deputada federal por São Paulo, presta seu apoio à candidatura de Lula. Apesar de ser evangélica, afirma que o país é laico e que Bolsonaro deveria respeitar isso. Entregou ao ex-presidente 27 propostas voltadas ao meio ambiente, entre elas a ampliação de terras indígenas[74]. Nessa ocasião, Bolsonaro voltou a criticar a ampliação da demarcação dessas terras, afirmando que isso representará o “fim da nossa economia” e o “fim da nossa segurança alimentar”[75].

Propostas das candidaturas derrotadas de Ciro, Tebet, Tronicke e Ávila

Ciro Gomes (PDT) tentou, pela quarta vez, pleitear as eleições presidenciais. Assim como em 1998, 2002 e 2018, o candidato concorre ao cargo de presidente da República, agora, em 2022.

No que diz respeito às comunidades indígenas e à defesa do meio-ambiente, pautas interligadas, Ciro afirma defender a consolidação de uma estatal direcionada à “exploração mineral sustentável” de territórios indígenas. Segundo o candidato, a empresa seria dirigida pelos próprios povos nativos. Em seu plano de governo, defende “envolver populações locais em atividades econômicas que sejam rentáveis e sustentáveis a eles, mas que excluam a derrubada da floresta”[76]. Neste segundo turno, o político endossou o apoio do PDT à candidatura de Lula.

A atual senadora do estado de Mato Grosso do Sul, Simone Tebet (MDB), também concorreu ao pleito deste ano como candidata à presidência da República. Constata-se que Tebet pertence a uma das famílias mais poderosas da política do estado. A candidata repete a trajetória comum à elite econômica brasileira, sendo diretamente ligada ao agronegócio. A análise da atuação da candidata no Congresso Nacional explicita seus interesses. Simone Tebet é autora do Projeto de Lei 494/15, que tenciona impedir a demarcação de territórios indígenas em zonas de conflito, modificando o Estatuto Indígena, assim como também apoia a PEC 45/13, responsável por alterar o artigo 231 da Constituição em prol da não demarcação de terras originárias em áreas tradicionais. Além disso, o nome da candidata está presente na lista dos 50 parlamentares que atuam constantemente na violação de direitos dos povos indígenas, divulgada pelo Cimi[77].

Apesar dos fatores expostos, a fazendeira e membra da bancada ruralista Simone Tebet declarou no final do mês de agosto aos jornais Valor Econômico, O Globo e rádio CBN ser a favor da demarcação de terras indígenas e defender que ela seja feita com base em estudos antropológicos. A candidata também prometeu, se eleita, promover “desmatamento ilegal zero na Amazônia”[78]. Derrotada no primeiro turno, a candidata manifestou apoio à candidatura de Lula.

A senadora eleita em 2018 pelo estado de Mato Grosso do Sul, Soraya Vieira Thronicke (UNIÃO), também pleiteou o cargo de presidente. Em seu plano de governo, defende as propostas da redução do desmatamento e a recuperação de áreas degradadas. Ela pretende revisar as Unidades de Conservação existentes, avaliando sua atual pertinência. Além disso, propõe investir em polos digitais e de mineração sustentável[79].

Por sua vez, Luiz Felipe D’Ávila (NOVO), que também concorreu à presidência da República, explicitou nas suas propostas governamentais “monetizar a floresta em pé”, promovendo o mercado de créditos de carbono, além de recuperar três milhões de hectares de terras degradadas. Garantiu, da mesma forma, integrar a conservação de ecossistemas, investir na utilização de modais alternativos às rodovias para logística, buscar fontes de energia limpa na agricultura e promover o uso industrial da biomassa como fonte de energia[80]. Observa-se que, de todos os candidatos citados, Soraya e Felipe não incluem diretamente a população indígena em seus discursos, tão pouco em seu plano de governo. Apesar de as propostas em defesa do meio ambiente virem acompanhadas, muitas vezes, de intenções de “investir no agronegócio” e em “ampliar a mineração”, os demais candidatos incluíram, mesmo que só no papel, sugestões de como lidar com as questões do desmatamento florestal.

Conclusão

A partir dessa pesquisa, pôde-se observar o resultado histórico concebido nas eleições, em que duas mulheres indígenas foram eleitas à Câmara Federal: Sônia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG). Além disso, percebe-se uma diversificação de propostas presentes nos programas dos candidatos à presidência no que se refere às questões indígenas e ambientais, incluindo desde propostas mais desenvolvimentistas, como a de Ciro, até as mais liberais, como a de Ávila. Seguindo para o segundo turno, Lula e Bolsonaro apresentam projetos fortemente antagônicos, sendo Lula o candidato em que o movimento indígena organizado deposita suas esperanças.

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[63] Graduanda em Ciências Sociais pela UERJ e pesquisadora do OPEL UFRJ.

[64] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/bancada-indigena-no-congresso-cresce-impulsionada-por-ativismo-e-tera-aliados-de-bolsonaro.shtml

[65] https://oglobo.globo.com/epoca/expresso/nao-demarcarei-um-centimetro-quadrado-mais-de-terra-indigena-diz-bolsonaro-23300890

[66] https://www.brasildefato.com.br/2019/04/19/dia-do-indio-or-relembre-ataques-do-governo-bolsonaro-aos-povos-originarios

[67] https://g1.globo.com/natureza/amazonia/noticia/2021/08/09/indigenas-denunciam-bolsonaro-por-crime-contra-a-humanidade-e-genocidio-no-tribunal-penal-internacional-de-haia.ghtml

[68] https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/03/23/onu-denuncia-ataques-de-bolsonaro-aos-indigenas-e-cita-violacao-de-tratados.htm

[69] https://pelobemdobrasil22.com.br/conheca-o-plano-de-governo-de-jair-bolsonaro-para-os-proximos-4-anos/?gclid=CjwKCAjwhNWZBhB_EiwAPzlhNu4vjr1VRMxMMH_CbfSifRpkFemQn3kK4McRnvsa4ZUsmYmyDFTcFBoCscYQAvD_BwE

[70] https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/com-81-terras-indigenas-lula-homologa-area-menor-que-governos-anteriores/

[71] https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-09/lula-defende-agricultura-familiar-e-demarcacao-de-terras-indigenas-e-quilombolas

[72] https://www.otempo.com.br/politica/alianca-de-lula-com-ruralistas-provoca-impasse-entre-ambientalistas-e-indigenas-1.2712698

[73] https://lula.com.br/propostaslula13/?gclid=CjwKCAjw4c-ZBhAEEiwAZ105RSW4bu3rmwCO2YvtFoz7Yi7Y19hv6Ids63dL2SOA45aZUirIRqP01BoCK6sQAvD_BwE

[74] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/12/marina-silva-lula-coletiva.htm

[75] https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/eleicoes/2022/noticia/2022/09/13/apos-reencontro-de-lula-e-marina-bolsonaro-diz-que-ampliar-terras-indigenas-pode-ser-fim-da-economia.ghtml

[76] https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/eleicoes/2022/noticia/2022/09/13/apos-reencontro-de-lula-e-marina-bolsonaro-diz-que-ampliar-terras-indigenas-pode-ser-fim-da-economia.ghtml

[77] https://www.brasildefato.com.br/2022/08/31/sangue-novo-ou-mais-do-mesmo-simone-tebet-e-ligada-ao-agro-e-contraria-a-direitos-indigenas

[78] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/09/confira-pesquisa-datafolha-para-presidente-e-governadores-de-sao-paulo-minas-e-rio-nesta-quinta.shtml

[79] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/14/propostas-soraya-thronicke-plano-de-governo-2022.htm

[80] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/14/propostas-luiz-felipe-davila-plano-de-governo-2022.htm

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