Avaliação da Capes é retomada após pressão de pesquisadores
Reviravolta na Avaliação Quadrienal da Capes. O juiz Antonio Henrique Correa, da 32ª Vara Federal, autorizou a retomada dos procedimentos de análise de todos os programas de pós-graduação do país, no último dia 2. A decisão ocorre após a renúncia coletiva dos 80 avaliadores de três grandes áreas do conhecimento, nas últimas duas semanas, em sinal de protesto contra a presidência da agência de fomento.
A avaliação estava suspensa por uma liminar de setembro, para apuração de supostas irregularidades nos critérios de ranqueamento entre os programas, atendendo a uma ação do Ministério Público Federal. “A suspensão pura e simples do processo de avaliação (…), como foi determinada pela liminar (…), não atende aos objetivos da pretensão deduzida e cria um risco de irreversibilidade da medida caso persista por um tempo além do razoável”, reconheceu o juiz, na nova decisão. O magistrado, no entanto, ainda proíbe a divulgação do resultado final da avaliação.
“Essa decisão é, claramente, resultado da pressão acadêmica. Saiu na mídia toda”, afirma a professora Cláudia Rezende, do Instituto de Química da UFRJ, que renunciou à função de consultora da área na véspera da sentença judicial. A docente, porém, recebeu a notícia com cautela. “Não foi só a pauta da quadrienal que pedimos. E, além disso, não foi revertida totalmente a situação. Pode avaliar, mas não pode mostrar os resultados. O que isso significa?”, questiona. “A pressão tem que continuar. E cada vez mais forte”, completa.
Sobre a possibilidade de retomar a função, neste novo cenário, Cláudia diz que prefere não responder individualmente. “Foi uma decisão coletiva”. A docente informa que os integrantes da comissão da área conversam por grupo de mensagens, mas ainda não há nenhuma reunião formal marcada para avaliar a sentença judicial.
O professor Leandro de Paula, do Instituto de Física da UFRJ e um dos consultores signatários da carta de renúncia da área, acredita que a decisão do juiz “foi, no mínimo, influenciada fortemente” pelo protesto dos pesquisadores. Mas também não garantiu uma volta do grupo ao processo de avaliação. “É claro que conversamos entre nós, mas não tem nenhuma decisão, pois há vários pontos em aberto. Nem sei se a Capes quer que nós voltemos”, diz.
As cartas de renúncia coletiva das áreas de Química, Física/Astronomia e de Matemática, Probabilidades e Estatística foram divulgadas em momentos diferentes. Mas, em linhas gerais, assinalam vários pontos comuns de discordância com a atual presidência da Capes. Todos ainda não atendidos. A demora da Capes para reverter a liminar de setembro — o que não ocorreu totalmente — era apenas um deles.
Lenta para agir pela revogação da liminar, a presidente da Capes, Cláudia Toledo, por outro lado, tem demonstrado pressa com o processo de abertura de novos cursos, incluindo a regulamentação do ensino a distância. A postura representa outro ponto de atrito com os pesquisadores.
“O EAD foi uma das razões da nossa demissão. Existia uma pressão para que a gente fizesse um documento, abrindo a possibilidade de ensino a distância para mestrado acadêmico profissional e doutorado acadêmico na área da Física”, explica o coordenador da área, o professor Fernando Lázaro, da PUC-Rio. A prioridade é formar físicos experimentais, pela necessidade de inovação no país. “Ter um curso a distância, sem laboratório, não tem o menor cabimento”
Fernando vai além da avaliação para falar do clima de instabilidade da agência de fomento. “Existe o Plano Nacional de pós-graduação, que é decenal, para ser um programa de Estado, e não de governo. Valeu de 2011 a 2020. Em 2020, ele acabou e até hoje não houve nenhuma discussão a respeito”, diz. As mudanças no comando, segundo o docente, também não contribuem para o debate: em quatro anos, houve três presidentes da Capes.
César Niche, professor do Instituto de Matemática da UFRJ, fazia parte do grupo de consultores que renunciou na área. Ele também questiona a sentença: “Avaliação sem poder divulgar os resultados? Para quê? Decisão estranha”, diz. “E isso não impede que a instância superior reveja a decisão, se o MP recorrer”, completa. Ainda não havia reunião formal dos consultores e coordenadores para discutir o assunto.“Pelo lado político, nada mudou: ensino a distância e novos cursos — sem completar a avaliação atual, que estabelece patamares de qualidade para o futuro — seguem sendo prioridade para a diretoria da Capes. E os mandatos dos atuais coordenadores seguem sem serem prorrogados”, critica, em referência à redução do tempo para realizar o trabalho de avaliação, devido à judicialização do processo.
César enfatiza que a educação a distância precisa ser bem discutida. E a Matemática tem experiência no tema, construída após anos de estudo. “É algo muito importante, mas não para ser decidida a toque de caixa. Na área da Matemática, temos o PROFMAT, um programa nacional de formação de professores do ensino médio, envolvendo várias universidades, parte presencial, parte a distância, que funciona bem”.
CAPES PUBLICA DIRETRIZES PARA CURSOS NOVOS
Na quarta-feira (1º), ignorando boa parte da comunidade acadêmica, a Capes publicou as diretrizes e calendário para a apresentação de propostas de cursos novos. Documentos orientadores, nas modalidades presencial e a distância, serão divulgados até 20 de dezembro. Em nota divulgada dois dias antes, a agência informou que esta seria uma “atribuição estatutária” da presidência.
Até o fechamento desta edição, a assessoria do órgão não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a pressa da inclusão do ensino a distância nas propostas de cursos novos e sobre como pretende recompor as comissões das áreas em que houve renúncia coletiva.
“O DESCONTENTAMENTO CRESCEU MUITO”, DIZ JANINE
O protesto dos pesquisadores das três áreas repercutiu na comunidade acadêmica. “Essa renúncia coletiva atesta a exaustão de muitos participantes com a demora da avaliação”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, professor Renato Janine Ribeiro. O ex-ministro da Educação observa que o atual processo já deveria ter ocorrido entre junho e julho. “Quando o Judiciário decretou a suspensão, ela já estava atrasada. O descontentamento cresceu muito”. Janine, que já foi diretor de avaliação da Capes entre 2004 e 2008, não se recorda de outra renúncia coletiva na história da agência. “Creio que a situação é inédita”.
Para Flávia Calé, presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos, a demissão reflete um cenário de desmonte da política educacional brasileira. “O tripé (financiamento, avaliação e PNPG) que sustenta a Capes está sob ataque, e isso tem gerado desânimo na comunidade científica”, afirma. Na última segunda (29), a ANPG se manifestou nas redes em defesa da pós-graduação, alegando que a renúncia é fruto de um “desgoverno”.
Calé, no entanto, ainda espera que todos os atuais coordenadores e consultores permaneçam até o fim da avaliação. E diz que o ideal seria a recondução aos postos daqueles que renunciaram. A estudante entende que esse corpo docente tem papel importante dentro da agência. “São polos de resistência. Eles ajudam a reverter ou minimizar impactos de medidas negativas que possam ser tomadas”, argumenta.
Natália Trindade, diretora da Associação dos Pós-Graduandos da UFRJ, também vê na renúncia em massa um protesto contra a desregulamentação da Capes e do sistema de avaliação quadrienal. Trindade observa que o impacto da crise atual não é imediato, mas alerta: “Ele virá lá na frente, quando acontecer a distribuição das bolsas”.
Texto de Beatriz Coutinho e Kelvin Melo publicado originalmente no jornal da AdUFRJ