Ampliação, mobilização e rejeição decidirão a eleição presidencial no 1º turno em favor de Lula, por Josué Medeiros
O Boletim #7 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No primeiro texto “Ampliação, mobilização e rejeição decidirão a eleição presidencial no 1º turno em favor de Lula” (p. 1-5), o Cientista político e professor da UFRJ e PPGCS-UFRRJ, Josué Medeiros, analisa o cenário de estabilidade das intenções de voto e as estratégias que Lula e Bolsonaro adotaram neste fim de corrida eleitoral.
Confira o texto abaixo!
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Ampliação, mobilização e rejeição decidirão a eleição presidencial no 1º turno em favor de Lula
Josué Medeiros [1]
Chegamos enfim à reta final da corrida eleitoral de 2022. Há cerca de dez dias da votação, o quadro de estabilidade das intenções de voto dá lugar às estratégias finais dos candidatos para vencer o pleito. Como já falamos em outro texto, nenhum fato novo ocorreu para mexer de modo brusco no quadro eleitoral e agora Lula vai apostar no voto útil para vencer ainda no primeiro turno enquanto Bolsonaro apostará no terrorismo contra a esquerda para aumentar seus votos.
A pesquisa do IPEC lançada em 19 de setembro mostrou Lula com 47% das intenções de voto, contra 31% de Bolsonaro, 7% de Ciro Gomes e 5% de Tebet. Nos votos válidos, Lula aparece com 52%, o que indica que a vitória no primeiro turno é possível.
A questão agora é entender porque esse cenário é viável. O problema é que o debate do voto útil é enganador. Faz parecer que uma parcela do eleitorado vai optar por Lula nos últimos dias de um modo “frio”, como se fosse apenas uma escolha racional. Porém, como afirma o comunista italiano Antonio Gramsci, “o número de votos é a manifestação terminal de um longo processo” político que envolve dinâmicas diversas e complementares. Em 2022, três dimensões que correm em paralelo vão levar à vitória de Lula no primeiro turno: ampliação, a rejeição e a mobilização.
Ampliação democrática do apoio a Lula
Em eleições normais, a ampliação de candidaturas majoritárias ocorre apenas no 2o turno. No 1o turno, o que temos é uma opção maior de candidaturas, algumas das quais realmente disputam para vencer enquanto outras se apresentam para construções futuras. Quando os dois primeiros colocados se enfrentam no segundo turno, as candidaturas que existiam apenas na construção do próprio partido e/ou liderança buscam somar seu capital político a um dos possíveis vencedores. Esse tipo de apoio vai criando um sentimento de ampliação que é fundamental para a vitória final.
Contudo, esta não é uma eleição normal. O nível de radicalização política do bolsonarismo e a retomada dos direitos políticos pelo ex-presidente Lula produziram uma polarização que vai além da disputa eleitoral entre esquerda e direita, mas que alcança uma dimensão ético-política que opõe autoritarismo impulsionado por Bolsonaro e a democracia representada por Lula. Assim, a ampliação típica de 2o turno e que tem uma dimensão eleitoral foi antecipada para o 1o turno com contornos políticos mais gerais, de defesa democrática.
O marco dessa ampliação foi o (re)encontro entre Lula e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva no dia 11 de setembro. Os dois estavam rompidos desde a escolha, por Lula, de Dilma Rousseff como sua sucessora. Marina saiu do PT, foi três vezes candidata a presidente e, em 2014, apoiou o tucano Aécio Neves.
Em 2018, a reaproximação da ex-petista com seu campo político começou com o apoio ao então candidato Fernando Haddad contra Bolsonaro no 2o turno. E, agora, esse movimento se completa com a aliança já no primeiro turno entre ela e Lula. Tal aliança foi pautada em um programa político apresentado por Marina Silva de defesa incondicional do Meio Ambiente e de um compromisso assumido por Lula com essa pauta.
Outro marco de ampliação foi o encontro entre Lula e oito ex-candidatos a presidente da República no dia 19 de setembro. A foto é representativa pela presença de políticos de seis partidos diferentes, dois deles (MDB com Henrique Meirelles e Cidadania com Cristóvão Buarque) que não estão formalmente coligados com Lula. Nas falas, todos deixam nítido o compromisso com a democracia e buscam, com esse apoio, influenciar no futuro governo. Por conta disso, esse tipo de movimento tem uma dimensão mais positiva e mobilizadora do que a adesão pela rejeição, que é a que vamos analisar em seguida.
A rejeição ao autoritarismo de Bolsonaro
É possível apontar as mobilizações golpistas de Bolsonaro como o grande marco para o aumento da rejeição ao autoritarismo. Mas isso explica os movimentos de adesão a Lula feitos por partidos, lideranças públicas, empresários, etc.
Há, na base da sociedade, um outro tipo de sentimento, que é mais difuso e se espraia mais lentamente: trata-se da rejeição do eleitor – principalmente o indeciso, mas não só – ao comportamento violento e aos constantes ataques que Bolsonaro faz contra tudo e contra todos. Essa guerra permanente de Bolsonaro vai criando um desgaste contínuo em sua imagem que não necessariamente tem um ponto de virada ou um marco decisivo. O que conta mais é o acúmulo e a sensação de que, com ele, a instabilidade vai permanecer e, com isso, os problemas concretos da vida cotidiana, tais como a economia, a segurança, a saúde e a educação seguirão sem solução.
O sentimento de piora da vida das pessoas é reforçado quando Bolsonaro critica as urnas eletrônicas, vocifera contra o STF, tenta jogar a culpa do seu desgoverno para o Congresso ou ataca jornalistas mulheres. E isso vai se manifestando nas pesquisas de intenção de voto em uma tendência inicialmente lenta de crescimento da rejeição ao atual presidente e que, aos poucos, vai se convertendo em aumento das intenções de voto na oposição.
Esse aumento, primeiro, se dá de modo distribuído, pegando os candidatos da chamada terceira via. Mas, na medida em que o dia da eleição se aproxima, a capacidade de atração do candidato que está em primeiro aumenta muito. Isso ainda é mais forte quando esse candidato é o ex-presidente Lula. E, para completar esse processo de migração de votos, há uma estratégia de mobilização que analisaremos a seguir.
A mobilização final pela vitória
Em eleições normais, a maioria das pessoas decide o voto na reta final da eleição, nos últimos quinze dias e mesmo na última semana. São muitos os exemplos históricos de movimentos de última hora que surpreendem os analistas e que não são captados pelas pesquisas eleitorais.
Pela esquerda, as eleições para governador da Bahia, em 2006, são o caso mais emblemático. Jacques Wagner, do PT, aparecia na última semana em segundo lugar, porém todas as pesquisas indicavam que ele seria derrotado no primeiro turno por Paulo Souto, do então PFL. Quando as urnas foram abertas, Wagner não apenas figurava na liderança, como terminou eleito ainda no 1o turno, resultado de uma onda vermelha impulsionada por Lula em toda a região nordeste.
Pela direita, a vitória de Wilson Witzel para o governo do Estado do Rio de Janeiro se tornou caso paradigmático. No sábado, há uma semana da eleição, Witzel marcava 4% das intenções de voto e era totalmente desconhecido. Na terça-feira da última semana, com o debate na TV Globo, ele alcançou 11%. E, nas urnas, com a onda bolsonarista, ele terminou com 40% dos votos e passou para o 2o turno na liderança, para depois vencer o pleito.
O bolsonarismo mostrou, em 2018 e 2020, que é “time de chegada”, ou seja, que cresce na reta final. Mas isso também é uma característica histórica da esquerda em geral e das candidaturas do PT em particular.
Em um cenário de polarização normal, a mobilização de reta final é decisiva para levar um dos candidatos ao 2o turno. Foi assim com Aécio Neves, em 2014, quando ele ultrapassou Marina Silva e conquistou o direito de enfrentar Dilma Rousseff no 2o turno presidencial.
Entretanto, mais uma vez é preciso afirmar que não vivemos uma eleição normal. A violência política bolsonarista é crescente e deixa tanto a cidadania quanto as instituições em alerta. Além disso, as medidas destrutivas do presidente Bolsonaro em todos os setores não param com a eleição. E a cada nova decisão do governo, por exemplo anistiando multas ambientais ou cortando a verba de programas sociais como a Farmácia Popular ampliam o sentimento de que é preciso dar um basta.
A campanha de Lula percebe esse sentimento e busca organizá-lo para criar uma onda de migração de votos suficiente para vencer no primeiro turno. Os enormes atos da candidatura Lula nas capitais da região Sul – que desde 2006 vota sistematicamente contra o PT – entre os dias 16 e 18 de setembro são um sinal de que a mobilização está funcionando e que a vitória no 1o turno é uma realidade.
Considerações Finais
A ampliação em favor de Lula pela defesa da democracia mais a rejeição contra o autoritarismo de Bolsonaro se encontram na onda de mobilização que pode decidir a eleição presidencial de 2022 no 1o turno. A tendência das pesquisas vêm confirmando o sentimento que se apresenta tanto no sistema político quanto nas ruas em geral. Somente um fato novo negativo para o candidato petista pode interromper esse movimento.
Tal fato novo pode sair dos próximos debates presidenciais, marcados para os dias 24 (SBT) e 29 (Globo) de setembro. Porém, o histórico de Lula nesse tipo de embate é amplamente favorável; Já Bolsonaro costuma se sair mal em enfrentamentos diretos e, em 2018, teve a vantagem de ser poupado dos debates pelo atentado que sofreu. Ou seja, o mais provável é que o fato novo extraído dos debates televisivos seja mais um ataque de Bolsonaro que amplia sua rejeição e que ajude a aumentar a mobilização de Lula pela vitória no 1º turno.
[1] Cientista político e professor da UFRJ e PPGCS-UFRRJ.
[2] https://diplomatique.org.br/porque-o-auxilio-brasil-turbinado-nao-vai-eleger-bolsonaro/