A questão da violência: das campanhas eleitorais ao exercício político, Letícia Fretheim Queiroz
O Boletim #3 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No décimo texto “A questão da violência: das campanhas eleitorais ao exercício político” (p. 57-62), a bacharel em Letras e graduanda em Ciências Sociais Letícia Queiroz analisa duas pré-candidaturas de operadores de segurança, observando suas campanhas em redes sociais até o presente momento, as principais ideias de seu discurso e seu posicionamento diante de certos assuntos de debate público.
Confira o texto abaixo!
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A questão da violência: das campanhas eleitoras as exercício político
Letícia Fretheim Queiroz[86]
Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar duas pré-candidaturas de operadores de segurança, observando suas campanhas em redes sociais até o presente momento, as principais ideias de seu discurso e seu posicionamento diante de certos assuntos de debate público. Além disso, vai comentar episódios que tem ameaçado a realização das eleições de maneira pacífica, destacando a questão da violência política.
De carreiras notórias a candidaturas políticas
Os temas da violência e da criminalidade estão aparecendo cada vez mais em debates a respeito das eleições e dos candidatos nas redes sociais, o que foi impulsionado por acontecimentos recentes. Ao que parece, serão assuntos centrais em 2022. O campo da direita, que sobretudo através de Bolsonaro já tinha a pauta da segurança pública como ponto central, tem reforçado sua preocupação com essas temáticas. O campo da esquerda tem avançado sobre esses assuntos, associando a imagem de Bolsonaro a insegurança e a violência[87].
Nesse contexto, operadores de segurança já começaram a se candidatar. Como pontuado em boletins anteriores, o número de candidaturas desses agentes, entre todos os cargos, aumentou entre 2018 e 2020, chegando a ser recorde nas últimas eleições municipais. Apesar de não ser possível, ainda, contabilizá-las, esse movimento segue expressivo. No estado de SP, por exemplo, 80 policiais militares já pediram afastamento do cargo para concorrer às eleições[88].
Alguns dos pré-candidatos que almejam sua primeira eleição são figuras públicas, que já ocuparam cargos importantes relacionados à segurança. Um deles é Allan Turnowski (PL), candidato a deputado federal, delegado e ex-secretário da Polícia Civil no Rio de Janeiro. Aliado do governador Cláudio Castro, ele comandou operações notórias em sua carreira. Uma delas foi a força-tarefa contra as milícias que culminou na morte do chefe da maior milícia do estado. Além disso, comandou a operação contra o tráfico de drogas na favela do Jacarezinho, que já é considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro[89].
Suas publicações em redes sociais são todas direcionadas à sua campanha. O lema de sua candidatura é “tolerância zero com o crime”, enquanto aponta que a lei brasileira solta criminosos. É bem frequente a descrição do trabalho da polícia como uma “luta do bem contra o mal”. Além disso, o candidato descreve as críticas a algumas operações policiais como fruto de “uma minoria ativista politizada e narcotraficante”, e enfatiza o fato da polícia sofrer constantes ataques.
É especialmente interessante um vídeo publicado em suas redes, que parece ser anterior à sua pré-campanha, em que ele parece falar como delegado, e não como candidato[90]. No vídeo, ele e outro agente de segurança não identificado comentam que as operações policiais eficientes ocorrem de maneira rápida, sem necessidade de disparos, com poucos confrontos e sem danos colaterais. No entanto, em outras publicações ele comemora e parabeniza as duas operações policiais mais letais do estado do Rio, a do Jacarezinho e a da Vila Cruzeiro. Sobre a letalidade, afirma nas publicações que a ação da polícia depende da ação dos criminosos.
É importante lembrar que as duas operações tiveram efeitos colaterais graves: mortes de moradores e de um policial, fechamento de escolas, bloqueio da circulação e danos materiais nos domicílios das comunidades.
Outro pré-candidato a deputado federal de carreira notória é Edson Melo (PL) – também conhecido como Edson Raiado -, conhecido como Tenente Coronel Edson. Em 2021, quando era responsável pela segurança do governador de Goiás, participou da operação que capturou e matou Lázaro Barbosa, um criminoso cuja busca mobilizou por vários dias a polícia do estado e a cobertura da imprensa. Apesar de disputar sua primeira eleição, o policial já tem certa visibilidade nas redes sociais anterior a sua campanha. Em um de seus perfis no Instagram – em que defende os “valores da família”, se denomina anti-aborto e cristão – tem cerca de 35 mil seguidores.
Em um debate com o policial rodoviário federal Fabrício Rosa – pré-candidato a deputado federal pelo PT -, Edson Melo afirma que em casos de letalidade policial, a culpa é sempre dos criminosos[91]. Segundo ele, não existe culpa da polícia. “Culpa da polícia”, aliás, seria um “termo de esquerda”. Na primeira parte de seu discurso, o candidato não reconhece que a discussão gira em torno de irregularidades em ações policiais. Ao não delimitar essa questão, ele fala como se a legítima defesa policial estivesse sendo questionada pelo seu oponente em questão, o que não era o caso.
Além disso, o candidato se apega ao fato de que alguns índices de violência haviam diminuído em seu estado como argumento de que não há necessidade de debater a letalidade. Ou seja: para ele, a discussão tem como única finalidade prejudicar a polícia e a segurança pública, tanto que “letalidade policial” seria um termo político. Quanto ao seu oponente, ele o trata como um “infiltrado” na corporação.
Percebe-se no discurso de ambos os candidatos, Allan Turnowski e Edson Melo, a polícia como uma instituição sob constante ataque, o que costumam associar à esquerda. Apesar da centralidade da atuação da polícia na sociedade, qualquer opinião pública crítica e qualquer demanda por mudança em relação à instituição é tratado como parte de uma guerra moral, não havendo margem para um debate efetivo.
Violência e ameaças no ano eleitoral
A integridade do processo eleitoral em 2022 tem se mostrado bastante frágil nos últimos meses. A ameaça mais óbvia às eleições vem sendo levada já há algum tempo pelos militares do governo. Após uma série de desconfianças expostas publicamente a respeito das urnas eletrônicas, que endossaram algumas falas de Bolsonaro, os militares do Ministério da Defesa decidiram criar um programa próprio de fiscalização das eleições. Eles acompanharão de perto cada etapa do processo, da lacração das urnas à contagem dos votos[92].
Apesar das Forças Armadas serem reconhecidas pelo TSE como entidade fiscalizadora das eleições, a criação do programa é problemática pelos últimos posicionamentos do governo. Este mês, a desconfiança pública de Bolsonaro em relação às urnas chegou ao seu ápice, quando se reuniu com embaixadores estrangeiros e reafirmou, dessa vez em evento oficial, desconfianças e notícias falsas a respeito das urnas eletrônicas[93]. As tensões, no entanto, têm se estendido para além das instituições. Nos últimos meses, a campanha do ex-presidente Lula foi perturbada por alguns incidentes, dentre os quais o mais perigoso foi a explosão de uma bomba caseira, lançada antes de começar um ato em que ele estaria presente, no Rio de Janeiro[94]. Houve também um episódio de intimidação à campanha de Marcelo Freixo (PSB), candidato apoiado pelo PT no RJ, por parte de opositores[95].
Além disso, o caso mais extremo de violência ocorreu no dia 9 de julho: Marcelo Aloizio de Arruda, guarda municipal e tesoureiro do PT, foi assassinado a tiros durante sua própria festa de aniversário, cujo tema era a candidatura de Lula e o Partido dos Trabalhadores, em Foz do Iguaçu[96]. O assassino, um policial penal que não conhecia a vítima, chegou ao local gritando palavras a favor de Bolsonaro.
Apesar das campanhas de Lula e de Bolsonaro sofrerem de maneira completamente diferente episódios de violência, algumas análises que circularam na mídia tradicional fizeram uma leitura de polarização política relacionada a este episódio[97]. Vale destacar que antes de 2018, as eleições presidenciais no país já eram “polarizadas”: a disputa se dava predominantemente entre os candidatos do PT e do PSDB, sem uma distribuição de votos expressiva entre outros candidatos. Entretanto, foi a partir de 2018 que se começou a observar, ainda que isoladamente, alguns episódios de violência, e a frequência de incidentes em 2022 é inédita: em julho, o TSE anunciou a criação de um grupo de trabalho contra a violência política nas eleições[98].
Dessa forma, é possível observar como o clima de crise e de desconfiança criado por Bolsonaro no ano eleitoral – e que, como mencionado em boletins anteriores, frequentemente mobiliza as polícias e as forças armadas como uma saída para o problema – já tem ecoado nas disputas eleitorais e tem trazido consequências concretas à realidade do Brasil.
Conclusão
Em relação às candidaturas dos operadores de segurança, é possível observar que o campo político de candidatos como Bolsonaro, que hoje está no Partido Liberal, mantém a questão da segurança como um dos pontos centrais das campanhas. Os dois candidatos analisados, entretanto, não trazem muitas novidades para o debate da segurança pública e das polícias, centralizando seus discursos na força, na moral e na propaganda de operações notórias.
Além disso, é difícil haver espaço para qualquer discussão efetiva a respeito das polícias, já que qualquer ideia oposta se torna uma tentativa de destruição da instituição. Além do mais, o perigo iminente construído no discurso de Bolsonaro não só alimenta a candidatura dos agentes de segurança, mas concretiza episódios de violência e intimidação nas campanhas eleitorais. O perigo imaginário de haver uma fraude eleitoral e uma profunda crise no país tem levado a conflitos que se transformam no perigo real de a integridade física e política dos cidadãos ser afetada.
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[86] Letícia Fretheim Queiroz é bacharel em Letras (UFRJ) e graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ.
[90] https://twitter.com/TurnowskiAllan/status/1540746146351648768