O Boletim #10 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No terceiro texto “A democracia não será interrompida” (p. 11), a cientista política Nathália Julia analisa o cenário final da disputa à presidência da República, além de esclarecer como chegamos a esse resultado final e o que ele representa para o futuro do país.

Confira o texto abaixo!

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Lula eleito e os desafios da democracia brasileira
Nathália J. S. Ribeiro[4]

Resumo O presente texto faz parte da pesquisa de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar o cenário final da disputa à presidência da República. Pretende-se esclarecer como chegamos a esse resultado final e o que ele representa para o futuro do país. Neste último número foram utilizadas matérias de portais midiáticos de grande circulação e discursos oficiais do atual presidente.

Como chegamos aqui?

Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 seguindo uma ordem semelhante a de outras democracias no mundo: a eleição de candidatos com traços populistas de extrema direita. Ainda como candidato, Bolsonaro exaltava seu apreço a medidas totalitárias que inferiorizam e excluem grupos minoritários, além de desafiar as instituições democráticas ao questionar e ameaçar o Poder Judiciário, as mídias tradicionais e o próprio sistema eleitoral.

A partir disso, com a vitória de Bolsonaro no pleito de 2018, nos últimos quatro anos o Brasil foi marcado pelo aumento de ataques aos veículos de grande imprensa, desacatos e ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o crescimento das desigualdades sócio-econômicas.

O cenário da disputa eleitoral mais importante desde a redemocratização foi seguido pela política de desmantelamento das instituições da democracia brasileira chefiado pelo atual chefe de governo e pela anulação dos processos[5] judiciais contra o então ex-presidente Lula.

De um lado, tivemos Bolsonaro intensificando seus ataques ao sistema eleitoral e ao TSE, como forma de deslegitimar sua ocasional derrota. Ele empenhou esforços econômicos eleitoreiros para atrair votos da população mais pobre e corroborou para a divisão dos brasileiros entre o cidadão do bem (bolsonaristas) e os cidadãos do mau (petistas ou eleitores do Lula). De outro, a campanha do presidenciável do Partido dos Trabalhadores (PT) se dedicou a formar uma frente ampla a favor da democracia, tendo como objetivo derrotar Bolsonaro, reforçar as estruturas democráticas e reduzir as desigualdades sociais que se alastraram durante a atual gestão.

O resultado do primeiro turno mostrou um bolsonarismo mais forte do que se esperava. O Partido Liberal (PL), legenda pela qual concorreu Bolsonaro, formou bancada expressiva de políticos eleitos à Câmara dos Deputados e ao Senado. Apoiadores bolsonaristas que concorreram por outros partidos também se destacaram. No entanto, o atual presidente em si não saiu vitorioso: pela primeira vez na história da democracia brasileira, um candidato à reeleição à presidência da República terminou o primeiro turno em segundo lugar. Bolsonaro obteve 43,20% dos votos, enquanto Lula encerrou o turno com 48,43%[6]. A derrota se consolidou no segundo turno, com Lula ganhando por uma diferença de 1,8% em votos válidos (50,90% para Lula e 49,10% para Bolsonaro). Novamente, como nas eleições precedentes, os resultados das eleições em Minas Gerais refletiram o resultado da votação nacional.

Segundo turno

Almejando a vitória, a estratégia de campanha do candidato do PL visou promover medidas econômicas direcionadas à população de baixa renda – grupo esse que tende apoio ao candidato Lula[7]. Sendo assim, Bolsonaro prometeu a liberação de décimo terceiro[8] e de empréstimos consignados[9] aos beneficiários do Auxílio Brasil, além de propagandear a criação do programa de renegociação de dívidas, o qual a Caixa Econômica Federal afirma já existir.

No entanto, após a liberação intensa de crédito aos beneficiários do auxílio, o Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou à Caixa informações referentes aos empréstimos concedidos. De acordo com o ministro Augusto Cedraz, o intuito é investigar possíveis irregularidades nesse processo, além de impedir que a máquina pública seja usada para fins eleitorais. Segundo o subprocurador do Ministério Público de Contas, Lucas Furtado, “no cenário atual, com a aproximação do segundo turno das eleições e com as dificuldades enfrentadas pelo presidente nas pesquisas de intenções de voto, tudo indica tratar-se de medida destinada a atender prioritariamente interesses político-eleitorais, que relegam o interesse público a segundo plano, com vistas à obtenção de benefícios pessoais em detrimento da população[10]”.

Para além das medidas econômicas, Bolsonaro também tentou buscar apoio de candidatos eleitos e reeleitos, como o governador Zema (NOVO-MG). O intuito era unir forças contra a grande frente ampla formada pelo petista, focalizando em ganhar votos no Nordeste e em Minas Gerais, áreas importantes para obter um resultado final favorável e que terminaram o primeiro turno com vitória do candidato da esquerda. Traçada essa estratégia, o presidenciável se referiu diversas vezes aos nordestinos como irmãos[11] e mudou o seu encerramento[12] de campanha, que originalmente seria no Rio de Janeiro, para Minas Gerais.

Outra tática orquestrada pela campanha de Bolsonaro foi a disseminação de notícias falsas[13] nas redes sociais e nas propagandas eleitorais gratuitas de TV e rádio. Uma das fake news mais disseminadas nesse segundo turno foi propagada pela própria campanha do candidato da extrema-direita. A promoção no horário eleitoral gratuito alegava que a maioria dos encarcerados no Brasil votavam a favor de Lula. No entanto, é primordial ressaltar que o Art. 15° da Constituição Federal[14] de 1988 suspende os direitos políticos de condenados julgados. Logo, eles se tornam inaptos a votar.

Visando combater a propagação de fake news, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou uma proposta de resolução[15] que acelera a remoção desse tipo de conteúdo desinformativo das redes sociais. A norma determina que, após julgamento colegiado referente à notícia inverídica, a presidente do Tribunal pode determinar a retirada de circulação e divulgação de tal fraude julgada. As plataformas que permanecerem com a fake news no ar após decisão do TSE podem sofrer multa de até 100 mil reais por cada hora de descumprimento da decisão.

Outros acontecimentos relevantes no segundo turno foram os diversos direitos de resposta[16] dados à campanha de Lula perante a de Bolsonaro. Concedidos pelo TSE, o ex-presidente teve direito a pelo menos 116 inserções de 30 segundos cada na propaganda eleitoral de seu oponente. As respostas se referem às associações feitas entre Lula e criminosos presidiários.

Tentando tirar vantagem das inserções do petista, Bolsonaro alegou ser vítima da justiça eleitoral e do Partido dos Trabalhadores. O chefe de governo declarou, sem provas, que sua campanha deixou de ser transmitida em milhares de rádios pelo Brasil, principalmente no Nordeste, com o intuito de favorecer o adversário. O presidente também apontou que isso simboliza uma intervenção no próprio processo eleitoral.

“Não será demitindo um servidor do TSE que o TSE vai botar uma pedra nessa situação. Aí tem dedo do PT. Não tem uma coisa errada no Brasil que não tenha dedo do PT. O que foi feito, comprovado por nós, pela nossa equipe técnica, é interferência, é manipulação de resultado. Eleições têm que ser respeitadas, mas, lamentavelmente, PT e TSE têm muito que se explicar nesse caso[17]”.

A partir disso, a campanha do presidente apresentou formalmente uma denúncia[18] ao Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, por estar pouco fundamentada, o presidente do Tribunal deu 24 horas para que apresentassem provas sérias do caso. Em consequência das inconsistências da denúncia, o ministro Alexandre de Morais[19] considerou o caso apenas mais uma tentativa de Bolsonaro intervir e tumultuar as eleições. Em resposta, a ala bolsonarista tentou reivindicar o adiamento das eleições, alegando que esse episódio caracterizava fraude eleitoral[20].

Precisa-se destacar que o impedimento à regularidade do pleito põe em risco o sistema democrático como um todo. Eleições regulares constituem um dos princípios fundamentais e indispensáveis de qualquer democracia. Tentar intervir ou questionar esse processo é ameaçar não apenas de uma votação, mas da própria existência daquilo que ela representa.

Resultado e expectativas para o futuro

O dia 30 de outubro foi marcado por muitas queixas e alegações de tentativa de intervenção no pleito. A princípio, algumas capitais desrespeitaram a medida do STF que determinava a gratuidade do transporte coletivo[21] durante o horário de votação, além da redução das frotas. O caso se agrava após a realização de operações consideradas ilegais realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). As intervenções teriam atrasado e impedido a ida de eleitores, principalmente os nordestinos, às zonas eleitorais.

Dois pontos relevantes à atuação da PRF precisam ser destacados: (1) no sábado (29) o TSE proibiu[22] qualquer operação rodoviária durante o pleito, sendo o descumprimento dessa medida passível de punição criminal por crime eleitoral ao diretor-geral da PRF e aos demais envolvidos; (2) de acordo com o colunista Lauro Jardim, a ação da PRF teria sido discutida no palácio da Alvorada, junto ao núcleo operativo da reeleição, como uma das “ações fundamentais que deveriam ser tomadas na reta final do segundo turno”. Vale destacar que o diretor-geral da polícia, Silvinei Vasques, é aliado declarado de Bolsonaro[23].

Apesar das tentativas de conter a votação na região nordestina, intervenção grave à democracia, Jair Bolsonaro entra para a história do país como o primeiro presidente a perder a reeleição desde a redemocratização do Brasil em 1988.

Outro marco histórico se refere à disputa acirrada entre os candidatos. A diferença de Lula para Bolsonaro foi de pouco mais de 2 milhões de votos em números totais[24], o que mostra o quão polarizado se encontram os eleitores brasileiros. A partir disso, o primeiro discurso[25] do presidente eleito enfatizou a união do país e o fortalecimento da democracia. Ademais, o petista também se comprometeu a ter a causa do combate à fome como pauta principal do seu governo.

Após a derrota, o atual chefe de Estado rompeu com a tradição de comunicação entre os candidatos para reconhecimento da vitória do eleito. Somente no final da tarde de terça-feira, ele fez um pronunciamento, destacando a indignação e sentimento de injustiça de bolsonaristas que bloqueavam estradas desde domingo. No entanto, apesar do silêncio de Bolsonaro, líderes de diversas democracias parabenizaram a vitória de Lula. Em destaque o presidente da França, Alemanha e Estados Unidos da América, países que se afastaram do Brasil nos últimos quatro anos e, agora, declaram querer trabalhar em cooperação com o presidente eleito.

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva representa a vitória da democracia. O bolsonarismo está presente em quase metade da população, do Congresso e do Senado. As instituições democráticas, tão atacadas e fragilizadas pela gestão Bolsonaro, ainda precisam ser reforçadas. No entanto, o resultado do pleito simboliza uma reconstrução do sistema brasileiro. O representante da extrema-direita foi derrotado e os precedentes do vitorioso indicam que as instituições e as diversidades não serão só respeitadas, mas também incluídas no plano de governo. Apesar das adversidades, a expectativa de vários segmentos do país é de um futuro próspero para o Brasil, assim como foi nos demais governos Lula.

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[4] Mestranda em Ciência Política na UNIRIO.

[5] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=464261&ori=1

[6] https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html%23/eleicao%3Be%3De544/resultados

[7] 50percent-no-2o-turno-e-bolsonaro-43percent.ghtml

[9] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/caixa-retoma-emprestimo-consignado-do-auxilio-brasil-apos-manutencao-no-sistema.shtml

[10] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/tcu-pede-explicacoes-a-caixa-em-24-horas-sobre-novos-emprestimos-do-auxilio-brasil.shtml

[11] https://veja.abril.com.br/coluna/virou-viral/a-irritacao-de-nordestinos-com-fala-de-bolsonaro-durante-debate-na-band/

[12] https://oantagonista.uol.com.br/brasil/bolsonaro-muda-planos-e-decide-encerrar-campanha-em-minas/

[13] Fenômeno esse denominado “fake news”.

[14] https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/condenado-nao-pode-votar

[15] https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/tse-aprova-resolucao-para-dar-mais-efetividade-ao-combate-a-desinformacao-no-processo-eleitoral

[16] https://veja.abril.com.br/politica/tse-forma-maioria-para-manter-direitos-de-resposta-de-lula/

[17] https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/bolsonaro-se-diz-vitima-do-pt-e-tse-e-fala-em-manipulacao-eleitoral

[18] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/10/24/campanha-de-bolsonaro-alega-que-radios-deixaram-de-veicular-insercoes-da-propaganda-do-presidente.ghtml

[19] https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2022/10/28/ao-stf-faria-diz-ser-erro-gravissimo-bolsonarismo-usar-caso-das-insercoes-para-pedir-adiamento-das-eleicoes.ghtml

[20] https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2022/10/28/ao-stf-faria-diz-ser-erro-gravissimo-bolsonarismo-usar-caso-das-insercoes-para-pedir-adiamento-das-eleicoes.ghtml

[21] https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/tse-proibe-prf-de-realizar-operacoes-direcionadas-ao-transporte-publico-de-eleitores

[22] https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/tse-proibe-prf-de-realizar-operacoes-direcionadas-ao-transporte-publico-de-eleitores

[23] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/30/operacao-prf-reuniao-alvorada.htm

[24] https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/lula-e-eleito-novamente-presidente-da-republica-do-brasil

[25] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/nao-existem-dois-brasis-leia-integra-comentada-do-discurso-de-lula-apos-a-vitoria.shtml

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