Censo da Educação Superior: as instituições privadas e o EaD

Depois do desastre do governo Bolsonaro, será necessário muito trabalho e planejamento para reconstruir a Educação Superior. Com o apagão de dados sobre educação, apontado inclusive pela equipe de transição, o Censo da Educação Superior, divulgado em outubro passado, se torna a base mais confiável para refletir sobre o estado do ensino superior no País e planejar mudanças que fortaleçam as universidades e a pesquisa. 

Mas o que diz o Censo de 2021? Alguns dados saltam aos olhos. Pela primeira vez na história o número de matriculados em cursos de ensino a distância na rede privada é maior do que estudantes da modalidade presencial, uma mudança que vinha acontecendo há alguns anos, mas acelerou durante a pandemia. Outra progressão é a queda de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio. Em 2021, 13,4% menos estudantes participaram do Enem.

O Censo da Educação Superior é uma pesquisa realizada anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com o objetivo de coletar dados sobre a oferta e a demanda de ensino superior no Brasil. Os dados coletados incluem informações sobre as instituições de ensino superior, como número de alunos, cursos oferecidos, estrutura física, entre outros.

O Observatório do Conhecimento publica esta semana uma série de reportagens sobre os resultados do último Censo da Educação e os desafios que seus resultados apresentam para a reconstrução do ensino e pesquisa no Brasil.

A predominância das instituições privadas de ensino superior

Em 2021, a rede privada ofertou 96,4% do total de vagas em cursos de graduação em 2021 para ingressantes. As instituições de ensino privadas também têm uma participação de 76,9% no total de matrículas de graduação.

O Censo também traçou o perfil do docente de cada tipo de instituição. Nas universidades públicas, os professores são predominantemente doutores que atuam em carga horária integral. Nas instituições de ensino privadas, são mestres com atuação em tempo parcial. Nos dois casos, os homens são maioria.

Fonte: Inep

Para o professor da Universidade Federal do ABC Fernando Cássio, a diferença de qualificação dos professores importa, mas o regime de trabalho diz mais. “O regime de trabalho parcial significa que as faculdades privadas são, em sua maioria, prédios de salas de aula apenas”, avaliou o professor. “O docente na universidade pública não apenas leciona. Ele pesquisa, desenvolve atividades de extensão. Isso torna diferente o clima da universidade, o envolvimento dos alunos. Em uma universidade pública, os alunos podem participar de projetos de iniciação científica ou de atividades de extensão. Há uma formação integral”, explicou.

O aumento de vagas de EaD também preocupa. O crescimento foi de 23,8% de 2020 para 2021, e desde 2016 o crescimento acumulado de matriculados em cursos a distância é de 273,4%. 51% dos estudantes da rede privada fazem cursos no formato EaD, enquanto na rede pública esse percentual é de apenas 6%.

“O docente na universidade pública não apenas leciona. Ele pesquisa, desenvolve atividades de extensão. Isso torna diferente o clima da universidade, o envolvimento dos alunos. Em uma universidade pública, os alunos podem participar de projetos de iniciação científica ou de atividades de extensão. Há uma formação integral”

Fernando Cássio, professor da UFABC

Para Fernando Cássio a modalidade, que teve um papel importante na ampliação do acesso ao ensino superior, tem sido adotada pelas instituições privadas como uma maneira de reduzir custos. “O ensino a distância é pensado, ou deveria ser, para ampliar o acesso”, disse. Ele deu como exemplo o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), criado em 2009, que oferecia parte das suas vagas na modalidade a distância para a formação de professores e professoras que, mesmo com a expansão da rede, estavam distantes das universidades públicas. “O objetivo ali era o acesso. O ensino a distância, se for bem feito, pode custar até mais caro que o ensino presencial. Mas o que estamos vendo são cursos que são a distância para redução de custo e barateamento da mensalidade. Um ensino que não vai ser acompanhado, por exemplo, pela contratação de mais gente, de tutores muito bem formados”. Para ele, a mudança de regulamentação, após a pandemia, que permitiu que o EaD fosse oferecido sem reformulação pedagógica dos cursos, fez com que “a porteira se abrisse”.

Outro dado alarmante do último censo é a queda no número de inscritos no Enem, a principal porta de acesso ao ensino superior. Foram 350 mil inscritos a menos, na comparação com o ano anterior. O preocupante é que a queda vem acontecendo desde 2016. Se comparado com 2016, 2021 teve uma queda de 61% no número de participantes do exame. 

A queda no número de inscritos não pode ser explicada apenas  pela pandemia, afirmou o pesquisador. “Aqui precisamos apontar o dedo e localizar a responsabilidade. O governo Bolsonaro trabalhou para descredibilizar o Enem e o Inep. Havia instabilidade quanto ao calendário, incertezas com relação à gratuidade, tentativas de influenciar o banco de questões. Isso sem contar nas sucessivas trocas de presidente do instituto. Havia também a ausência de divulgação de peças publicitárias sobre o Enem”, apontou. Outro cenário que contribuiu para a queda, segundo Fernando, foram os constantes ataques empreendidos pelo governo e por parte dos seus apoiadores às universidades.

Fonte: Inep

Para ele, os mais prejudicados nesse cenário foram os alunos de escolas públicas. “Isso interfere nos estudantes pobres, aqueles que precisam de estímulo, precisam da propaganda, precisam da gratuidade garantida. Então se você descredibiliza o exame e não tem estímulo, inclusive da política pública, as pessoas não terão interesse”, afirmou.

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