O Boletim #10 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No décimo primeiro texto “Lula e Bolsonaro nas mídias: ‘janonismo cultural’ marca a disputa pelo segundo turno” (p. 61), a graduanda em Ciências Sociais Luísa Pinheiro se debruça sobre as dinâmicas de campanha da disputa entre os presidenciáveis nas mídias.

Confira o texto abaixo!

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Lula e Bolsonaro nas mídias: “janonismo cultural” marca a disputa pelo segundo turno
Luísa Antunes Pinheiro[105]

Resumo Em uma eleição histórica, com Lula batendo seu próprio recorde de votos e Bolsonaro sendo o primeiro candidato à reeleição desde a redemocratização a sair derrotado, os ânimos da campanha pré-segundo turno estavam exaltados, principalmente no que tange à movimentação nas mídias digitais. Apesar de toda tentativa de mobilização dos bolsonaristas pela máquina das redes sociais que elegeu Bolsonaro há quatro anos, em 2022 ela não foi suficiente para fazê-lo alcançar os votos de Lula. Nesta disputa nas redes, que o PT parece ter ganhado, Janones entrou como oposição do bolsonarismo que se propunha a atacar com as mesmas estratégias. Este boletim tem por intuito se debruçar sobre tais dinâmicas da disputa entre os presidenciáveis nas mídias.

A disputa nas mídias tradicionais

Poucos dias após o primeiro turno das eleições de 2022, com a definição de que haveria segundo turno entre Lula e Bolsonaro, as mídias digitais tiveram como pauta central os dois candidatos. Porém, diferentemente do caminho que tomou a campanha pré-primeiro turno, depois dos resultados das urnas, o sarrafo abaixou ainda mais no quesito de fake news e discussões em pauta nas redes. Em uma disputa contra Bolsonaro e o bolsonarismo, o debate já tende a se deslocar para uma posição mais à direita, mas, para além disso, no período pré-segundo turno, as pautas morais normalmente levantadas apenas por eles tomaram conta de todo o debate público. Dessa vez, parte do campo à esquerda, os eleitores de Lula e a própria campanha disputaram alguns desses assuntos.

A campanha de Lula, por exemplo, buscou reafirmar que Lula é cristão, e inclusive uma de suas propagandas eleitorais tratou do tema do aborto. Lula afirmava ser contra o aborto, bem como todas as mulheres com que casou, porque são “defensores da vida”, justificativa constantemente utilizada pelo eixo conservador e bolsonarista para condenar o ato[106]. No debate da Globo realizado a poucos dias da eleição, Lula trouxe o assunto novamente ao ler uma notícia que declarava que, em um discurso de 1992, Bolsonaro havia defendido a distribuição de pílulas abortivas para a população brasileira[107]. Bolsonaro, que tem o ataque ao aborto como uma de suas pautas centrais, respondeu que defendeu apenas pílulas do dia seguinte, pois as abortivas possuíam outro componente químico. Ao citar o nome do remédio abortivo, buscas no Google dispararam e rapidamente o assunto virou pauta nas redes. A contradição do candidato, que ataca o aborto como pauta de campanha desde 2018, não foi positiva para ele.

O debate da Globo, o último entre os presidenciáveis, foi marcado por diversos momentos como este. O primeiro bloco, que tinha como dinâmica um debate livre entre os dois, foi marcado por uma disputa constante de questionamentos não respondidos entre Lula e Bolsonaro. Porém, o que se destacou foi o final, que contou com uma fala de Bonner respondendo a Bolsonaro, que o citou durante a discussão. Ao ser acusado de corrupção, Lula rebateu Bolsonaro dizendo que ganhou 26 processos, ao contrário de seu adversário, que teria trinta e cinco nas costas. Neste momento, Bolsonaro, que parecia nervoso, apela ao seu ataque à imprensa, a fim de deslegitimar a veracidade dos fatos apresentados sobre isso na entrevista de Lula ao Jornal Nacional em agosto. Bolsonaro diz: “Lula, você dizer que foi absolvido? Só se foi pelo Bonner, se ele vai repetir aqui que você foi absolvido. Acho que o Bonner vai ser indicado para um possível e hipotético, impossível governo teu para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal”. Em seu “direito de resposta” ao final do bloco, Bonner esclarece ao dizer que, enquanto jornalista, não tira as informações da cabeça, e sim baseado em decisões concretas do Supremo Tribunal Federal.

Ao longo do debate, Bolsonaro fez mais ataques à imprensa, ridicularizando Lula por citar a Folha de São Paulo como referência de dados, e acusou o ministro Alexandre de Moraes e o PT de “amordaçar” e “controlar” a mídia. Tais falas do candidato, que parecia tentar manter uma postura de maior seriedade do que o normal, evidenciaram seu desespero em alguns momentos do debate. Lula, por sua vez, se manteve com aparência tranquila e se saiu melhor que o atual presidente.

O protagonismo das mídias digitais e o “janonismo cultural”

A disputa pelos temas caros ao bolsonarismo foi ainda mais intensa nas mídias digitais. E, assim como no último debate, o campo lulista parece ter sido também mais vitorioso do que a máquina bolsonarista. Um personagem central no fomento a esse tipo de estratégia nas redes sociais foi André Janones, deputado federal do Avante que se lançou na pré-campanha como presidenciável, mas desistiu de disputar para apoiar o presidente Lula. O apoio de Janones a Lula se destaca da postura que a esquerda manteve até então. O deputado se propõe, como diz em suas própria palavras, a “combater o Bolsonarismo de igual pra igual”[108]. Nesse sentido, Janones de fato se dedicou à campanha de Lula de modo combativo, apelando a distorções de informações ou mesmo fake news, à semelhança de Bolsonaro e seus apoiadores. A maneira pela qual Janones se comunica no ambiente digital remete à estética alarmante do bolsonarismo.

No dia 4 de outubro, apenas dois dias após o primeiro turno, um vídeo de Bolsonaro em um templo maçônico viralizou seguido de críticas que apontavam sua contradição, enquanto cristão, em frequentar a maçonaria[109]. Na mesma data, Janones foi até o templo de Salomão e gravou uma live com o título “Bolsonaro faz pacto com seita maçônica pra vencer eleição”, fomentando a movimentação das redes sociais em torno do assunto, que inclusive chegou ao ponto de associar o candidato ao satanismo.

Alguns dias depois, outra notícia sobre Bolsonaro viralizou: uma fala sobre os Yanomami. No vídeo, Bolsonaro declarava que, em uma visita a uma aldeia, viu os indígenas cozinhando o corpo de um deles que havia morrido, e que se tivesse que comer, comeria sem problemas. O vídeo, também impulsionado por Janones, teve grande impacto nas redes e foi inclusive utilizado pela campanha de Lula em uma propaganda que associava o presidente ao canibalismo. Porém, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu a propaganda com o argumento de que a entrevista foi descontextualizada a fim de desqualificar Bolsonaro[110].

No dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida no Brasil, Bolsonaro foi à Basílica Nacional de Aparecida e Lula ao complexo no Alemão, no Rio de Janeiro. Ainda que a campanha de Lula esteja disputando algumas das pautas basilares para o bolsonarismo, o tópico religião segue outro caminho em comparação à forma como a campanha de Bolsonaro o utiliza. Lula, sempre que pode, afirma que religião e política não se misturam, e condena o uso da religião para fins políticos. A escolha da agenda do dia 12 de cada uma das campanhas refletiu de forma nítida essa diferença de postura. Ao contrário de Lula, que optou por manter a agenda de campanha sem relação com o apelo religioso da data, a visita de Bolsonaro a Aparecida, que virou ato de campanha, não foi tão bem sucedida. A confusão com seus apoiadores, que atacavam jornalistas no local, somada com as críticas do arcebispo Dom Orlando Brandes e do padre Camilo Júnior ao presidente, foi o saldo total da ida de Bolsonaro à Basílica[111].

Curiosamente, do dia 12 para o dia 13, ícones do bolsonarismo, incluindo Flávio Bolsonaro, que coordena a campanha à reeleição do presidente, compartilharam fake news em suas redes sociais associando Lula ao crime organizado por ter utilizado um boné com a sigla “CPX” na visita ao Complexo do Alemão[112]. A sigla era uma abreviação da palavra “complexo”, e não um código de alguma facção criminosa[113]. Nos debates entre os candidatos que ocorreram no mês de outubro, Bolsonaro tocou novamente neste tópico. Porém, a insistência no assunto não parecia ser favorável a ele, uma vez que a resposta de Lula questionava sua associação da pobreza ao crime.

No dia 15 de outubro, mais uma pauta ligada aos candidatos viralizou nas redes sociais. No dia 14, em uma entrevista a um podcast, Bolsonaro fez uma fala sobre adolescentes venezuelanas dizendo que “pintou um clima”, dando a entender que uma espécie de flerte poderia acontecer entre eles[114]. A expressão “Bolsonaro pedófilo” foi a mais usada no Twitter dia 15 e “pintou um clima” também esteve entre as mais comentadas. Mais uma vez, Janones deu coro e fomentou a campanha de combate a Bolsonaro, repercutindo em suas redes sociais o caso. O deputado inclusive afirmou que iria visitar as famílias das meninas, localizada no Distrito Federal[115]. Em resposta à repercussão, Bolsonaro fez uma live na qual afirmou que a expressão foi utilizada por ele na intenção de dizer que as adolescentes estavam se prostituindo, e que essa reação negativa era resultado da ação de militantes da esquerda que pretendiam conseguir vantagem política. Além disso, na intenção de reduzir os danos, a campanha de Bolsonaro recorreu à justiça para impedir a circulação dos vídeos com o trecho da entrevista e também solicitou a suspensão de todas as contas de Janones que, na avaliação de membros do QG, era o principal difusor de conteúdos que associavam o candidato à pedofilia[116]. No debate da Band, ocorrido poucos dias depois, a decisão do TSE inibia Lula de comentar o assunto sob pena de 100 mil reais.

Conclusão

Mesmo com as tentativas de defesa e ataque da campanha bolsonarista nas redes, esta não foi suficiente para estancar a rejeição ao governo e à figura de Bolsonaro, e os votos em Lula. Com o apoio engajado de Simone Tebet, que também ganhou bastante espaço nas redes dialogando com a juventude, de Felipe Neto e Janones, a campanha de Lula no ambiente digital pôde se equiparar em algum nível à máquina bolsonarista. Ainda que a utilização de fake news tenha ocorrido em massa, principalmente no ataque à Lula, ao PT e à esquerda, mas também ao TSE e ao processo eleitoral, elas não impediram a maioria de votos no candidato do PT.

Após o resultado do segundo turno, Bolsonaro se manteve em silêncio, e os grupos bolsonaristas, principalmente em redes como WhatsApp e Telegram, se manifestaram em favor de um golpe militar. No dia seguinte às eleições, o TSE bloqueou 27 desses grupos, que atuavam cada um em uma unidade da federação, contendo ao todo 153.273 seguidores[117]. Ainda assim, protestos de fechamento de rodovias acontecem ao redor de todo o país, e a Polícia Rodoviária Federal, que no dia das eleições interferiu no fluxo de transporte dos eleitores, não contém os manifestantes até a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal ordenando o desbloqueio[118].

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[105] Graduanda em Ciências Sociais na UFRJ e Pesquisadora do Observatório Político Eleitoral (Opel).

[106] https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/lula-muda-discurso-diz-contra-o-aborto-segundo-turno-2022/

[107] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/29/integra-debate-da-globo.htm

[108] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/12/tatica-eleitoral-janones-redes-sociais.htm

[109] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/04/maconaria-video-antigo-de-bolsonaro-viraliza-nas-redes.htm

[110] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/10/13/tse-mantem-proibicao-a-peca-da-campanha-de-lula-que-associa-bolsonaro-a-canibalismo.ghtml

[111] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/12/pendurado-em-carro-bolsonaro-transforma-em-campanha-visita-a-aparecida.htm

[112] https://www.aosfatos.org/bipe/falso-bone-lula-cpx-faccao-instagram/

[113] https://www.aosfatos.org/bipe/falso-bone-lula-cpx-faccao-instagram/

[114] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/18/bolsonaro-pede-desculpas-a-venezuelanas-apos-polemica-com-pintou-um-clima.htm

[115] https://br.noticias.yahoo.com/pintou-um-clima-janones-promete-visita-a-venezuelanas-citadas-por-bolsonaro-155737885.html

[116] https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2022/10/16/venezuelanas-comite-de-bolsonaro-mira-janones-e-escala-damares-e-michelle-para-reverter-desgaste.ghtml

[117] https://noticias.uol.com.br/colunas/carolina-brigido/2022/11/01/tse-baniu-27-grupos-das-redes-apos-eleicao-e-monitora-extremistas-ate-posse.htm?cmpid=copiaecola

[118] https://www.jota.info/eleicoes/moraes-determina-que-prf-desbloqueie-rodovias-ocupadas-por-bolsonaristas-31102022

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