O Boletim #10 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No nono texto “Os movimentos sociais nas eleições de 2022: balanço do resultado eleitoral e das articulações no segundo turno” (p. 50), o advogado e mestrando em Sociologia Política Victor David identifica movimentos sociais que lançaram candidaturas nas eleições proporcionais, mede o seu sucesso eleitoral e explicita a atuação no segundo turno das eleições.

Confira o texto abaixo!

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Os movimentos sociais nas eleições de 2022: balanço do resultado eleitoral e das articulações no segundo turno
Victor Escobar David[78]

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo identificar movimentos sociais que lançaram candidaturas nas eleições proporcionais, medir o seu sucesso eleitoral e explicitar a atuação no segundo turno das eleições. Para isso, neste décimo boletim, buscou-se investigar na imprensa, nas mídias sociais dos movimentos e nas plataformas da Justiça Eleitoral o resultado eleitoral das candidaturas desses movimentos sociais específicos e verificar a articulação no segundo turno, isto é, se eles colaboram eleitoralmente pelo sucesso de seus candidatos nas eleições proporcionais ou se utilizam outras estratégias.

Introdução: O movimentos sociais nas eleições de 2022

Os movimentos sociais influenciam a política de inúmeras maneiras para além da ação direta. Segundo Abers e Tatagiba, fazendo uma revisão de literatura, eles também participam da formulação de políticas públicas por meio de instituições participativas, atuam por dentro dos partidos políticos e influenciam o processo legislativo ao mobilizar petições públicas, participar de assessorias parlamentares e fazer lobby.

As eleições presidenciais de 2022 no Brasil colocaram os movimentos sociais no meio de uma disputa política completamente antagônica por conta dos candidatos que protagonizaram o pleito e foram ao segundo turno. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu apoio histórico de movimentos sociais que nasceram durante o processo de redemocratização do país com o fim da ditadura civil-militar em 1985 e que estiveram presentes nos mandatos do PT e na oposição aos governos subsequentes, de Temer e Bolsonaro.

Já o presidente Jair Bolsonaro (PL) possui um discurso, outrora presente nas eleições de 2018, avesso aos movimentos sociais, atrelando-os à desordem, à criminalidade e ao desrespeito a direitos individuais, como a liberdade e a propriedade. O maior exemplo disso é que Bolsonaro dedicou tempo de horário eleitoral gratuito para dizer que combateu o MST com a distribuição de títulos de terra. Em debates eleitorais, como o ocorrido na Rede Globo em 28/10/2022, Bolsonaro também acusou o ex- presidente Lula de compactuar com a “invasão de terras pelo MST”.

Ao mesmo tempo em que Bolsonaro atacou movimentos sociais propriamente ditos ou grupos que compõem importantes movimentos sociais, como negros, indígenas e LGBTQIA+, ele também não se articulou em novos movimentos ou organizações. Isto porque, primeiramente, Bolsonaro não constitui vínculos sólidos, seja com partidos, seja com movimentos. Quanto aos partidos, não atua através de agremiações consolidadas, tanto que se elegeu pelo PSL, até então um partido sem expressão nacional, em 2018, permaneceu sem partido durante o mandato e se filiou ao PL para disputar as eleições. Soma-se a isso o fato de que a comunicação de Bolsonaro com suas bases eleitorais ocorre através das vias diretas, sem intermediários, o que diminui a importância dos movimentos.

Por sua vez, os movimentos sociais progressistas, diante de um cenário em que foram combatidos, apresentaram duas estratégias complementares: a primeira consistiu em formar um amplo arco de alianças em torno da campanha do PT, mesmo que em outros momentos esses grupos estivessem em oposição; a segunda foi de lançar candidaturas próprias dos movimentos sociais (ABERS e TATAGIBA, 2022). Além dessas estratégias, há a ação direta inerente aos movimentos sociais, que concentraram o apoio à candidatura de Lula à presidência, em uma ampla coligação com dez partidos.

Com isso, passaremos a analisar os movimentos sociais que adotaram a estratégia de lançar candidaturas próprias para medir um possível sucesso eleitoral e como esses movimentos sociais atuaram no segundo turno das eleições.

Resultado eleitoral e articulação em segundo turno

Em um primeiro momento, é importante identificar movimentos sociais relevantes a nível nacional que lançaram candidatos a deputado estadual ou federal a nível nacional. O sucesso eleitoral dessas candidaturas podem ser capazes de medir a influência dos movimentos sociais perante o eleitorado e, portanto, o quanto eles podem contribuir eleitoralmente para os candidatos em segundo turno. Entretanto, faz-se a ressalva que, em alguns casos de sucesso eleitoral, como o MST, pode haver a transferência de votos do presidenciável para as candidaturas proporcionais.

O candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conta historicamente com o apoio de entidades sindicais, movimentos sociais e com a ala progressista da igreja católica, essencial na formação do partido no pós-redemocratização. Por conta disso, selecionamos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e o Movimento Negro Unificado (MNU), representando movimentos sociais históricos, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), representando o movimento sindical, e o Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), movimentos sociais mais recentes, para analisar as estratégias eleitorais, já que todos lançaram candidatos proporcionais.

No caso de Jair Bolsonaro (PL), pelos motivos elencados, percebemos que houve uma articulação de grupos em prol de sua candidatura em 2018, como o Movimento Brasil Livre (MBL), Nas Ruas (representado por Carla Zambelli), Revoltados Online (na época, por Alexandre Frota) e Movimento Escola Sem Partido (cuja deputada Bia Kicis é expoente), muitos deles relevantes na época do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016. No entanto, como foi demonstrado, Bolsonaro utiliza meios de comunicação direta com sua base eleitoral, diminuindo a importância dos movimentos como interlocutores. Os próprios deputados que advieram desses movimentos ganharam uma relevância maior do que os movimentos em si dada à adesão ao governo. Com isso, analisaremos somente o MBL, que elegeu deputados em 2018 e disputou as eleições de 2022 assim como movimentos progressistas.

O MST, fundado em 1984, pela primeira vez em sua história lançou candidatos próprios para os cargos proporcionais[79]. Foram ao todo 15 candidatos em 12 Estados diferentes, todos pela coligação Brasil da Esperança. Desses, o MST elegeu sete candidatos, sendo três deputados federais e quatro estaduais. Foram dois eleitos pelo no Rio Grande do Sul; quatro no Nordeste e uma no Sudeste, Marina do MST, a única candidata lançada na região, que foi eleita deputada estadual pelo Rio de Janeiro. Ao observar a geografia dos eleitos, enquanto Lula venceu na região Nordeste, perdeu no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. O MST foi relevante nas eleições principalmente por atuar dentro dos partidos, criando novas lideranças partidárias e engajando militantes nas eleições por conta da representação direta.

O MNU, movimento social fundado em 1978, tem histórico de disputa parlamentar, elegendo deputados em diversas ocasiões. Nas eleições de 2022, elegeu 12 deputados[80], sendo dois deles integrantes de mandatos coletivos[81]. Ao todo, foram cinco eleitos pelo PT e sete pelo PSOL. Houve uma concentração maior na região sudeste, com nove eleitos: quatro no Rio de Janeiro, dois em Minas Gerais, dois em São Paulo e um no Espírito Santo. Desses Estados, o candidato Lula somente venceu em Minas Gerais. Também há eleitos no Pará, Rio Grande do Sul e no Paraná, Estados em que o candidato adversário, Jair Bolsonaro (PL), venceu em primeiro turno.

A CUT, formada em agosto de 1983 em São Bernardo do Campo (SP), em dados divulgados, intitula-se como a maior central sindical do Brasil, da América Latina e a 5ª maior do mundo, com 3.806 entidades filiadas, 7.847.077 trabalhadoras e trabalhadores associados e 23.981.044 trabalhadoras e trabalhadores na base[82]. Nas eleições de 2022, para contrapor o que chama de “bancada patronal”, lançou 48 candidatos nas eleições legislativas a fim de fortalecer a representação da classe trabalhadora[83]. Enquanto movimento sindical, o papel mais importante da CUT nessas eleições foi o de combater a coação eleitoral cometida por empresários contra os funcionários, tão denunciado no segundo turno do pleito. A CUT desenvolveu uma plataforma de denúncia online dos casos[84].

O MTST, surgido em 1997 e, portanto, já fora do espectro da redemocratização assim como os demais citados, tem como principal liderança o deputado federal eleito em 2022 Guilherme Boulos (PSOL), candidato à presidência em 2018 e à prefeitura de São Paulo em 2020, chegando ao segundo turno das eleições. Boulos é coordenador nacional do MTST e foi o deputado federal mais votado do estado de São Paulo com mais de um milhão de votos, que também elegeu Ediane Maria deputada estadual[85]. O MTST participou ativamente da campanha de Lula em São Paulo, principalmente em locais periféricos onde o movimento desempenha sua atividade, promovendo passeatas e comícios com a presença de Boulos.

Outro movimento que pela primeira vez lançou candidatos próprios foi a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), fundada em 2005[86]. Em outros momentos já foram eleitos candidatos indígenas, mas que concorreram ao pleito sem essa articulação. Ao todo, a APIB lançou 30 candidatos em todas as regiões do país, oriundos de 31 povos diferentes com o intuito de “aldear a política”, em contrapartida ao governo Bolsonaro, que em 2018 prometeu não demarcar mais terras indígenas[87]. A APIB apresentou uma nova proposta de representatividade política com a eleição de duas deputadas federais[88].

O Movimento Brasil Livre (MBL), por sua vez, viu sua bancada diminuir em relação às eleições de 2018. Em 2018, a bancada do MBL elegeu ao todo quatro deputados federais, três deputados federais e dois senadores[89] através de diferentes partidos. Já em 2022 se restringiu a dois deputados, sendo um federal reeleito e um deputado estadual eleito em São Paulo[90]. Diferentemente de 2018, o MBL enquanto movimento não apoiou Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022 nem no segundo turno[91], ao passo em que Bolsonaro aumentou o número de parlamentares eleitos pelo seu partido.

Conclusão[92]

Conforme demonstrado, a estratégia eleitoral dos movimentos progressistas de lançar candidatos próprios nas eleições foi acertada, uma vez que obtiveram sucesso eleitoral com a eleição de parlamentares pelo MST, MTST, APIB e MNU, o que fornece novas lideranças para partidos políticos consolidados e impulsiona o apoio a candidatura de Lula (PT) à presidência. No caso de Bolsonaro, a opção por uma via direta junto à base eleitoral diminui a importância dos movimentos sociais como intermediadores. Além disso, movimentos sociais que romperam com o Bolsonarismo não tiveram sucesso eleitoral, como também houve esvaziamento de movimentos intermitentes, que nasceram no bojo das manifestações de 2013 ou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016, que elegeram candidatos em 2018 que adquiriram força própria e personalista com o atrelamento ao governo Bolsonaro.

[78] Advogado, pós-graduado em Direito Eleitoral pela PUC/MG e mestrando em Sociologia Política pelo IUPERJ/UCAM. É integrante do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM) e bolsista do Observatório Político e Eleitoral (OPEL).

[80] https://almapreta.com/sessao/quilombo/eleicao-de-militantes-do-mnu-significa-o- direito-por-construir-justica-no-brasil

[81] Candidaturas coletivas são uma modalidade de candidatura em que, embora uma pessoa se registre como candidata, há uma divisão do cargo, em que duas ou mais pessoas desempenham o mandato em conjunto.

[82] http://www.cut.org.br/conteudo/breve-historico

[83] http://www.redebrasilatual.com.br/politica/cut-lanca-48-candidatos-para-concorrer-

[84] https://www.cut.org.br/denuncia/eleitoral

[85] https://www.brasildefato.com.br/2022/10/03/boulos-marina-ediane-e-mais-saiba-quem-sao-os-deputados-eleitos-do-mst-e-do-mtst

[86] https://apiboficial.org/2022/08/29/apib-lanca-bancada-com-candidatos-indigenas- pela-primeira-vez/

[87] https://noticias.r7.com/brasilia/no-meu-governo-nao-foi-demarcada-terra-indigena- comemora-bolsonaro-29062022

[88] http://: https://apiboficial.org/2022/10/03/com-quase-500-mil-votos-candidatos-da-bancada- indigena-reforcam-luta-pela-demarcacao-de-territorios/

[89] https://politica.estadao.com.br/ao-vivo/eleicoes-2018-primeiro-turno/703424

[90] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/mst-elege-6-deputados-para-camara- e-assembleias-e-mbl-tem-2-vitorias.shtml

[91] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/10/rubinho-nunes-decide- apoiar-bolsonaro-mbl-diverge-e-vereador-deixa-o-movimento.shtml

[92] : ABERS, Rebecca Neaera; TATABIGA, Luciana. Os movimentos sociais e as eleições de 2020. In: INÁCIO, Magna; OLIVEIRA, Vanessa Elias de. Democracia e eleições no Brasil: para onde vamos? Hucitec Editora: São Paulo, 2022.

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