O Boletim #9 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

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Confira o texto abaixo!

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As sub-representadas e os sobre-representados: um levantamento da nova configuração da Câmara dos Deputados
Giulia Gouveia[57] e Tayná Lima Paolino[58]

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar os resultados das eleições de 2022 sob a perspectiva da representação política de mulheres na Câmara dos Deputados. Para isso, neste décimo boletim, visamos suscitar reflexões acerca da participação política institucional das mulheres e da persistente insuficiência das medidas reparatórias para expandir essa representação. Para tal estudo, foram utilizados dados retirados do portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Introdução

As mulheres expandiram sua representação na Câmara dos Deputados nas eleições de 2022, aumentando de 77 para 91 o número de deputadas eleitas, assim como vinha acontecendo nas últimas eleições proporcionais nacionais.

Todavia, também em consonância com o que foi observado nas últimas eleições, o aumento não foi explosivo, mas molecular, relegando mais uma vez às mulheres o status de sub-representatividade política.

Segue-se então que o caráter masculino e branco da elite política brasileira foi novamente evidenciado, apesar de alguns avanços constatados no âmbito da representatividade, como a eleição de mulheres indígenas, ampliação da bancada de mulheres negras e a eleição das primeiras deputadas federais trans.

Estes avanços na representatividade são importantes não somente para a democracia do país, mas também para os partidos políticos. Isto porque com a aprovação do EC 111/21 a contagem dos votos dados a mulheres e pessoas negras será em dobro para a distribuição dos recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral[59]. Logo, quanto mais votos o partido tiver recebido, maior será o recebimento de recursos desses fundos.

Neste sentido, no presente texto iremos analisar a nova configuração da Câmara dos Deputados sob a perspectiva das mulheres, avaliando os índices constatados e propondo reflexões em torno da persistente insuficiência das medidas reparatórias na legislação eleitoral.

A lacuna de deputadas na Câmara dos Deputados

O número de deputadas federais eleitas, que havia sido de 45 em 2010, 51 em 2014 e 77 em 2018, desta vez saltou para 91[60]. Este aumento representa um crescimento de 18% em relação à legislatura anterior, indicando uma ocupação de 17,7% de mulheres na Câmara dos Deputados, embora tenham sido 34,9% dos postulantes à Câmara[61].

Os resultados vão em direção contrária à média mundial, na qual a participação das mulheres nos parlamentos é cerca de 26,4%, segundo a União Interparlamentar (UIP)[62]. Se esta medida fosse aplicada ao Brasil, a bancada feminina na Câmara seria de 135 legisladoras.

Ao analisar as deputadas federais eleitas por estado, é possível observar discrepâncias na representatividade por estados da federação. Enquanto Amazonas, Alagoas, Paraíba e Tocantins não elegeram nenhuma mulher para ocupar as cadeiras da Casa, as deputadas federais mais votadas em oito estados e no Distrito Federal foram mulheres: Bia Kicis (PL/DF), Daniela do Waguinho (União/RJ), Caroline de Toni (PL/SC), Natália Bonavides (PT/RN), Yandra de André (União/SE), Silvye Alves (União/GO), Dra Alessandra Haber (MDB/PA), Socorro Neri (PP/AC), Detinha (PL/MA).

Outro fator interessante é que as legendas que mais elegeram mulheres foram o Partido dos Trabalhadores (PT), com 18 eleitas (19,7% da bancada feminina), seguido pelo Partido Liberal (PL), com 17 (18,6% da bancada feminina).

Destarte, é fundamental observar que os dois partidos que possuíam candidatos ao executivo com pautas antagônicas no campo dos direitos das mulheres foram os que mais elegeram mulheres para representar suas pautas no congresso.

Tais números podem refletir o fôlego que os partidos obtiveram por meio do embate dos protagonistas destas eleições: a disputa pela Presidência entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro, filiados, respectivamente, ao PT e ao PL.

Neste sentido, faz-se de suma relevância relembrar que, em 2018, quando Bolsonaro concorreu à Presidência pelo Partido Social Liberal (PSL) contra Fernando Haddad (PT/SP), a legenda bolsonarista elegeu 52 legisladores, face ao único deputado que ocupava uma cadeira na Casa em 2014. Assim, seu capital político foi responsável pela eleição da segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, atrás somente do PT, que elegeu 56 legisladores – quantidade inferior à 2014, quando 69 deputadas e deputados haviam sido eleitas/os.

Dessa maneira, novamente uma continuidade foi observada, tanto no âmbito dos legisladores eleitos, no geral, quanto em relação às mulheres. Haja vista que no ano de 2018, o PT foi também a legenda que mais elegeu mulheres, com 10 deputadas (aproximadamente 13% da bancada feminina), seguido pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com oito eleitas (10,4% da bancada feminina), e pelo PSL de Bolsonaro, com sete eleitas (9% da bancada feminina).

A liderança do PT neste âmbito pode ser explicada através da literatura da Ciência Política (ARAÚJO, 2005; PERISSINOTO; BOLOGNESI, 2009), que indica que legendas localizadas à esquerda seriam mais favoráveis à representação de mulheres, bem como estariam mais comprometidas com esta causa.

Mais do que isso, esses dados indicam uma continuidade entre o paradoxo do aumento da representação descritiva, caracterizada como a política de presença (PITKIN, 1972)[63], e a disputa pela representação substantiva, caracterizada como a política de ideias (PHILLIPS, 1995)[64]. Isto porque a ideologia bolsonarista está aliada a uma ideia essencializante do que é e deve ser a mulher, ligando-a a papéis de gênero pré- estabelecidos, enquanto as ideias do campo da esquerda compreendem a mulher fora de tais papéis, a representação substantiva política de mulheres tende a ser disputada mais uma vez na legislatura que se iniciará.

A despeito disso, como observado por Teresa Sacchet, Marcus Vinicius Chevitarese Alves e Danielle Gruneich no jornal Jota[65], os homens brancos, que representam 20,2% da população brasileira, ocuparão 311 cadeiras a partir da legislatura que se iniciará em 2023, indicando um total de 61% das cadeiras. Por seu turno, os homens negros, que representam 27,6% da população brasileira, ocuparão 21% das cadeiras na próxima legislatura.

Segue-se então que o status de sub-representação de mulheres é evidenciado, sobretudo quando consideramos que as mulheres representam cerca de 52% do eleitorado brasileiro e estarão suplantadas na Casa com 17,7% das cadeiras. Logo, enquanto as mulheres são sub-representadas politicamente, os homens brancos são sobre-representados na política institucional.

Ainda, segundo a pesquisa, ao relacionar a quantidade de eleitas com os dados demográficos brasileiros, é possível observar que as mulheres brancas compõem 22,5% da população e ocupam 11,3% das cadeiras. Já as mulheres negras, o maior grupo demográfico brasileiro, que representam 28,6% da população, ocuparão apenas 6% das cadeiras da Câmara.

Todavia, ao observar este aumento dentro do pequeno universo das eleitas, um crescimento é constatado: as mulheres negras, que no ano de 2018 representavam 17% das mulheres eleitas, agora representam 32%.

Além disso, outros grupos demográficos expandiram sua representação política institucional: foram eleitas quatro mulheres indígenas, face à eleição de uma única deputada federal indígena no último pleito – Joenia Wapichana (REDE/RR), indígena pioneira no cargo. Também foram eleitas duas mulheres trans para o cargo de deputadas federais pela primeira vez na história da democracia brasileira: Erika Hilton (PSOL/SP) e Duda Salabert (PDT/MG).

O capital necessário para trabalhar na capital

Dentre as deputadas federais eleitas neste ano, o jornal Folha de São Paulo identificou que 23% são esposas de políticos – ou seja, dentre as 91 eleitas, 21 possuem ou já possuíram ligação conjugal com homens que integram a política brasileira.

Daniela do Waguinho (União Brasil/RJ), a deputada federal mais votada do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é esposa de Waguinho, prefeito de Belford Roxo (RJ), utilizando em sua nomenclatura política o apelido de seu marido.

Isto porque uma rota comum para a inserção e permanência na política formal é o capital político familiar – entendido como o prestígio fornecido por um parente que possui trajetória política, contribuindo para a visibilidade daqueles que compartilham laços familiares ou conjugais -, especialmente em partidos de centro-direita e direita.

A utilização deste capital é importante também para o político, tendo em vista que, quando se ausenta de um espaço político institucional, é interessante que o poder continue a circular no âmbito familiar.

Neste caso, é possível observar mais um exemplo de filiados da União Brasil, desta vez no Ceará. Dayany do Capitão foi eleita deputada federal utilizando a alcunha de seu marido, o deputado federal Capitão Wagner, que estava disputando o governo do estado.

Mais do que isso, especialmente neste pleito, além do interesse familiar, a possibilidade de eleição de mais uma mulher é interessante também para a legenda, tendo em vista a nova legislação eleitoral em vigor.

Podemos citar ainda outros nomes de destaque neste âmbito, como Rosângela Moro (União Brasil/SP), esposa do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro (União Brasil/PR), uma das figuras centrais na prisão de Lula às vésperas do pleito de 2018; bem como Roberta Roma (PL/BA), esposa de João Roma (PL/BA).

Conclusão

A partir do exposto, é possível concluir que o caminho para uma expansão efetiva da representação de mulheres, que torne o campo legislativo brasileiro de fato mais igualitário, ainda é tortuoso.

Desde 2014, a cada novo pleito, pequenos avanços são constatados, seja no âmbito quantitativo ou qualitativo das deputadas federais eleitas. Embora possuam suma relevância, são ainda insuficientes para transformar a Câmara dos Deputados em uma instituição que reflita a composição da população brasileira.

Assim, indicam que as recentes alterações na legislação eleitoral não suscitaram um resultado satisfatório a partir da perspectiva da representação política de mulheres, possuindo resultado similar a todas as medidas anteriores, aplicadas desde a década de 1990 no país.

Mais do que isso, o fenômeno ocorrido em 2018 foi observado novamente em 2022: o passo dado para tornar a Casa mais igualitária em termos quantitativos não se reflete no campo das ideias. Em outros termos: apesar da representação descritiva, conhecida também como política de presença, ter aumentado, a representação substantiva de mulheres, conhecida também como política de ideias, permanece em disputa, uma vez que, novamente, o PT e o partido de Bolsonaro compuseram o pódio do maior número de deputadas federais eleitas. Neste sentido, permanecem na zona de risco os direitos políticos das mulheres que foram arduamente conquistados nas últimas décadas.

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[57] Bacharel em Relações Internacionais pela UFRRJ. Mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da UFRRJ. Bolsista CAPES. Atua como coordenadora adjunta do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM – UFRJ e PPGCS/UFRRJ), como assistente de coordenação do projeto Mulheres Eleitas e como pesquisadora da rede A Ponte.

[58] Cientista Política pela UNIRIO. Mestre em Ciência Política pela Unirio. Doutoranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRRJ. Bolsista CAPES. Atua como coordenadora adjunta no Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM – UFRJ e PPGCS/UFRRJ), pesquisadora da VIVA RIO e do Instituto Municipal de Informação e Pesquisa de Maricá – IDR.

[59] http://terapiapolitica.com.br/reforma-eleitoral-genero-raca-e-recursos/

[60] http://camara.leg.br/noticias/911406-bancada-feminina-aumenta-18-e-tem-2-representantes-trans/

[61] Ibidem.

[62] Ibidem.

[63] PITKIN, Hanna F. The Concept of Representation. University of California Press: California, 1972.

[64] PHILLIPS, Anne. The Politics of Presence. Nova York: Oxford University Press. 1995.

[65] http://jota.info/opiniao-e-analise/artigos/aumenta-diversidade-entre-mulheres-mas-percentual-de-eleitas- segue-baixo-07102022

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