Evangélicos na encruzilhada, por José Rebouças da S. Segundo
O Boletim #9 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
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Confira o texto abaixo!
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Deputados federais negros e eleitos em 2022: uma análise regional e partidária
José Rebouças da S. Segundo[22]
Resumo Esse texto faz parte da pesquisa de monitoramento eleitoral do OPEL sobre evangélicos e o papel da Igreja Assembleia de Deus no cenário político brasileiro. O objetivo deste boletim é discutir sobre o posicionamento político evangélico divergente, em oposição ao posicionamento hegemônico do segmento. Nas eleições de 2018 evangélicos foram compreendidos como um grande bloco formado por denominações que estavam alinhadas politicamente, mas esse cenário mudou nas eleições de 2022, com a polarização entre Bolsonaro e Lula, demonstrando uma cisão política no bloco. O resultado disso são repercussões sobre perseguições políticas a fiéis por parte das as instituições religiosas, como forma de influenciar o voto a favor de Bolsonaro. Levanto a hipótese de que novas formas de interlocução entre os espectros políticos esquerda e direita tem possibilitado uma variação do posicionamento evangélico, e ameaçado o posicionamento hegemônico de direita associado ao segmento. Retomo conclusões dos últimos boletins para refletir sobre a perseguição política nas igrejas pentecostais, reúno relatos encontrados na etnografia realizada em uma Igreja Assembleia de Deus em São Luís – MA e analiso a bibliografia especializada sobre o tema.
Introdução
Nos boletins anteriores levantei questões centrais para a compreensão do contexto político atual para o segmento evangélico: o primeiro construía a perspectiva de um discurso moral sobre política com base no posicionamento do segmento e em seu alinhamento com o espectro político de direita; o segundo procurou compreender o modo como fieis votavam com base em sua identidade religiosa; e o último repensava
o que significava ser de esquerda ou de direita para um indivíduo evangélico, ao mesmo tempo em que apontava para a situação de evangélicos que divergiam do voto. Busco apresentar a situação de interlocutores com os quais estabeleci relações de proximidade durante a pesquisa etnográfica que estão situados no meio da encruzilhada direita, esquerda, cristão e não cristão. Para isso, apresento relatos do campo e escondo a identidade dos interlocutores afim de não prejudica-los, e em seguida associo as teorias sobre o segmento. O resultado do boletim é um grito para chamar atenção da diversidade de posicionamentos evangélicos e da necessidade de comunicação com essa população, como forma de garantia da democracia.
Pastor esquerdista, sussurros e stories
Foi um domingo de outubro do ano de 2019, em uma Igreja Assembleia de Deus na cidade de São Luís do Maranhão. Eu fazia pesquisa etnográfica ali há dois anos e tinha acabado a graduação em Ciências Sociais. Cheguei a Congregação para retomar a pesquisa e elaborar o meu projeto de mestrado. Estacionei o carro no pátio da Igreja e desci com minha companheira em direção aos jovens que estavam na entrada do prédio comercial, onde fica a Congregação. Estavam reunidos próximos a uma tenda, onde vendiam camisetas do projeto proselitista. Faziam cultos duas vezes por mês, aos sábados alternados, em praças públicas de regiões abastadas da cidade.
Aproximei-me dos jovens com quem fiz amizade durante esses anos e estava mais interessado no projeto proselitista do que no culto. Preferi conversar com eles já que, como de costume, estava atrasado para ouvir a Palavra desde o início. Uma das garotas que estavam lá disse que me viu na colação de grau do meu prédio, o Centro de Ciências Humanas, da Universidade Federal do Maranhão. Lembrei que fui orador da turma de graduação em Ciências Sociais e que no final do juramento gritei “Fora Bolsonaro!”. A plateia dividiu-se em apoios e vaias. Pensei: “Será que foi uma indireta? E se foi, ela apoia ou discorda? Será que isso vai afetar a pesquisa?”.
Chamaram-nos para a frente do púlpito. O Pastor requisitava os jovens para uma oração. Afoito, entrei sem saber do que se tratava. Quando nos posicionamos, o Pastor segurava o microfone com uma mão enquanto punha sua outra mão sobre nossas cabeças. Ele orou e disse: “cuidado com ideologias marxistas e teorias esquerdistas!” (sic). Na semana anterior um Pastor de uma Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro havia sido convidado para ministrar o Culto de Jovens no sábado à noite e o Ensino Bíblico Dominical. Durante o culto de sábado alguns fiéis retiraram-se quando perceberam seus “ideais esquerdistas”, em especial quando falou sobre pautas como aborto e crianças em situação de rua. O Pastor convidado comentou durante o culto “estou sendo boicotado por não apoiar o Bolsonaro”.
Em março de 2022 houve um aniversário em uma pizzaria de uma jovem da Igreja. Sentei-me no ponto extremo da mesa onde estavam interlocutores com os quais eu ainda não tinha intimidade. O pai da aniversariante apareceu na outra ponta e alguém comentou “nossa, como ele parece com o Bolsonaro”. Os jovens ao redor reviraram os olhos e Ingrid falou baixinho “cruz credo”. Sussurramos falando dos últimos anos três anos: a cloroquina, os 600 mil mortos, o preço da gasolina e a inflação. Alguém alertou “falem baixo, o Pastor pode ouvir”.
Era fevereiro de 2022, e eu havia convidado um casal de amigos da Congregação para uma entrevista, em uma outra pizzaria. Quando chegaram, Ricardo disse como estavam felizes por finalmente sairmos, já que marcamos tantas vezes que não aconteceram. Daniela me abraçou, disse que estava com saudade, sentou-se e falou espontaneamente “fora Bolsonaro! Tu é fora Bolsonaro também né?”. No mesmo ritmo, ela disse: “lá em casa só meu pai é a favor do Bolsonaro, mas a gente tem que ficar quieto pra não causar confusão. Às vezes eu tô na aula online e alguém fala fora Bolsonaro e eu tenho que baixar o volume do computador pra papai não ouvir”.
Eu estava olhando o Instagram, em outubro de 2022, quando vi uma das minhas primeiras amizades na Congregação compartilhando um vídeo em que pentecostais oravam por Bolsonaro. Na legenda dos stories havia um protesto “estão trocando Deus por Bolsonaro”, respondi curioso e ele prontamente disse: “se eu fui pentecostal um dia não me lembro” (sic). Contou-me que saiu da Igreja Assembleia de Deus e que agora faz parte de uma Igreja Tradicional há mais ou menos um ano.
Questões vem a mim enquanto escrevo esse boletim. Como estão os pentecostais que não apoiam Bolsonaro? Como lidam com a pressão da Igreja? Decidi ligar para uma amiga da Congregação com quem converso sobre política. Ela me conta sobre a pressão que tem passado, diz que não concorda com Lula e nem com Bolsonaro, e que se recusa a apoiar alguém com quem não se identifica. Por um lado, as pessoas da Igreja tem colocado sua fé em questão, a ponto de ela se perguntar: “será que estou deixando de exercer meu papel como cristã?”; por outro, as pessoas do lado oposto tem agido com desdém e preconceito, a ponto de ela ter que se explicar quando diz que é evangélica. Ela comenta: “Sou evangélica mas não apoio o que tá acontecendo. Eu fico constrangida.
A galera que é evangélica te julga por não apoiar o Bolsonaro, e a galera que não é evangélica te julga por ser evangélica”. Ela também comenta sobre chaves teológicas que estão sendo usadas para compreender política, em especial as partes do livro de Apocalipse 13 – o número da besta, e Apocalipse 22 – o último capítulo que fala sobre o arrebatamento. Para ela, a demarcação da luta política fica clara por associarem Lula (PT) ao demônio e Bolsonaro (PL) à salvação. Essa chave de leitura é reflexo da própria noção teológica de Batalha Espiritual inaugurada pelo Neopentecostalismo, que expande noções religiosas ao cotidiano do fiel, e mais especificamente a política.
Na encruzilhada
Os relatos acima demonstram o posicionamento divergente de interlocutores com os quais estive durante a etnografia. Eles denotam sobretudo formas de dissonantes dentro de um posicionamento hegemônico construído nas eleições de 2018 em que então candidato eleito Jair M. Bolsonaro contou com o apoio maciço de evangélicos. O que mudou durante esses quatro anos tem a ver com a insatisfação desses indivíduos com o governo e uma percepção da polarização.
Esse cenário conflituoso foi abordado por uma matéria da BBC News[23] como um retrato complexo do segmento evangélico que agora não se manifesta como um bloco. Juliano Spyer[24], em seu livro Povo de Deus, e Jaqueline M. Teixeira[25], em uma entrevista dada a BBC News, observam a comunicação entre setores de esquerda e evangélicos como uma forma de saída da polarização. Por sua vez, o Partido dos Trabalhadores fez uma Carta Compromisso endereçada a evangélicos e assinada pelo candidato Lula, que reforça a ideia de liberdade religiosa e desmistifica os boatos que correm entre as Igrejas de que em caso de vitória, o então candidato fecharia as Igrejas. É importante salientar o papel da Igreja para esses indivíduos, que muitas vezes é o círculo social de apoio, e por isso o posicionamento das lideranças desempenha certo protagonismo.
Essa interlocução é observada aqui como uma forma de embaralhar o jogo político da polarização e, portanto, fortalecer os pilares da democracia no país. Esses interlocutores se encontram em uma posição complexa, na qual se veem entre escolher o seu papel como cristãos (votar em Jair M. Bolsonaro) ou optar por caminhos tangenciais (sussurrar, esconder seu posicionamento, ou sair da Igreja).
Considerações finais
Este texto retoma algumas conclusões de boletins anteriores e reúne relatos a etnografia para compreender a atual perseguição de fiéis pelas instituições religiosas que são congregados. O resultado desse cenário complexo é por um lado a pressão dessas instituições religiosas sobre o voto dos fiéis, em compasso com a vulnerabilidade dessas instituições quando novas formas de comunicação com o segmento se estabelecem. Isso significa que os caminhos para o fortalecimento da democracia brasileira passam por retomar o diálogo com o segmento evangélico pentecostal.
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[22] Bacharel em Ciências Sociais e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Desenvolve pesquisa etnográfica com evangélicos da Igreja Assembleia de Deus e sociabilidades pela cidade de São Luís- MA. Colaborador voluntário do NUDEB.
[23] https://www.youtube.com/watch?v=kRq4P6APu1Q
[24] SPYER, Juliano. O Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam. – São Paulo: Geração Editorial, 2020.