O Boletim #6 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No décimo primeiro texto “As entrevistas de Lula e Bolsonaro no Jornal Nacional: uma análise comparativa”, a graduanda em Ciências Sociais Luísa Pinheiro analisou as entrevistas dos candidatos Lula e Bolsonaro no Jornal Nacional. 

Confira o texto abaixo!

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As entrevistas de Lula e Bolsonaro no Jornal Nacional: uma análise comparativa
Luísa Antunes Pinheiro[110]

Resumo Nos dias 22 e 25 de agosto de 2022, os dois candidatos à presidência com as maiores intenções de voto, Bolsonaro e Lula, foram ao Jornal Nacional para uma entrevista, que marcou o início das campanhas eleitorais oficiais. No boletim desse mês, o intuito de nossa pesquisa, que possui como eixo central as mídias, foi se debruçar sobre essas entrevistas, uma vez que seu alcance impacta de forma massiva a população brasileira. Analisamos as mudanças no comportamento do candidato Jair Bolsonaro em comparação à sua entrevista de 2018, a retomada de Lula a esse espaço de comunicação com a população brasileira e as escolhas da Rede Globo na condução de cada uma das duas sabatinas.

No dia 22 de agosto de 2022, Bolsonaro retornou ao estúdio do Jornal Nacional para sua entrevista como candidato à reeleição. Porém, em sua última entrevista ao programa, em 2018, sua postura foi diferente da percebida agora. Essa dissemelhança condiz com a forma como o candidato vem construindo sua campanha. Conforme constatado no nosso segundo boletim[111], nessas eleições, Bolsonaro está com uma postura menos combativa em diversos aspectos, principalmente na sua relação com as mídias tradicionais. Afinal, após seus feitos como presidente, sua rejeição está muito maior e para conquistar o eleitorado que precisa para se reeleger, ele depende das mídias tradicionais para furar a bolha de sua base mais sólida.

Antecedentes: relembrando Bolsonaro em 2018

Em 2018, sua campanha foi realizada de forma massiva nas redes sociais e com diversos ataques à grande imprensa. Na entrevista do Jornal Nacional realizada naquele ano, ao ser perguntado sobre a questão da homofobia no Brasil e sua postura perante esse assunto, Bolsonaro invocou um dos pilares de sua campanha: a moralidade da família brasileira que afirmava tentar resguardar. Enquanto Renata Vasconcellos ainda falava, o candidato abria um livro sobre educação sexual para crianças de 11 a 15 anos, que ele mostrou para o público durante a sua resposta. O livro, que ficou conhecido através da forte propaganda bolsonarista como “kit gay”, foi tema de uma das principais fake news que circulou na época, e que retornou agora com a aproximação das eleições de 2022[112]. Assim que Bolsonaro começou a falar sobre o livro em sua resposta, Bonner pediu que o guardasse, pois mostrar qualquer tipo de documento feria as regras da entrevista. Depois de insistir e ser interrompido pelos dois apresentadores, o candidato afirmou que iria então mostrá-lo posteriormente em uma live, e em seguida acrescentou que fez uma publicação sobre ele em seu Facebook, que chegou a 40 milhões de acessos em 15 dias. Além desse desconforto na entrevista, outro momento foi marcante: ao ser perguntado sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil, Bolsonaro chegou a questionar o salário de Renata Vasconcellos, dando a entender que ela recebia menos que Bonner ainda que eles ocupassem, ao seu ver, cargos iguais.

Após a exibição da entrevista, Bolsonaro publicou em suas redes sociais uma postagem com uma foto sua segurando o livro com a seguinte afirmação: “um dos livros que ensinavam sexo para crianças nas escolas que a Globo não quis mostrar”[113]. Essas ações de Bolsonaro demonstram a forma como sua campanha se estruturou em 2018: ele atacava a grande imprensa e influenciava seus seguidores a se informarem nas redes sociais, onde ele poderia se expressar com mais “liberdade”. A imprensa formal foi tratada como inimiga ao longo de toda a campanha. No mês das eleições, os ataques de Bolsonaro chegaram a um número de dez por semana, contabilizando ao todo 45 ataques apenas em outubro e 129 de janeiro à novembro[114].

Mudanças na postura de Bolsonaro

Em 2022, o ataque à imprensa não parece mais ser viável para Bolsonaro, que ao final da entrevista do dia 22 de agosto no Jornal Nacional, disse que ficaria horas com os apresentadores[115]. Porém, a postura que antes era combativa, hoje parece se manifestar em forma de deboche. A tensionada relação do presidente com essas mídias se revela como mais contida em 2022. Assim como em 2018, após a entrevista, o candidato fez uma publicação em suas redes comentando sobre o ocorrido: “Foi uma enorme satisfação participar do pronunciamento de William Bonner Kkkkk. Na medida do possível, com muita humildade, pudemos esclarecer e levar

algumas informações que raramente são noticiadas em sua emissora. Pela paciência e audiência, o meu muito obrigado a todos!”[116]. Bolsonaro diz que foi uma satisfação participar da entrevista, ao passo que debocha ao chamá-la de “pronunciamento de William Bonner” e comenta que esclareceu fatos pouco tratados pela emissora, crítica semelhante à feita em 2018 quando foi às redes após a entrevista revelar o que “a Globo não quis mostrar”. Bolsonaro mobiliza seu eleitorado contra a imprensa a partir da sua noção de liberdade, que inclusive aparece agora em 2022 no lema colocado em sua foto de capa no Twitter: “Deus, pátria, família e liberdade” – lema da Ação Integralista, movimento político de inspiração no fascismo italiano.

Ainda que em clima de moderação, para os parâmetros bolsonaristas, a liberdade, tema caro ao candidato, apareceu por diversas vezes em suas falas durante a entrevista do dia 22 de agosto. Quando perguntado sobre a defesa de atos inconstitucionais pelos seus apoiadores, como o fechamento do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro disse que via isso como a manifestação de suas liberdades de expressão. No tópico da pandemia, o presidente argumentou também em favor da liberdade dos médicos de clinicar, e neste momento, demonstrou seu incômodo com a imprensa, que segundo ele, os desautorizou em seu exercício de autonomia. Mais tarde, Bolsonaro também se manifestou em suas redes sobre as questões levantadas frente sua postura diante da pandemia, argumentando novamente que protegeu os cidadãos brasileiros ao defender a autonomia médica, ao contrário daqueles que mandaram ficar em casa, pois, para ele, estes foram os que desprezaram a vida[117]. Durante a sabatina, na tentativa de fazer essa defesa, reproduziu essa mesma fala, que segundo ele era baseada em um estudo de Nova Iorque. Essa foi apenas uma das quatro inverdades que contou sobre a sua atuação na pandemia, e uma das 13 informações falsas ou enganosas que disse no total durante a entrevista[118].

Em termos de Fake News, ao comparar as duas entrevistas, é possível notar que, nesse aspecto, Bolsonaro não se conteve. Pelo contrário, em 2018 as informações falsas ou enganosas contadas por ele chegaram a cerca de cinco, menos da metade do número deste ano[119]. Entretanto, apesar da forte presença das fake news em seu vocabulário, uma das estratégias de sua campanha tem sido reverter tal fama ao declarar como fake news às denúncias feitas sobre ele, seu mandato e seus filhos. Esse movimento apareceu na primeira resposta de Bolsonaro na entrevista de 2022, quando ao ser perguntado sobre suas constantes ameaças à democracia brasileira, a primeira frase que disse em resposta foi: “você não está falando a verdade quando fala “xingar ministros”. Não existe. Isso não existe, é um fake news da sua parte”. Em seguida, Bolsonaro deu continuidade a sua fala com seus questionamentos sobre a integridade do processo eleitoral, que são suas justificativas para as ameaças antidemocráticas. Neste momento, lançou mão de duas informações enganosas para desenvolver seu argumento, além da que já havia emitido quando declarou que Bonner estava mentindo sobre o xingamento de ministros.

A retomada de um espaço de fala de Lula

Em contrapartida, ao passo que Bolsonaro evitou suas clássicas frases inescrupulosas, Lula, em sua entrevista realizada no dia 25 de agosto, tocou em diversos assuntos de modo mais confiante. Segundo ele, pela primeira vez estava tendo a oportunidade de conversar com o povo brasileiro sobre assuntos pelos quais vinha sendo massacrado há anos[120]. A entrevista começou com uma pergunta de Bonner sobre corrupção precedida por uma ressalva com a constatação do fato de que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o ex-juiz Sérgio Moro parcial e que, com a anulação deste e outros processos, Lula já não deve mais nada à justiça. Esse adendo, de extrema importância para a campanha de Lula que vem

combatendo a narrativa de corrupção associada ao candidato e ao Partido dos Trabalhadores (PT), é também sintomático no que tange à postura da emissora frente a esses fatos neste momento. Como vimos no primeiro boletim, a Rede Globo, por diversas vezes, fomentou esse estigma sobre Lula, principalmente ao tratar do assunto de maneira desproporcional em comparação a outros partidos e candidatos.

Apesar de tamanha proporção da associação de Lula e do PT à corrupção, Lula começou sua resposta com aparente tranquilidade, dizendo que achou importante Bonner ter iniciado a sabatina com esse assunto. Ao ser perguntado sobre o escândalo do petrolão, Lula comentou sobre a atuação da imprensa em casos de corrupção: “O que acontece é que, aqui no Brasil, Bonner, nós temos um problema sério: é que as pessoas são condenadas pelas manchetes de jornais, e depois não se volta atrás.” Ainda que tenha expressado esse incômodo, Lula pontuou que acredita na imprensa livre como essencial no combate à corrupção. O ex-presidente também argumentou que os casos apareceram em seu governo pois foi incentivado esse tipo de investigação, o que ele prometeu manter, ao declarar que continuaria comprometido com o combate à corrupção.

Neste momento, com seus acenos à imprensa, Lula se contrapôs à postura antidemocrática de Bolsonaro. Além de se colocar a favor da liberdade da imprensa, disse também que gostaria de ser convidado pelos apresentadores para ir ao Jornal Nacional uma vez ao mês checar os acontecimentos do país, caso fosse eleito. Mais uma vez, o candidato se contrapôs a Bolsonaro ao referenciar os decretos de sigilo de cem anos de seu governo e afirmar que “a corrupção só aparece quando você governa de forma republicana”. Para além das estratégias utilizadas por Lula e Bolsonaro em suas entrevistas, cabe também ressaltar a forma como os entrevistadores conduziram cada uma delas.

As escolhas do Jornal Nacional

A primeira pergunta feita para Bolsonaro demonstrou a clara relevância dada pela Globo ao golpe que Bolsonaro ameaça dar. Além disso, ele foi questionado sobre suas estratégias futuras para a economia, sobre as políticas de desregulamentação das leis ambientais e do desmatamento da Amazônia, sobre suas contradições na relação com o Centrão, sobre os casos de corrupção em seu governo, sobre os quatros ministros que passaram pelo ministério da Educação em seu governo, sobre sua postura frente à pandemia do Covid-19 e sobre sua relação com a Polícia Federal. Entretanto, o presidente não foi questionado sobre os 33 milhões de brasileiros passando fome, mesmo quando disse que “Os números da economia são fantásticos levando-se em conta o resto do mundo”.

Apesar de a postura antidemocrática de Bolsonaro e seus eleitores ter sido questionada, a pergunta sobre a agressividade da militância e do acirramento da polarização foi feita para Lula, que também teve que responder sobre o papel que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparia em seu governo caso fosse eleito. Além disso, Lula foi questionado como contraditório enquanto democrata pela sua posição de respeito à soberania de outros países, principalmente no que tange às “ditaduras latino-americanas de esquerda”. As outras perguntas que respondeu foram sobre corrupção, sobre sua escolha para o procurador-geral da República, sobre o Mensalão e o orçamento secreto, sobre a aceitação de Alckmin pelos militantes do PT, sobre o afastamento do agronegócio relacionado a sua relação com o MST e sobre seus planos para lidar com a economia, pergunta seguida de uma outra ainda no tema que objetivava questionar se o candidato iria seguir a “receita petista” de seus próprios mandatos ou da ex- presidente Dilma Rousseff.

Considerações Finais

Por fim, em uma análise comparativa das duas entrevistas, é possível afirmar que a estratégia adotada por Lula foi mais bem sucedida do que a de Bolsonaro. O atual presidente, ao adotar uma postura mais contida em comparação à 2018, parece ter menos resposta de sua base, que se identifica com as falas normalmente acaloradas do candidato. Além disso, suas respostas em maioria sustentadas por informações falsas não pareceram lhe favorecer. Nas redes sociais, a entrevista de Lula gerou mais engajamento que a de Bolsonaro e Ciro somadas, e ao passo que Lula teve 48% das menções positivas contra 52% negativas, Bolsonaro teve 35% positivas, contra 65% negativas121.


[110] Graduanda em Ciências Sociais na UFRJ e Pesquisadora do Observatório Político Eleitoral (Opel).

[111] https://observatoriodoconhecimento.org.br/a-campanha-bolsonarista-na-midia-tradicional-por-luisa-antunes-pinheiro/

[112] https://extra.globo.com/noticias/brasil/fake-news-sobre-kit-gay-volta-circular-um-mes-meio-da-eleicao-25559531.html

[113] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/08/21/interna_politica%2C1388015/bolsonaro-no-jornal-nacional-em-2018-atrito-com-renata-e-criticas-a-globo.shtml

[114] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/ataques-de-bolsonaro-a-imprensa-chegaram-a-dez-por-semana-no-fim-da-campanha.shtml

[115] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/08/22/integra-jornal-nacional-entrevista-bolsonaro.htm

[116] https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1561886323870400515

[117] https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1561899185175232516

[118] https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/bolsonaro-1-mentira-3-minutos-jornal-nacional/

[119] https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2018/08/29/veja-o-que-e-fato-ou-fake-nas-entrevistas-de-jair-bolsonaro-para-o-jornal-nacional-e-para-o-jornal-das-dez.ghtml

[120] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/08/25/integra-jornal-nacional-entrevista-lula.htm

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