União contra o autoritarismo: cartas e manifestos em defesa da democracia brasileira, por Nathália S. Ribeiro
O Boletim #6 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No segundo texto “União contra o autoritarismo: cartas e manifestos em defesa da democracia brasileira”, a Cientista Política e mestranda em Ciência Política Nathália Julia apresenta as cartilhas e manifestos a favor da democracia brasileira, além de discutir o significado desse tipo de organização à democracia.
Confira o texto abaixo!
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União contra o autoritarismo: cartas e manifestos em defesa da democracia brasileira
Nathália S. Ribeiro [3]
Resumo
O presente texto faz parte da pesquisa de monitoramento eleitoral e tem por objetivo apresentar as cartilhas e manifestos a favor da democracia brasileira. Nessa sexta edição, partimos do pressuposto de que diversos grupos ideológicos e de interesse vêm se reunindo com o intuito de reforçar as instituições e a sociedade civil contra ameaças e incitações de ruptura do sistema democrático de Direito por parte de Jair Bolsonaro. A análise foi produzida a partir de matérias de jornais de grande circulação, discursos do presidente da República e cartas e manifestos em prol da democracia.
Contexto de ameaça à democracia
A gestão do governo Bolsonaro agride o sistema brasileiro desde o início de seu mandato em 2019. A democracia contemporânea tem como princípio ser o governo de todos, o que significa, entre outras coisas, salvaguardar os direitos fundamentais dos indivíduos, principalmente, o direito à vida, à liberdade de expressão e à propriedade. As falas e ações do presidente vão de encontro às balizas do sistema democrático de direito ao desrespeitar a garantia e a preservação dos direitos individuais e fundamentais dos cidadãos, além do curso regular de eleições.
Apesar de ferir o sistema no seu todo, pode-se observar que Bolsonaro frisou seus ataques à democracia liberal em quatro princípios fundamentais: liberdade de imprensa, independência do Judiciário, liberdade individual e eleições livres, competitivas e justas.
Com relação à liberdade de imprensa, as falas do chefe do Executivo demonstram que ele culpabiliza as mídias tradicionais pela desinformação social, além de propor o fechamento da imprensa brasileira. “Se for para punir fake news com a derrubada de páginas, fecha a imprensa brasileira, que é uma fábrica de fake news. Em especial, O Globo, Folha[4].”
A postura do presidente representa um forte caráter autoritário e de risco à democracia brasileira, pois a garantia de veículos de informação e comunicação possibilita a formação de indivíduos conscientes dos acontecimentos do meio político e do seu cotidiano, tornando a tomada de decisões dos cidadãos racionais e autônomas.
Quando se trata das investidas contra à liberdade individual, os discursos do representante enfatizam mais a ideia e submissão de um governo cristão no Brasil. A exemplo temos o próprio lema da campanha e gestão atual: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
A construção de um Estado religioso vai na contramão da consolidação de um sistema democrático, pois as políticas públicas não deveriam ser baseadas na fé privada. Portanto, é ideal que o Estado não construa projetos de governos religiosos para, assim, viabilizar a liberdade de crença e prática religiosa.
Apesar de se manifestar contra o Supremo Tribunal Federal (STF) desde o início de seu mandato, evocando pedidos inconstitucionais do fechamento da Corte e da prisão de ministros, os últimos ataques de Bolsonaro ao Poder Judiciário vem se vinculando às suas investidas contra as eleições presidenciais e as urnas eletrônicas. O chefe de governo alega que a fraude eleitoral está no próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), portanto, aponta ser necessário o uso das Forças Armadas e do voto impresso para fortalecer a fiscalização e a confiabilidade das eleições. Além de cogitar não reconhecer o resultado do pleito caso venha a ser derrotado.
Movimentos em defesa do Estado Democrático de Direito
Em busca de defesa e proteção da democracia brasileira, cidadãos, instituições e setores da sociedade têm se reunido com o objetivo de manifestar sua defesa do sistema e se opor a Bolsonaro. As declarações são feitas, principalmente, como respostas às falsas acusações do presidente contra o sistema eleitoral e sua ameaça de golpe caso perca o pleito.
Diversos grupos apresentaram suas cartas e manifestos a favor da democracia. O Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil (Demos[5]) apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU) duas petições denunciando os ataques de Bolsonaro a instituições democráticas como o Judiciário e, principalmente, a disseminação de desinformação por parte do chefe do executivo, além de um pedido de auxílio para investigar e denunciar as ofensas por parte do presidente. As cartas foram subscritas por diversos acadêmicos e grupos de pesquisa. O Observatório pede para que seja realizada uma visita ao Brasil com o intuito de mapear os ataques de Bolsonaro, além de solicitar ao governo as medidas adotadas em resposta às investidas do presidente. O Partido dos Trabalhadores (PT)[6] também apresentou manifestos em defesa da democracia, estes destinados a setores específicos da sociedade, como advogados, africanistas, professores, entre outros.
Apesar das variadas cartas divulgadas, a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito[7], criada pela Faculdade de Direito de São Paulo (USP) e lida em grande parte das universidades públicas e privadas do país, foi a que mais gerou impacto e relevância no Brasil. Reunindo mais de 1 milhão de assinaturas[8], a carta, inspirada no manifesto de 1977 em repúdio à ditadura militar, busca reagir às investidas golpistas do Chefe de Governo e reforçar o funcionamento das instituições brasileiras e das urnas eletrônicas.
Um dos grandes feitos da carta foi a união de assinaturas de figuras importantes e instituições de diferentes espectros ideológicos[9], como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES) e o Movimento Mulheres pela Democracia, além de antigos apoiadores de Bolsonaro como a Federação dos Bancos (Febraban) e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). A manifestação também contou com o apoio da maioria dos senadores e deputados[10], apesar da declaração contrária do presidente e de seus apoiadores que diziam não entender a necessidade do movimento: “Quem está contra a democracia no Brasil? Nós somos pela transparência, a legalidade. Nós respeitamos a Constituição. Não percebi esta petição”[11].
A Fiesp, além de apoiar a carta-manifesto proveniente da Universidade São Paulo, divulgou uma na qual exalta a soberania popular e a funcionalidade do sistema de justiça brasileiro, instituição intensamente atacada por Bolsonaro. Pode-se considerar que um importante feito dessa manifestação foi a junção de pelo menos 8 organizações do agronegócio[12], um dos principais pilares da atual gestão.
Resposta bolsonarista
Reagindo à Carta aos Brasileiros e Brasileiras em defesa da democracia, advogados pró-Bolsonaro, autoproclamados de Movimentos dos Advogados de Direita (ADBR), organizaram uma manifesto em defesa das liberades individuais e fundamentais[13], com ênfase na liberdade de expressão.
O objetivo desta carta é repudiar o que eles chamam de “ditadura do pensamento único” e as ações do Supremo com relação ao inquérito das fake news e a ordem de prisão ao deputado bolsonarista Daniel Silveira[14] (PTB). Tais advogados entendem que essas medidas atingem a liberdade de expressão, com o intuito censurar opiniões contrárias à esquerda, principalmente aquelas anti-petistas.
O advogado Paulo Maffioletti se refere à carta como a “nova declaração de independência do Brasil[15]” em defesa da liberdade. No entanto, vale ressaltar que um dos valores primordiais da democracia é o equilíbrio entre a vontade do povo e a liberdade individual. Consolidando esse equilíbrio, o Poder Judiciário tem por função garantir, em nome das leis constitucionais, que nenhum direito ou instituição seja atacado por terceiros de modo que fira os valores democráticos. Esse, portanto, é um dos princípios básicos de qualquer democracia liberal que legitima o Judiciário agir contra as fake news e o deputado petebista.
Considerações finais
Os recentes ataques do presidente Jair Bolsonaro à democracia vêm pondo em xeque a estabilidade, e até mesmo a existência, do sistema político brasileiro. No entanto, é de grande relevância a união de diversos segmentos sociais, políticos e ideológicos em defesa do sistema democrático de direito durante esse atual período de ameaça. Essas organizações representam um sinal de reforço às instituições e de oposição ao autoritarismo.
Apesar de ser saudável ao sistema democrático a diversificação do debate de ideias e projetos de governo, não se pode considerar natural e aceitável a discussão referente à existência ou não da própria democracia. De tal forma, esses movimentos e organizações demonstram que a conjuntura atual é de fato de preocupação quanto ao futuro do país. Em resposta às ameaças golpistas de Bolsonaro, apesar das divergências, diversos grupos da sociedade civil se unem em prol de um bem maior: a defesa da democracia brasileira.
[3] Cientista política, mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e pesquisadora do Observatório Político e Eleitoral (OPEL).
[4] https://www.youtube.com/user/jbolsonaro
[5] https://images.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/demos-peticao-portugues.pdf
[6] https://pt.org.br/manifestos-em-defesa-da-democracia/
[9] https://www.cartacapital.com.br/politica/veja-quem-ja-assinou-a-carta-em-defesa-da-democracia/
[14] O esclarecimento da ordem de prisão do deputado pode ser acessado através do link: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=485660&ori=1