“Irmão vota em irmão”, por José Rebouças da S. Segundo
O Boletim #5 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
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Confira o texto abaixo!
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“Irmão vota em irmão”
José Rebouças da S. Segundo[28]
Resumo Esse texto faz parte da pesquisa de monitoramento eleitoral do NUDEB sobre evangélicos e o papel da Igreja Assembleia de Deus no cenário político brasileiro. Este boletim tem como objetivo continuar a análise sobre discursos políticos cristãos da Igreja Assembleia de Deus e analisar a forma em que essa população tem compreendido e dado significados a política a partir desses discursos. Observar o discurso evangélico sobre política nos dá pistas sobre o modo como ela tem sido compreendida pelo segmento. Levanto a hipótese de que, por mais que lideranças evangélicas assembleianas tenham disseminado discursos que aparentam representar o segmento, existem diferentes tipos de camadas de compreensões que precisam ser avaliadas quando analisamos o segmento do lado dos fiéis. Para essa análise, retomo conclusões do boletim anterior, trago dados recolhidos da pesquisa etnográfica iniciada em 2017 em São Luís – MA em uma Igreja Assembleia de Deus e analiso a bibliografia sobre o tema.
Introdução
A Igreja Assembleia de Deus (IAD) é, em boa parte, responsável por um discurso moral cristão sobre a política partidária [28]. Ao analisar o canal da rede social digital Youtube de Silas Malafaia, que reúne vídeos de até três minutos, pude perceber padrões de discurso sobre política que possuem argumentos centrais: a defesa da pauta contra a corrupção, ataques ao Partido dos Trabalhadores, a defesa do presidente Bolsonaro, ataques à imprensa, apresentada como esquerdista. Com a saudação “povo abençoado do Brasil” no início de seus vídeos, o líder pentecostal consegue evocar pautas complexas sob a “identidade cristã”. Da mesma forma, existem outras figuras relevantes no jogo político partidário religioso que representam o bloco evangélico e o sugerem enquanto unidade. É o caso da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), que tem agido no embate a pautas progressistas geralmente relacionadas aos movimentos LGBTQIA+ e feministas. Alguns exemplos de pautas criticadas pela FPE são a legalização do direito ao aborto e a educação sexual nas escolas, que caracterizam um perfil de uma “política cristã”.
O que é convergente nesses dois casos apresentados, Silas e a FPE, é que existe uma espécie de representação da vontade e da opinião evangélica que se apresentaria como uma unidade política cristã. De acordo com o Instituto de Estudos da Religião (ISER)[30] tem crescido o número de políticos que têm aderido à postura de campanha eleitoral que divulga sua identidade religiosa. O que indica a relevância da identidade religiosa no Brasil. Essa representação político-religiosa é capaz de congregar mais do que apenas o público evangélico, mas também espíritas e católicos – vide dados do Datafolha[31] sobre o apoio religioso ao então candidato de extrema direita Jair M. Bolsonaro.
No cenário geral é como se houvesse uma relação direta entre cristãos e extrema direita, representados pelos discursos morais sobre política, encabeçados por lideranças evangélicas assembleianas. Entretanto, esse boletim desconfia de que haja simplesmente uma espécie de chave ontológica que associa evangélicos à extrema direita brasileira. Ao contrário, ele busca levantar algumas questões sobre o contexto político no qual esse segmento está inserido e tenta compreender: quais as razões da adesão desse público a esse discurso? Será que esse discurso representa essas pessoas? Quais são as representações desse discurso na vida cotidiana de evangélicos?
Para tentar dar conta dessas questões sigo apresentando noções básicas sobre a população evangélica, problematizo a ideia de uma representação ideológica evangélica e sugiro uma explicação para a associação do segmento com a extrema direita.
Sobre evangélicos
“Evangélico” é um termo genérico que esconde a história de diversos grupos religiosos no Brasil e que se refere à segunda maior religião do país, em número de adeptos. “Evangélico” evoca Igrejas Protestante Históricas de Missão ligadas à Reforma Protestante de 1517 e também se refere a Igrejas Pentecostais mais recentes do início do século XX. Dados do IBGE de 2010 demonstram que Igrejas Históricas de Missão representam apenas cerca de 18,8% do total da categoria de evangélicos, enquanto Pentecostais ultrapassam o marco de 60%. Do valor total de Pentecostais, isto é, 25.370.484, mais da metade são da Igreja Assembleia de Deus, contendo 12.314.410. Nesse sentido, geralmente quando se fala em “evangélicos” compreende-se o contingente maior de pessoas situadas no Pentecostalismo.
O Pentecostalismo nasce com a fundação da Igreja Assembleia de Deus em 1910, em Belém – PA, quando uma meia dúzia de fiéis da Igreja Batista foram expulsos. Por conta de seu vozerio corpulento, outros fiéis daquela Igreja sentiram-se incomodados (MAFRA, 2001)[32]. As Igrejas Pentecostais são caracterizadas por basearem sua doutrina nos dons do Espírito Santo na vida de seus fiéis, expressos pela glossolalia, o dom de “falar em línguas”, e pelo dom da cura. Essas Igrejas também são mais flexíveis institucionalmente quanto a formação de seus pastores e abertura de seus templos, apostam no improviso da palavra de seus líderes e no proselitismo face-a-face.
O perfil socioeconômico congregado em Igrejas Evangélicas Pentecostais é geralmente o de pessoas inseridas nas camadas populares, com baixos níveis de escolarização e menores salários. Nessas Igrejas acontecem centros de alfabetização à sua membresia; elas também são um espaço no qual seu corpo de fiéis praticam o auxílio mútuo diante da experiência da privação de bens. O crescimento pentecostal em São Paulo, durante a década de 1950, estava relacionado a população nordestina, que migrando para a metrópole e passando pela anomia social, associava-se às Igrejas Pentecostais como forma de superar as dificuldades enfrentadas. Essas Igrejas tornaram-se, ao longo da história, em um espaço de dignidade onde pessoas de camadas populares conseguem auxílio para atravessarem por situações adversas diante da privação de bens.
Em 1970 funda-se a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no Rio de Janeiro, e inaugura-se o neopentecostalismo, um movimento caracterizado pela flexibilização do ascetismo mundano e dos usos e costumes, antes característicos do pentecostalismo clássico da década de 1910. No início do século XX, o pentecostalismo era caracterizado pela recusa do mundo cultural e por um rigor expresso pela própria forma de seus fiéis se vestirem, à moda dos missionários suecos, terno completo para os homens e saias abaixo dos joelhos e cabelos longos para as mulheres. Muitas vezes chamados de “sapateiros inspirados”, apelido que fazia referência a sua condição social e ao seu estilo proselitista improvisado. No final da década de 1970, o neopentecostalismo articula a Teologia da Prosperidade e a Guerra Espiritual, como formas de flexibilização desse rigor e insere o segmento em espaços antes considerados mundanos, como por exemplo a política partidária. A IURD adota um conceito arrojado de missão religiosa que coloca um império econômico e político a serviço eclesiástico (ou o contrário)[33] .
A Guerra Santa é comumente compreendida como a demonização das religiões afro-brasileiras, mas na realidade ela vai muito além. É a ideia de que Deus e o Diabo estão em constante combate. Nesse sentido, o mundo do fiel é sempre alvo de disputa e ele faz parte do exército de Cristo na missão por um mundo livre do Diabo. Essa perspectiva é pode partir da vida profissional do fiel no seu cotidiano, como também pode ser uma chave de leitura da política partidária consumida por políticos desonestos e corruptos. A Teologia da Prosperidade, por sua vez, é a inversão do valor cristão da salvação depois da morte. Essa teologia sugere que Deus não quer que seus fiéis passem dificuldade, mas que desfrutem do mundo com o melhor que Ele pode oferecer. Para isso, o fiel deve confiar e manter suas obrigações com Deus. É como um contrato no qual o religioso deve cumprir com as condições impostas pela relação divina para a garantia da melhoria de vida. Essas Igrejas têm investido em uma perspectiva empreendedora, realizando cultos de libertação econômica e seminários de empreendedorismo como forma de incentivo a sua membresia conquistar uma melhora da vida econômica e independência financeira.
Tendo explanado um pouco sobre a Teologia Pentecostal é importante que agora entendamos meandros sobre essa população e de que forma ela compreende a política, para, enfim, chegarmos a uma síntese sobre uma possível explicação desse segmento ao que hoje se relaciona a política de extrema direita.
“Irmão vota em Irmão”: sobre política e família entre evangélicos
O caso de maior notoriedade sobre a importância do apoio evangélico nas eleições é sem dúvidas o de Jair M. Bolsonaro, que, durante sua trajetória legislativa e campanha presidencial, foi conhecido por suas falas a favor da tortura, da volta da ditadura e da liberação de armas. Porém, a força do apoio desse segmento tem se mostrado desde o fim do século XX, quando candidatos passam a adotar uma postura e um vocabulário específico do grupo. Francisco Silva, eleito deputado em 1994 e dono da rádio Melodia do Rio de Janeiro, e Eduardo Cunha, afilhado político de F. Silva, são exemplos de políticos profissionais que reivindicaram essa identidade. Este último ficou conhecido pelo bordão “nosso povo merece respeito”, é ex-presidente da Câmara dos Deputados e envolvido no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Outro nome é Anthony Garotinho que foi eleito governador do Estado do Rio de Janeiro (1998-2002), chegando a concorrer à presidência em 2002, ficando em terceiro lugar.
O que é importante problematizar aqui é o que move o apoio desse segmento. Durante pesquisa de campo, realizada em São Luís-MA, em uma Igreja Assembleia de Deus, pude participar de momentos em que fiéis chegavam a declarar publicamente seu apoio a Jair M. Bolsonaro. Em uma entrevista com um frequentador da Igreja, perguntei sobre o posicionamento da Congregação pesquisada e sua opinião. De acordo com o interlocutor, o principal motivo de apoio ao candidato pela congregação era o apoio à “família tradicional brasileira”. Outro entrevistado, que votou em Jair M. Bolsonaro, confessou que acha errado a propaganda eleitoral dentro da Congregação estudada. Isso demonstra que esses fiéis, apesar de apoiarem o então candidato a favor da tortura, não chegavam a concordar necessariamente com tudo o que o político dizia.
O que essas afirmações indicam é que existem camadas de concordância e de relevância de pautas políticas que se relacionam com instituições religiosas e que causam desacordos internos dentro do segmento. Um evangélico, assim como outro tipo de cristão, pode votar no candidato de extrema direita, ainda que ele não concorde necessariamente com o que esse candidato sugere. Jaqueline Moraes Teixeira revelou em uma entrevista com a BBC News[34] que a “palavra de conexão com a política é a família”. O fato de igrejas pentecostais serem formadas majoritariamente por pessoas de camadas populares, sobretudo por mulheres negras, que muitas vezes estão em situação de vulnerabilidade social, ou privadas do acesso a própria cidadania, põe em cheque a importância da família e de um espaço que garante a melhoria de vida dessas pessoas.
Um outro ponto importante está apontado no livro de Juliano Spyer “Povo de Deus” (2020)[35], quando ele observa a disputa entre Marcelo Freixo (PSOL) e Marcelo Crivella (REPUBLICANOS) pela prefeitura do Rio de Janeiro. De acordo com o autor, o candidato do PSOL aproximou-se de protestantes históricos e distanciou-se dos pentecostais. Spyer nota que protestantes históricos têm uma tradição mais intelectualista, ao passo em que a comunicação com pentecostais deve partir de uma horizontalidade. Isso resultou em um fechamento intelectual, político e eleitoral da esquerda. Em um culto realizado na Congregação estudada, um Pastor convidado para ministrar a palavra fala abertamente que é considerado de esquerda entre o meio evangélico, e reclama que entre os de esquerda é considerado conservador.
A equação de tudo isso é a seguinte: Evangélicos votam em um candidato de extrema direita; eles não necessariamente votam no candidato por conta das pautas defendidas por esse candidato. Então por que votam? Votam por que ele articula política à “família”. Note que, aqui, “família” é mais do que apenas a unidade familiar, “família” quer dizer Igreja, pois é no espaço religioso que essa população consegue projetar-se para um futuro, é onde conseguem auxílio mútuo, o espaço de dignidade. Por outro lado, o que acontece quando um evangélico decide se aproximar de um outro espectro político? Ele fica ilhado. O exemplo da campanha de Freixo e do Pastor assumidamente de esquerda demonstram o isolamento social desse sujeito (que geralmente está em uma situação de vulnerabilidade social), da esquerda e do meio evangélico. Nesse sentido, o irmão que vota no irmão credita esperanças em uma família cristã, que já o auxilia em seu cotidiano, que se empodera da política partidária e que busca ganhar a batalha espiritual contra o Diabo e contra a própria esquerda.
Considerações finais
Este texto retoma a ideia de um discurso religioso e moral sobre a política partidária no cenário brasileiro, que é, em boa parte, orientado por líderes religiosos, sobretudo da Igreja Assembleia de Deus. Desta vez, por mais pretencioso que seja tentar dar conta de um público diverso, que se enquadra genericamente em um bloco evangélico, sugiro que – apesar de haver uma hegemonia exposta pelas pesquisas eleitorais quanto à preferência desse público por um espectro de extrema direita – existam meandros e camadas a serem analisadas, quais sejam: as relações entre esquerda e direita no contexto brasileiro; as dissonâncias encontradas no trabalho de campo feito durante a etnografia, e, talvez, o principal deles, a articulação da categoria família e religião em um contexto de vulnerabilidade social de camadas populares.
Quando relacionadas as categorias teológicas às condições subjetivas e materiais do público evangélico, compreendo que Guerra Santa passa a ter um sentido religioso e moral na qual situa o espectro de extrema direita como a favor da família e da religião, enquanto a esquerda apresenta-se como uma alternativa pouco viável para receber e compreender esse público. Se teologicamente esse embate poderia ser considerado a disputa entre Deus e o Diabo, sociologicamente, ela se dá por uma série de fatores sociais que estão resumidos no campo da articulação política.
A próxima questão que precisa ser analisada diz respeito ao que seria esquerda e direita para esse público. A leitora, ou o leitor, perceberá que essas categorias do espectro político pouco foram aprofundadas. Isso foi proposital. O primeiro passo se deu em compreender de que forma pentecostais inserem-se na política e como teologicamente essas noções estão articuladas; o segundo, presente neste boletim, preocupou-se em demonstrar como é complexo tentar sugerir que existe um ethos religioso que impele o público a um determinado espectro ideológico; resta saber o que esses espectros políticos, esquerda e direita, significam para esse público e de que forma a política que tem recebido apoio do segmento afeta ou não a vida de pentecostais.
[28] Bacharel em Ciências Sociais e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Desenvolve pesquisa etnográfica com evangélicos da Igreja Assembleia de Deus e sociabilidades pela cidade de São Luís- MA. Colaborador voluntário do OPEL.
[29] https://drive.google.com/file/d/1EXLeMleceqFMWbxZb1IuOJeOT53-onrF/view
[32] MAFRA, Clara. Os Evangélicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 2001.
[33] MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 5 ed. – São Paulo: Edições Loyola, 2014.
[34] https://www.youtube.com/watch?v=ADriEhBGl10&t=618s
[35] SPYER, Juliano. O Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam. – São Paulo: Geração Editorial, 2020.