Candidaturas Negras: Violência Política e Eleitoral nas Eleições de 2022, por Laryssa S. C. Miranda
O Boletim #3 está no mundo!
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No sétimo texto “Candidaturas Negras: Violência Política e Eleitoral nas Eleições de 2022” (p.30-43), a graduanda em Sociologia Laryssa Miranda analisa a violência política que compõe a disputa eleitoral de 2022.
Confira o texto abaixo!
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Candidaturas Negras: Violência Política e Eleitoral nas Eleições de 2022
Laryssa S. C. Miranda [50]
Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar a violência política que compõe a disputa eleitoral de 2022. Para isso, neste terceiro número, tomou-se como ponto de partida o infeliz assassinato do tesoureiro do PT Marcelo Arruda. Nossa hipótese é a de a violência põe em xeque a saúde da democracia, visto que a coerção exercida por essa atmosfera de medo e perigo iminente rompe o vínculo programático e a fé no sistema democrático. Para tal estudo, foi analisada a revista científica “Revista Brasileira de Ciência Política”, boletins informativos como o “ Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil” e o “Isto é Fogo Cruzado” e, por fim, matérias postadas em sites, tais como: G1,CNN, Favela em Pauta, Carta Capital, Metrópoles e IstoÉ.
Introdução
Não existem dúvidas de que o assassinato do petista Marcelo de Arruda e os seus desdobramentos tomaram os veículos de comunicação nos últimos dias. A brutalidade e principalmente as motivações por trás do ato resultaram em um grande debate nacional a respeito do que deve ou não ser qualificado como crime político.
Na noite de sábado (9/07), após ter conhecimento sobre a festa realizada pelo tesoureiro do PT e guarda municipal Marcelo Arruda, o agente penitenciário e autodeclarado bolsonarista Jorge José de Rocha Garanho foi até o local em que acontecia a festa com sua esposa e filho e, em tom provocativo, reproduziu música em alusão a Bolsonaro. Com o pedido do tesoureiro para que se retirasse, Guaranho disse que “voltaria e acabaria com todos”. Pouco tempo depois, o Bolsonarista retornou a festa e iniciou os disparos contra Marcelo, gritando coisas como “aqui é Bolsonaro” e “petista vai morrer tudo”[51].
O caso que, à primeira vista é atravessado por motivações ideológicas, endossa uma tendência já observada por pesquisadores: a escalada da violência nas eleições de 2022. O governo federal moveu esforços e apostou em uma narrativa que visa despolitizar o assassinato, o presidente Jair Bolsonaro reduziu a morte do petista a uma “briga estúpida, sem razão” e demonstrou descontentamento por ter o nome associado ao ato. O vice-presidente Mourão declarou que casos como esse “ocorrem todo fim de semana” e lamentou.
O inquérito divulgado pela Polícia Civil não enquadrou o assassinato como um crime político, o que gerou indignação nos familiares, nos filiados ao PT e de parte daqueles que acompanham o caso. Segundo a delegada encarregada, “não há provas para enquadrar o assassinato do Marcelo como crime político” e citou requisitos que, em concordância com a lei de crimes políticos, são necessários para tal como, por exemplo, impedir ou dificultar o exercício dos direitos políticos[52]. Em desacordo com a conclusão da Polícia Civil, o Ministério Público do Paraná compreende que o crime foi motivado por “divergência político-partidária” e não deve ser enquadrado como crime de ódio visto que não existem previsões legais que possibilitem o enquadramento de grupos políticos neste tipo penal.
Violência Política e Eleitoral
Luiz Carlos de Souza, pesquisador da UNIRIO, define violência política como uma das diferentes formas da violência subjetiva. A princípio essa denominação se limitava a um conjunto de danos físicos, materiais ou psicológicos causados pelo Estado contra a oposição. Hoje entende-se que essa violência não parte apenas do Estado, mas “das formas de ação que buscam remodelar as relações assimétricas entre governados e governantes”. A força é aplicada com o intuito de alterar o cenário político, o governo, as convicções e a vida dos indivíduos dentro da sociedade.
Compreende-se Violência Eleitoral como uma subcategoria da violência política. Atos de violência que almejam interferir no processo eleitoral, têm como cenário qualquer ambiente político e podem aparecer quer como um episódio de baixa relevância, quer como um gatilho que será perpetuado por ondas de choque em larga escala. A literatura mostra que essa violência se manifesta de diferentes formas e alcança diversos agressores e vítimas: Militares, policiais, partidos políticos e seus candidatos, grupos rebeldes, paramilitares, organizações criminosas e grupos militantes extremistas estão entre os principais atores que promovem tais ações. Os atos envolvem assédio, agressão física, intimidação, tumulto, destruição de propriedade e assassinato. Segundo Luiz Carlos, A divisão dos alvos se dá em quatro categorias, sendo elas: as partes interessadas (os eleitores, candidatos, funcionários da justiça eleitoral, mídia e monitores internacionais), as informações eleitorais (dados cadastrais, urnas, resultados de votação, cédulas e materiais de campanha), as instalações eleitorais (seções de votação e centrais de apuração dos votos) e, por fim, os eventos eleitorais (comícios de campanha, carreatas, panfletagem e outros atos de campanha)[53].
Escalada da Violência Política e Eleitoral
Dados do Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil indicam que no segundo trimestre de 2022 foram contabilizados 101 casos de violência, o que demonstra um recuo de 10,6% em relação ao trimestre anterior. No entanto, o período foi o mais violento quando comparado com os anos de 2020 (86 casos) e 2021 (80 casos)[54]. A violência político-eleitoral é um fenômeno de magnitude nacional, contudo, tende a se apresentar de maneira drástica durante as eleições municipais. Isso ocorre por dois motivos, o primeiro está ligado a um maior número de candidatos na disputa e o segundo a um fato já constatado por pesquisadores brasileiros: a violência é um importante instrumento de dominação política e eleitoral nos pequenos municípios do país, esse é um resquício da política coronelista, experiência típica dos primeiros anos da República brasileira, com o seu mandonismo local. O Sudeste é a região que apresenta maior número de casos (36,6%). São Paulo registrou 17 ocorrências no segundo trimestre de 2022, Bahia e Rio de Janeiro ocupam a segunda posição como Estados mais atingidos, totalizando 10 ocorrências. (9.9%).
Violência na Baixada Fluminense
Segundo informações divulgadas pelo Instituto Fogo Cruzado, a Baixada Fluminense concentrou 76% dos políticos baleados no Grande Rio nos últimos 5 anos, sendo um dos locais mais perigosos para essa classe. De 2016 a 2020 foram 35 vítimas, das quais 29 morreram. A região concentra as cinco áreas do Estado com mais casos de letalidade violenta. Nova Iguaçu, com 7 mortos e 1 ferido, e Magé, com 7 políticos assassinados. Já Duque de Caxias, Seropédica e Belford Roxo totalizam 4 vítimas. Japeri, Nilópolis, Queimados e São João de Meriti completam a lista, com 2 baleados cada[55]
Em setembro de 2021 Quinzé (PL), vereador de Duque de Caxias e ex- policial militar, foi assassinado a tiros no bairro Jardim Olavo Bilac. Os disparos partiram de um homem que segundo testemunhas estava dentro de um carro branco[56]. Em março do mesmo ano, o vereador Danilo do Mercado (MDB) e o seu filho Gabriel também foram assassinados no município, em Jardim Primavera. O parlamentar era investigado por suspeita de ligação com grupos de extermínio[57]. Sandro do Sindicato (Solidariedade), foi assassinado a tiros em outubro de 2021, o crime ocorreu na Avenida Governador Leonel Brizola. O sociólogo José Cláudio, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, ressalta as disputas engendradas por grupos milicianos no segundo distrito de Duque de Caxias, local onde ocorreram os três assassinatos, como expoente da violência política que se reproduz naquela região.
Os grupos armados cultivam interesses econômicos e políticos pelo eixo conhecido como “ Aterro do Campo do Bomba”, área de proteção ambiental localizada em São Bento. As batalhas se dão em razão do acesso da APA às principais rodovias do Rio de Janeiro, o que é vantajoso para o capital nacional e internacional. A participação política dos milicianos possibilita que esses grupos tenham acesso a esse tipo de informação, assim como dá margem para que ajam de maneira truculenta sem abrir mão da impunidade. A violência majoritariamente vitima as lideranças políticas locais. No segundo trimestre de 2022, 48,5% dos vereadores sofreram algum tipo de violência política, os prefeitos somam 10,9%. As vítimas eram, em sua maioria, filiadas aos partidos PSD (11.9%) , PL (9,9%), PSDB e Republicanos (8,9%) . Partidos de centro-direita detém grande popularidade nos pequenos municípios, sendo maioria. Logo, políticos alinhados a esse espectro são as principais vítimas da violência político-eleitoral.
Perfil Social das Vítimas
Homens compõem o perfil social mais atingido, somando 84,2% dos casos. Mulheres representam 15,8% das vítimas. Os casos de violência política se concentram nas faixas etárias entre 40 e 49 anos (28,7%) e 30 e 39 anos (25,7%). No que diz respeito à escolaridade, políticos com o ensino superior são 47,5% dos casos. Em relação a raça/cor das vítimas, 50 lideranças se declararam brancas (49,5%), 27 pardas (26,7%) e 11 pretas (10,9%). Em conformidade com o modelo empregado por Luiz Carlos de Souza para análise da variável qualitativa “cor/raça”, nota-se que políticos “não brancos” são as principais vítimas de homicídio quando comparado com políticos autodeclarados brancos[58], o que sinaliza a reprodução de violências complexas socialmente estruturadas. Em maio deste ano, a deputada estadual Mônica Seixas (PSOL-SP) denunciou as diversas ofensas que partem dos colegas da Assembleia. Durante uma votação na Alesp, ouviu de um parlamentar que ele colocaria “um cabresto” em sua boca, assim como foi chamada de “louca” em outra sessão. A Deputada pediu a cassação do agressor e registrou boletim de ocorrência na delegacia de crimes raciais[59].
Considerações finais
Esse tipo de violência não prejudica apenas os atores envolvidos no campo político, mas o sistema democrático como um todo. Como salientado pela literatura, quando a liberdade de escolha política dos eleitores é limitada em virtude da coerção operada por ações truculentas, a fé no exercício da cidadania é posta em xeque. A atuação dos parlamentares é reduzida drasticamente, esses passam a agir coagidos em suas rotinas e atribuições políticas. A fim de superar tal cenário, recentemente o TSE instaurou um grupo voltado ao combate a violência nas eleições. A equipe será formada por Funcionários da Justiça Eleitoral, esses terão algumas atribuições sendo algumas delas: apresentar estudos e sugestões que disciplinem o combate à violência em 45 dias, organizar debates e manter diálogos com partidos políticos, Conselho Federal da OAB, Ministério Público Eleitoral e Entidades da sociedade civil[60].
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[50] Laryssa Miranda é aluna do 7º período de Sociologia na UFF e pesquisadora do NUDEB/IFCS.
[51] https://bit.ly/mp-denuncia-bolsonarista-52
[52] https://bit.ly/mp-denuncia-bolsonarista-52
[53] https://bit.ly/violencia-politica-e-eleitoral
[58] Rev. Bras. Ci. Soc. 37 (108) • 2022 • https://doi.org/10.1590/3710803/2022
[59] https://bit.ly/Psol-apela-as-instituicoes-para-conter-violencia