Economia-política à moda antiga: o recuo da agenda liberal nas eleições de 2022, por Ana Beatriz C. Neves
O Boletim #2 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No décimo terceiro texto “Economia-política à moda antiga: o recuo da agenda liberal nas eleições de 2022” (p. 70-74), a mestranda em Direito Ana Beatriz Neves analisa a mudança de posicionamento das organizações liberais em relação ao atual mandato presidencial que busca sua reeleição.
Confira o texto abaixo!
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Economia-política à moda antiga: o recuo da agenda liberal nas eleições de 2022
Ana Beatriz C. Neves [82]
Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar a mudança de posicionamento das organizações liberais em relação ao atual mandato presidencial que busca sua reeleição. A partir de uma contextualização histórica, tenta-se compreender o movimento de recuo das pautas liberais. Acredita-se que a crise econômica atual do país aliada às escolhas políticas foram fatores decisivos para este movimento. Para tal estudo, foram utilizados dados trazidos pelo IBGE além da doutrina especializada.
O impacto da economia no ambiente político
A julgar pelo que conta a história recente da política brasileira, a defesa de pautas liberais parece estar em uma fase de recuo dentro de seu ciclo de existência no Brasil. Seja ainda pelos impactos econômicos causados pela pandemia da Covid19, seja pelo baixo índice de aprovação do Presidente de extrema direita Jair Messias Bolsonaro, percebe-se uma provável incompatibilidade de continuidade de apoio dos movimentos liberais ao atual governo brasileiro. O retorno do país ao mapa da fome (atualmente são 33 milhões em situação de insegurança alimentar grave), o alto índice de inflação, a diminuição dos postos de trabalho e uma aparente incapacidade do mercado em se recuperar são alguns dos indícios de que a pauta liberal parece ter pedido espaço nos discursos em torno das campanhas eleitorais de 2022.
De que liberalismo estamos falando?
O liberalismo apresenta inúmeras vertentes ideológicas, para além de sua concepção originária baseada na defesa de liberdades individuais. No modelo político atual, há o acréscimo de elementos econômicos. Neste ponto, o indivíduo e a origem do poder político fundam-se no privado. Cria-se uma dualidade entre o Estado e a sociedade entendendo que eles são autônomos entre si, com limites estabelecidos, onde a sociedade se autodeterminada numa ordenação natural, sendo o Estado um instrumento histórico de ação humana. Ele se caracteriza pela não intervenção estatal na economia, na igualdade formal, nos limites do poder governamental e na garantia de direitos individuais fundamentais. É um Estado que se diminui no âmbito social, e com isso, a propositura do terceiro setor na ocupação dos espaços que a ação estatal deixa um vácuo[83].
No Brasil, novos atores ganham força a partir dos anos 2013/2014, com a protagonismo do “Movimento Brasil Livre”, uma organização que se autoafirma como de direita com valores e princípios pautados, dentre outros, na igualdade perante a lei, no livre mercado e na primazia do indivíduo e da sociedade sobre o Estado.
E é deste liberalismo com o viés político-econômico que este boletim pretende tratar. A realização de uma breve contextualização do modo que a política e a economia caminham juntas é fundamental para o entendimento sobre os caminhos que serão adotados pelos movimentos liberais que nas últimas eleições apoiaram fortemente o atual presidente da República.
A retórica de culpabilização de direitos sociais
Nas eleições de 2018, o discurso político vencedor baseou-se na defesa de um projeto econômico-político pautado na expropriação de direitos e políticas sociais da classe trabalhadora, na desregulamentação da economia, privatização, redefinição do papel do Estado enquanto mero agente dos interesses do capital e principalmente na redução dos custos da força de trabalho[84]. A agenda liberal ganhou espaço e foi reforçada pela aprovação de normas que já instrumentalizavam este movimento, a exemplo da Lei 13.467/17 – a Reforma Trabalhista e a Emenda Constitucional 95 (“Teto dos Gastos”) ao longo do governo de Michel Temer.
A vitória do presidente Bolsonaro foi realizada com uma retórica conservadora atrelada à culpabilização do excesso de gastos da Administração Pública com demandas sociais e com o apoio de movimentos liberais que defendiam a redução dos encargos trabalhistas como medida para o aumentos dos postos de trabalho.
Entretanto, este argumento não demonstrou grandes resultados. Ainda que a pandemia da covid-19 tenha grande influência negativa na economia brasileira, o mercado não conseguiu se reajustar sem a ajuda do Estado. A culpabilização dos direitos sociais pela crise econômica não é uma novidade trazida pelo governo Bolsonaro. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, também adotou um discurso de necessidade de redução do inchaço da Administração Pública para contenção de crise. O foco institucional deste também era a descentralização administrativa e a privatização de serviços sociais por meio do terceiro setor.
Entretanto, houve em relação aos movimentos sociais um saldo positivo, pois, de fato, ocorrera uma ampliação das conexões entre sociedade civil e Estado, de maneira que eles passam serem considerados atores legítimos, desvinculando-se da figura do mercado. Neste momento político também, foi onde ocorrera uma tentativa de inclusão da sociedade civil nas agendas públicas estatais. O então presidente buscou aperfeiçoar o modelo dos Conselhos de participação de políticas públicas, mas fracassou na implementação de organizações sociais.
A diferença é que o governo Bolsonaro se pautou em um discurso voltado para o distanciamento estatal no que se refere às questões sociais. O mandato de FHC também defendia essa ideia de afastamento, mas era acompanhado de um reconhecimento, ainda que discreto, sobre a necessidade de inclusão da sociedade civil. Enquanto a atual gestão (2018-2022) traz consigo a premissa básica de negação de direitos e da própria democracia.
Conclusão
O alinhamento da agenda liberal com atual presidente da República perdeu um pouco de espaço diante do avanço da crise econômica e da ineficiência do governo em aprovar suas promessas de campanha: a maioria das privatizações não ocorreram e as reformas Administrativa e Tributária não seguiram em frente no Congresso.
Outro ponto sensível à postura presidencial e aos movimentos liberais, diz respeito a atual conduta do governo de intervenção política na Petrobras (sociedade de economia mista) diante do aumento dos preços do petróleo, desencadeando ainda mais a desconfiança do mercado ao futuro das políticas econômicas adotadas pelo atual Presidente e seu Ministro da Economia.
O fato é que os problemas econômicos e sociais enfrentados pelo governo tiveram alternativas apenas circunstanciais.
O Programa Nacional de Manutenção de Emprego e Renda (Lei 14.020/20), por exemplo, possibilitava o recebimento de um benefício monetário no curso da suspensão temporária do contrato de trabalho. Além disso, a Lei nº 13.982/20 criou o Auxílio Emergencial, ação excepcional de proteção social. Ambas as normas tinham por objetivo a redução do impacto social causado pelo período de vigência das restrições sanitárias. Apesar destas medidas, o índice de desocupação cresceu de 12,2% (março/20) para 14,7% no mesmo período de 2021, segundo dados do IBGE.
Em maio de 2022 foi promulgada a Lei 14.342/22 que instituiu o programa “Auxílio Brasil” destinado ao custeio de benefício extraordinário para famílias de baixa renda. Entretanto, há inúmeras requisitos que impedem o acesso de muitos cidadãos. Cabe lembrar que se trata de uma programa de governo e não de Estado, visto que ele tem previsão de término em dezembro de 2022. Contudo, há de se reconhecer a manutenção de certa base eleitoral cuja ideologia se baseia majoritariamente no discurso conservador e de direita, atrelado aos princípios liberais e que seguem apostando em reformas econômicas voltadas no lucro de uma minoria.
O problema do liberalismo bradado pelo atual governo Bolsonaro é que a igualdade defendida é meramente formal e encobre um mundo de desigualdades. O discurso por algumas liberdades individuais acaba servindo, em sua maioria, apenas para oprimir os fracos.
Instala-se a crise do liberalismo e seu movimento de recuo, já conhecido outrora, quando deparados com a contradição da convivência pacífica entre a exaltação à liberdade individual e o empobrecimento de parte da população. Estes morriam de fome, enquanto os postulados alegam “todos são iguais perante a lei”[85].
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[82] Mestranda em Direito pela Unirio, Especialista em Direito e Processo do Trabalho.
[83] CHAHAIRA, Bruno Valverde. Op Cit. p. 118.
[84] CHAIA, Vera e FARIA, Ana Lúcia. Os institutos liberais e a consolidação da hegemonia neoliberal na América Latina e no Brasil. São Paulo: Caderno Metropolitano, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020. p. 1059.
[85] Ibidem p. 62.