Os candidatos e as polícias, por Letícia Fretheim Queiroz
O Boletim #2 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No décimo texto “Os candidatos e as polícias” (p. 65-70), a bacharel em letras e graduanda em Ciências Sociais Letícia Queiroz observa os operadores de segurança, especialmente a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal, como assunto eleitoral. O texto também pretende analisar o entendimento dos candidatos em relação a problemas envolvendo esses operadores.
Confira o texto abaixo!
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Os candidatos e as polícias
Letícia Fretheim Queiroz [177]
Resumo Este boletim tem como objetivo observar os operadores de segurança, especialmente a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal, como assunto eleitoral. Também pretende analisar o entendimento dos candidatos em relação a problemas envolvendo esses operadores – acontecimentos que tiveram grande visibilidade de repercussão nacional -, destacando algumas diferenças e alguns pontos-chave para se observar no ano eleitoral. Além disso, o boletim vai mapear as primeiras propostas de governo relativas às polícias e à segurança pública.
Os candidatos e os escândalos protagonizados pelas polícias
Recentemente, episódios envolvendo a atuação das polícias geraram debates e críticas da opinião pública. A partir deles, é possível ter alguma noção do teor dos programas de governo que serão lançados futuramente, bem como as estratégias de campanha, observando o posicionamento de alguns candidatos diante desses acontecimentos.
No dia 24 de maio, uma operação policial na Vila Cruzeiro, na cidade do Rio de Janeiro, deixou mais de 20 pessoas mortas[178]. A operação envolveu a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal, que alegam ter iniciado uma operação emergencial ao terem sido atacados por criminosos. Eles estavam prestes a iniciar uma ação para desmontar uma facção criminosa, composta por pessoas de outros estados brasileiros. Dentre os mortos está uma moradora da comunidade, morta dentro de casa por bala perdida.
Alguns candidatos parabenizaram a ação policial, como Jair Bolsonaro (PL) e Cláudio Castro (PL), candidato à reeleição ao governo do RJ[179]. Apesar do Ministério Público Federal e do MP do estado do Rio de Janeiro terem aberto uma investigação da operação, ambos fizeram discursos com forte apelo moral, legitimando a ação da polícia, sem qualquer alusão às falhas da operação e sem questionar sua eficiência. É o que revelam, por exemplo, as falas de Bolsonaro sobre a crítica de especialistas à operação. Segundo ele, querem “demonizar aqueles que arriscam suas vidas por nós”. Ele também lamentou a “inversão de valores de parte da mídia, que isenta o bandido de qualquer responsabilidade”. Da mesma forma, Castro afirmou no dia seguinte à operação em seu perfil do Twitter que “apostar contra a polícia é fazer o jogo da bandidagem”, e que, na semana anterior, quando criminosos da região dos complexos haviam atacado um helicóptero, não viu nenhum especialista defender os “cidadãos de bem”[180].
Outros candidatos ao governo do estado teceram críticas com ênfase na ineficiência e na falta de estratégia da polícia[181]. É o exemplo de Felipe Santa Cruz, ao afirmar que “corpos amontoados em caçambas são a imagem da falta de planejamento e capacidade da política de segurança do governo Witzel/Castro”. Marcelo Freixo (PSB), principal rival de Castro nas pesquisas, ainda levantou a questão do uso político das polícias, afirmando que “é hora de tratar a Segurança Pública como coisa séria, não como arma eleitoral.” Da mesma maneira, pré-candidatos à presidência também condenaram o ocorrido[182]. Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), por exemplo, destacaram o grande número de mortos e o fato de o julgamento e da condenação dos envolvidos terem sido deslocados para a responsabilidade da polícia, já que a operação terminou com muitos mortos, e não presos.
Outro escândalo envolvendo as forças policiais aconteceu em 25 de maio. Genivaldo Jesus dos Santos morreu asfixiado no estado de Sergipe após ser imobilizado por agentes da Polícia Rodoviária Federal dentro do porta malas da viatura, onde havia gás lacrimogêneo em grande quantidade. O homem tinha esquizofrenia já comprovada em um processo anterior. Os policiais envolvidos foram afastados[183].
Todos os candidatos condenaram o episódio, porém com diferentes enfoques em seus discursos. Alguns candidatos trataram o problema como um crime isolado, individualizando a responsabilidade dos policiais. É o caso do pré-candidato ao governo de Sergipe Valmir de Francisquinho (PL), que reiterou seu respeito e o exemplo da PRF, e descreveu o episódio como um crime “isolado e trágico”. Também foi o caso de Bolsonaro (PL), que comentou o ocorrido como sendo um acidente, explicitando que não foi intencionado. Ele também reforçou que aquilo não deveria ser generalizado por toda a corporação.
Outros candidatos trataram como um problema intrínseco às polícias e ao Estado. É o caso do pré-candidato ao governo de Sergipe Alessandro Vieira (Cidadania), que mencionou “a necessidade de policiais mais preparados, com melhor estrutura e mais valorizados”. Também é o caso dos pré-candidatos à presidência Ciro Gomes (PDT) e Lula (PT). O primeiro afirmou que o episódio seria consequência da “bolsonarização de parte importante das polícias”[184]. Lula afirmou que o ocorrido foi “falta de preparação, falta de inteligência que só é justificada pela ausência do Estado”[185].
O Programa Olho Vivo como assunto eleitoral em São Paulo
Assim como nos episódios anteriores, no estado de São Paulo a Polícia Militar está no centro das discussões eleitorais. Isso porque desde 2021 agentes de alguns batalhões passaram a usar câmeras acopladas aos uniformes, que gravam as operações – o que foi denominado Programa Olho Vivo, instaurado pelo ex-governador João Dória (PSDB). A iniciativa tem ajudado a reduzir a letalidade policial, que no ano passado diminuiu em 30% no estado comparada ao ano anterior; e também a vitimização de policiais, que diminuiu 49% na relação entre 2021 e 2020, como apontam os diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. É importante destacar que o programa acompanha uma tendência de queda de letalidade policial em todo o estado, mesmo nos batalhões em que o programa não foi implementado[186].
Apesar dos êxitos, o programa tem sido visto com desconfiança por alguns pré-candidatos ao governo de SP[187]. Os únicos candidatos que o apoiam integralmente têm sido, até agora, Fernando Haddad (PT) e Elvis Cezar (PDT). Rodrigo Garcia (PSDB), antigo vice de Dória e candidato à reeleição, chegou a afirmar que as câmeras deveriam “filmar mais os bandidos do que a polícia”, mas posteriormente passou a defender o programa baseando-se em dados de pesquisas. Para Tarcísio de Freitas (PL), uma medida mais efetiva seria o monitoramento pesado de criminosos, e já declarou que “estão preferindo monitorar o policial do que o bandido” e que para ele o programa é “um voto de desconfiança para o policial”[188]. Márcio França (PSB) critica a invasão de privacidade dos policiais, defendendo filmagens apenas de momentos específicos, como de confrontos armados. Felício Ramuth (PSD) e Vinícius Poit (NOVO) defendem que sejam feitas algumas mudanças em conjunto com a corporação.
É claro que, para alguns candidatos, a diminuição da letalidade policial não é necessariamente um dado positivo, pois a letalidade seria uma demonstração da força do Estado contra a criminalidade – vide posturas como a de Castro, no RJ, diante da mortalidade da operação na Vila Cruzeiro. Entretanto, os dados relativos à vitimização policial parecem ser ignorados no debate, sobretudo por parte daqueles que afirmam estar “do lado da polícia” em vez de defender a “bandidagem”.
Acenos da chapa Lula-Alckmin às polícias
A ascensão de Bolsonaro em 2018 não somente foi ligada à explosão de carreiras políticas de operadores de segurança, como também contou com uma centralidade dos operadores e da segurança pública em seus discursos. Ainda que de forma retórica, Bolsonaro foi na contramão de presidentes anteriores ao se responsabilizar por esses fatores, que costumavam ser desconsiderados pelos governos federais. Com isso, ele teve grande apoio da classe de policiais [189].
Sabendo disso, seria difícil que os candidatos às eleições presidenciais ficassem indiferentes a esse assunto em 2022. Em 21 de junho, a chapa Lula-Alckmin publicou as primeiras diretrizes para seu programa de governo[190]. As polícias e a segurança pública aparecem como destaque, em pontos que estão em conformidade com algumas propostas que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública enviou aos presidenciáveis no mês de junho[191].
O ponto mais concreto de atuação do governo na área da segurança seria a implementação e aprimoramento do Sistema Único de Segurança Pública, instituído através de lei em 2018. O sistema pretende, em tese, integrar inteligência, técnica, operações e informações das polícias. No entanto, até agora pouco foi posto em prática. A respeito dos profissionais da segurança, sua valorização aparece em dois pontos, sob dois aspectos. Primeiro, pela atenção às necessidades individuais dos profissionais, implementando-se, por exemplo, canais de diálogo, programas de atenção biopsicossocial, e garantindo respeito a suas identidades. Segundo, através da melhora de sua qualificação profissional, o que inclui modernização de carreiras e mudanças na formação e padronização nas jornadas de trabalho.
Conclusão
Através dos acontecimentos expostos acima, é possível perceber como parte dos candidatos ainda lida com as polícias e consequentemente com a segurança pública orientados por um viés moral. Usam, por exemplo, expressões como “demonizar”, “inversão de valores”, “cidadãos de bem”. Os mesmos também não tecem nenhum tipo de crítica às corporações de forma geral, como se observou nos comentários a respeito do assassinato de Genivaldo.
Além disso, a repercussão do Programa Olho Vivo e algumas falas de Bolsonaro e de Claudio Castro mostram que não há qualquer preocupação com dados e pesquisas de especialistas para tratar sobre essas questões. Há, inclusive, algum nível de desconfiança em relação a eles.
É importante observar, daqui pra frente, se os agentes de segurança vão continuar a aderir aos candidatos pela retórica simplesmente moral a favor da polícia ou pelas propostas e ações efetivas e demonstráveis que concretizem sua valorização.
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[177] Letícia Fretheim Queiroz é bacharel em Letras (UFRJ) e graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ.
[180] https://twitter.com/claudiocastroRJ/status/1529527111991664640?cxt=HHwWgIC9ib-z_LkqAAAA
[189] https://piaui.folha.uol.com.br/o-encantador-de-policias/