O Boletim #2 está no mundo!

Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?

No sétimo texto “Fundo Especial de Financiamento de Campanha para Candidaturas Negras” (p. 45-50), a graduanda em Sociologia Laryssa Miranda analisa o recente financiamento proporcional às candidaturas negras que ocorrerá por meio do bilionário Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o FEFC.

Confira o texto abaixo!

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Fundo Especial de Financiamento de Campanha para Candidaturas Negras
Laryssa S. C. Miranda [134]

Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar o recente financiamento proporcional às candidaturas negras que ocorrerá por meio do bilionário Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o FEFC. Este boletim discorre sobre a funcionalidade da FEFC, assim como sobre o seu impacto no cenário político brasileiro, especialmente para candidatos e candidatas negras. Nossa hipótese é a de que, em virtude desta ação afirmativa, ocorrerá um aumento exponencial dessas candidaturas no pleito de 2022, assim como no número de denúncias por crime de falsidade ideológica política motivada por falsa autodeclaração étnico-racial. Para tal estudo, foram analisadas matérias postadas em sites, tais como: Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Observatório da Desigualdade, Século Diário, Revista Escuta e Politize!.

Como exposto no último boletim lançado pelo Observatório Político Eleitoral (OPEL), negros somam 56,4% da população brasileira, no entanto, a presença dessa parcela nas casas Legislativas não chega a 18%, no Senado e na Câmara dos Deputados totaliza 24,4%. Essa baixa presença está fortemente vinculada ao contexto socioeconômico, cultural e político-institucional que historicamente impôs ao negro uma situação de desvantagem que se dá em diversas esferas da vida social, sendo uma delas a política. A arena da política institucional foi por muito tempo um espaço de disputas nada diverso, formado comumente por atores brancos. Alguns pontos são ressaltados a fim de explicar essa falta de equilíbrio étnico entre as partes como, por exemplo, o histórico do negro no Brasil moldado por séculos de preconceito, racismo e discriminação.

Experimentamos uma abolição que aconteceu às avessas e com ausência de políticas públicas que promovessem a equidade racial. A história nos mostra que não havia qualquer intuito de integrar o negro no que o sociólogo Florestan Fernandes chamou de sociedade de classes, este foi lançado a própria sorte nos estratos mais baixos do capitalismo emergente. A escolaridade incompleta e a falta de estrutura financeira são condições que igualmente refletem no jogo político eleitoral e explicam em larga medida a sub-representação do negro na política. “Estamos empurrando a história do Brasil na direção da justiça racial”135

Em agosto de 2020 foi aprovada por voto majoritário que a divisão de fundo eleitoral e do tempo de TV deve ser proporcional ao total de candidatos negros (pretos e pardos) e brancos das agremiações. A decisão partiu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por 6 votos a 1 e teve como base a análise de consulta formulada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Essa medida age como ferramenta que tem como intuito superar as sistêmicas disparidades raciais que se apresentam entre brancos e negros no campo político.136

A cota mínima obrigatória não é uma novidade, em 2018 candidaturas femininas tiveram acesso a 30% dos recursos de campanha do fundo eleitoral dos partidos, a ação alavancou o número de mulheres candidatas e eleitas no pleito de 2020. Entretanto, malabarismos por parte dos partidos e fraudes para a obtenção ilícita dos recursos foram frequentes. O uso de mulheres para preencher a cota mínima, fenômeno que ficou conhecido como “candidatura laranja”, exemplifica este ponto.

Seguindo as diretrizes do TSE, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é um fundo público destinado ao financiamento das campanhas eleitorais. O cálculo da distribuição do FEFC acontece da seguinte maneira: 98% do fundo é dividido entre os partidos que receberam mais votos e com maior número de representantes na Câmara dos Deputados e no Senado na última eleição geral, enquanto 2% é direcionado igualmente entre as siglas registradas no TSE.137

Entre as três agremiações partidárias que mais receberam recursos do FEFC no ano de 2020 estão: Partido dos Trabalhadores (PT) com R$ 201.297.516,62, Partido Social Liberal (PSL) com R$199.442.419,81 e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) com R$ 148.253.393,14. No entanto, quando observada a receita dos candidatos do Fundo Eleitoral distribuídas por cor e partidos, nota-se que nenhuma das três siglas atende a cota para negros.138

A princípio, a medida só teria validade a partir das eleições de 2022, porém, após o ofício apresentado pelo PSOL solicitando o seu adiantamento, a cota do Fundo Especial passou a valer no ano de 2020. Mesmo com a persistente discrepância nos recursos divididos entre os dois grupos étnicos, a ação gerou resultados tangíveis. Pela primeira vez na história negros (pretos e pardos) superaram o número de brancos em candidaturas, totalizando 50,02%.139

Um dos pontos abordados pelos defensores da medida implementada pelo TSE faz referência aos resultados das eleições de 2018. Como visto na última produção, dos 1.752 eleitos, 71,97% foi composto por brancos, os pardos totalizaram 23,57% enquanto pretos somaram 4,22%. Segundo o quantitativo apresentado pelo TSE, negros representam 46,56% das candidaturas enquanto brancos somam 52,4%.140 Uma segunda reflexão está ligada ao financiamento recebido pelas candidaturas do mesmo ano, o quantitativo apresentado pelo Boletim do Observatório expressa que os homens brancos candidatos receberam proporcionalmente uma maior parte do financiamento: eram 43,1% dos candidatos e adquiriram 58,5% dos recursos, já as mulheres negras eram 12,9% das candidatas e receberam 6,7%, agravante que reforça a desigualdade política entre os agentes mencionados141.

Por outro lado, críticos apontam falhas na medida e brechas que possibilitam fraudes. O número de candidatos autodeclarados negros alavancou após a implementação da FEFC, fenômeno este conhecido como “candidaturas camaleônicas”, falsidade ideológica que parte de políticos que passaram a se autodeclarar racialmente desta maneira à vista do bolo financeiro que pode ser maior para candidaturas negras. O Projeto de Lei 4212/21 proposto pelo deputado Edilázio Júnior (PSD-MA) é uma das soluções sugeridas para evitar fraudes em que, a fim de fortalecer a transparência, a auto declaração se faz obrigatória para o pedido de registro da candidatura.

Na política, fraudes nas autodeclarações já são uma realidade. Em 2020 o advogado André Moreira pediu a suspensão do então candidato à prefeitura de Vitória Capitão Assunção (Patriota). Segundo o advogado e candidato a vereador pelo Psol, o deputado que se declarava branco desde 2016 passou a se declarar pardo quatro anos depois, com a ação afirmativa em vigor. Nomes como Sandro Parrini (DEM) e Luiz Zouain (Cidadania), ambos vereadores candidatos à reeleição, também alteraram suas autodeclarações. Uma vez comprovada a falsificação, as candidaturas serão indeferidas em decorrência do crime de falsidade ideológica eleitoral. Todos os envolvidos negam qualquer desonestidade em suas condutas.142

Uma segunda preocupação está vinculada a recente aprovação do TSE que regulamenta a formação de federações partidárias para as Eleições Gerais de 2022. O mecanismo encontrado para evitar que as federações sirvam como um canal para fraudes à lei eleitoral estipula que a cota de gênero será atendida tanto pela lista da federação, quanto individualmente por cada partido a fim de evitar que candidaturas femininas sejam concentradas nas siglas menores, pontua Barroso. No entanto, não foram encontradas menções a respeito das cotas para negros.143

Considerações Finais

Do ponto de vista da promoção de direitos entende-se que o sistema de cotas se constitui como uma necessária e urgente política no campo das ações afirmativas, desse modo, a FEFC se apresenta como um grande passo em direção a uma política mais plural e democrática. Argumento que se comprova em números já que pela primeira vez na história negros superaram o número de brancos em candidaturas.

Todavia, existem receios a respeito da aplicabilidade da medida e preocupações com as lacunas deixadas que viabilizam o crime de fraude. Cito como exemplo a candidatura laranja, fenômeno que atravessou as últimas eleições e tinha como objetivo se apropriar do teto mínimo destinado às candidaturas femininas. A fim de evitar que esses vícios se repitam e estimular a definição de candidatos com reais chances de competir ao pleito, foi estipulado pelo artigo 65 do projeto que haverá o cômputo em dobro dos votos dados a mulheres, negros e indígenas.

O segundo fator está ligado à utilização indireta dos recursos destinados a pessoas negras. A FEFC destaca como ilícito o uso da verba unicamente por pessoas não negras, no entanto, assim como ocorre em relação as candidaturas femininas, este incisivo pode levar a um aumento no número de negros e negras como vice. Isso acontece porque, segundo a legislação, receber recursos provenientes da cota do candidato negro para custear despesas de candidatos não negros que pertencem a mesma chapa não se configura como prática ilícita. Contudo, é uma verdade que a proporção de candidatos e eleitos negros tendem a aumentar, porém, a fiscalização se faz necessária visto que o número de crimes por falsidade ideológica sofrerá um crescimento exponencial144. Dessa maneira, apesar de sua relevância, a decisão do TSE exige que mecanismos de monitoramento sejam implementados para que a operacionalização se dê de maneira satisfatória, alcançando não só uma maior presença preta no campo político, mas também o fortalecimento da própria democracia.

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[134] Laryssa Miranda é aluna do 7º período de Sociologia na UFF e pesquisadora do NUDEB/IFCS.

[135] Fala do ministro Roberto Luís Barroso durante a análise de consulta, TSE, em 19 jun. 2022.

[136] https://bit.ly/divisao-fundo-eleitoral-TSE

[137] https://bit.ly/prestacao-de-contas-fefc

[138] http://glo.bo/3lNB3IB

[139] https://bit.ly/candidaturas-negras-femininas-e-indigenas-aumentaram-em-2020

[140] https://bit.ly/boletim-OPEL

[141] https://bit.ly/observatorio-da-desigualdade

[142] https://bit.ly/denuncia-de-suposta-fraude-eleitoral

[143] https://bit.ly/TSE-regulamenta-a-formacao-de-federacoes-partidarias

[144] https://bit.ly/projeto-do-novo-codigo-eleitoral-aprovado

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