Evangélicos e eleições 2022: Um breve panorama, por Maria Carolina Barreto
O Boletim #1 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No nono texto “Evangélicos e eleições 2022: Um breve panorama” (p. 47-51), a graduanda em Ciências Sociais Maria Carolina Barreto analisa as relações do eleitorado evangélico nas eleições nos últimos 10 anos (2012-2022). O objetivo é apresentar o desenvolvimento evangélico na política eleitoral e sua aproximação com o movimento político ideológico do Bolsonarismo, observando um possível cenário para 2022.
Confira o texto abaixo!
_____
Evangélicos e eleições 2022: um breve panorama
Maria Carolina Barreto [68]
Resumo O presente texto faz parte da pesquisa do Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar as relações do eleitorado evangélico nas eleições nos últimos 10 anos (2012-2022). Para isso, nesse primeiro boletim (2022.1), tem como principal objetivo apresentar o desenvolvimento evangélico na política eleitoral e sua aproximação com o movimento político ideológico do Bolsonarismo, observando um possível cenário para 2022.
O texto possui o intuito de divulgar as análises acerca da participação evangélica nas eleições, para além do olhar religioso. Este artigo analisará um précenário das eleições presidenciais de 2022, com a divisão do eleitorado evangélico entre Lula e Bolsonaro. Nossa hipótese é que haverá uma marcação de disputa de gênero entre os evangélicos, na qual será decidida a partir da escolha feminina perante o voto presidencial, de maneira que o candidato que levar em consideração essa perspectiva poderá ganhar vantagem perante os outros.
Para tal estudo, a metodologia utilizada foi a interpretação e análise de pesquisas quantitativas, realizadas pelo GENIAL/QUEST e bibliográficas acerca dos temas citados. Além disso, o uso de matérias publicadas em sites jornalísticos como Grupo Globo, Uol, BBC News, Poder 360, entre outros, além de sites oficiais do governo federal e do legislativo.
Introdução
O protagonismo de lideranças evangélicas na política não é exclusividade do Brasil e se repete em outros países latino-americanos, nos quais também há um declínio no número de católicos em detrimento dos neopentecostais. No Brasil, o livro de Edir Macedo (Plano de poder, de 2011) ilustra esse fenômeno, cujo sentido é ressaltar uma “agenda moral” de pautas “pró-vida” e “pró-família”. O auge desse processo ocorreu em 2018, na aliança com Jair Bolsonaro e no slogan “Deus acima de tudo, Brasil acima todos”. O bolsonarismo opera em uma estrutura hierárquica com o Deus cristão em primeiro plano e com a família tradicional aparecendo como a manifestação orgânica da vontade divina. Projeta-se, assim, um mundo homogêneo, sem divisões raciais, de gênero ou classe, o que se completa com o imaginário da pátria. A partir disso, tais lideranças mobilizaram, em 2018, um ressentimento evangélico, apresentando o avanço de pautas de grupos minoritários nos governos petistas (2003-2016) como uma ameaça aos valores cristãos e conquistaram para Bolsonaro 70% dos eleitores evangélicos no segundo turno das eleições de 2018 [69] .
Os evangélicos e as eleições presidenciais desde 2010
Para os fins desta pesquisa é importante fazer um breve histórico da importância do fenômeno evangélico nas últimas eleições brasileiras. Em 2010, grande parte das lideranças evangélicas se posicionaram contra a então candidata Dilma Rousseff, acusada de defender pautas tais como a legalização do aborto e respeito a casamentos LGBTQIA+. Mesmo os setores evangélicos coligados com o PT fizeram pressão para que a candidatura petista se posicionasse contra essas políticas, o que de fato ocorreu. Este pleito contou com uma candidata evangélica, Marina Silva, pelo PV, que, contudo, perdeu força ao não se comprometer com as pautas conservadoras. Em 2014, além do quadro presidencial, novamente com Marina Silva e também com o pastor Everaldo, candidato pelo PSC, houve um recorde de candidatos com os nomes “bispo” e “pastor”, quase 50% a mais que em 2010 [70] .
Esse crescimento refletiu o aumento da população evangélica, que passou de 15,4% para 22,2%, um total de 42,3 milhões de brasileiros, totalizando 22% do eleitorado, quase 27 milhões de votos [71] . Nessa disputa, Marina, já no PSB, buscou reforçar seus laços com a agenda moral de certas lideranças evangélicas, o que ainda assim não foi suficiente para colocar a ex-ministra do Meio Ambiente no 2o turno, uma vez que as lideranças evangélicas conservadoras se dividiram entre ela e Aécio Neves, do PSDB. Em 2018, finalmente, esse fenômeno se unificou em torno de um candidato, Bolsonaro, que terminou eleito com amplo apoio do eleitorado evangélico.
O eleitorado evangélico diante a pandemia do COVID-19
O crescimento das candidaturas evangélicas também se manifestou no plano municipal, como mostramos nos boletins do NUDEB em 2020 [72] . A vitória de Marcelo Crivella do PRB no Rio de Janeiro em 2016 foi a maior vitória desse fenômeno na esfera municipal. Em 2020, buscando reproduzir o sucesso da eleição anterior, as candidaturas evangélicas se ampliaram nas capitais, passando de 4 para 14.
As eleições de 2020 foram atravessadas pela pandemia da COVID-19, que, naquele momento, havia matado no Brasil 150 mil pessoas. A pandemia evidenciou não só a incapacidade de gestão governamental de Bolsonaro e dos seus apoiadores políticos, mas também a insensibilidade e o negacionismo do presidente, expressos em várias falas de Bolsonaro tipo “É só uma gripezinha”, ou “E daí”. Em suma, o vírus agravou diversos debates e enfrentamentos da sociedade brasileira contra Bolsonaro e seus apoiadores: O presidente que relativizou a gravidade da doença foi o principal responsável pela demora da execução de programas vacinais; na economia produziu diversos problemas sociais, como desemprego, aumento da pobreza, inflação dos alimentos, entre outros [73] .
Com isso, Bolsonaro e seus aliados perderam popularidade e a oposição passou a ganhar o debate nas ruas e nas redes contra o bolsonarismo. Do ponto de vista eleitoral, a principal consequência foi a derrota de candidatos bolsonaristas em quase todas as capitais. No Rio de Janeiro, Crivella não conseguiu se reeleger.
Um possível cenário para 2022
O quadro eleitoral atual é similar ao de dois anos atrás e, de acordo a pesquisa do Datafolha de 26 de maio de 2022, Bolsonaro será derrotado por Lula ainda no 1o turno, com o petista apresentando 48% das intenções de voto [74] . As lideranças evangélicas se mobilizam para mudar esse quadro, vide a proibição anunciada por José Wellinghton, presidente da Convenção das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), da entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas Igrejas. Bolsonaro segue com o apoio da maioria dos líderes neopentecostais nacionais.
A estratégia desse segmento para 2022 é similar à de quatro anos atrás: apresentar o atual presidente como “messias”, defensor dos valores cristãos e único capaz de impedir que o “comunismo” acabe com a pátria e com a família.
Apesar de liderar as pesquisas, Lula ainda perde entre os evangélicos, de acordo com o mesmo levantamento do Datafolha: ele tem 36% contra 39% para Bolsonaro. Mas trata-se de um quadro mais equilibrado do que em 2018 [75] . Em julho de 2022 ocorrerá a Marcha para Jesus, ato iniciado em 1993 com o intuito de celebrar a unidade evangélica em espaços públicos, e que recebe uma carga bastante politizada. De acordo com estudiosos acadêmicos e religiosos, esse evento pode virar uma “marcha para Bolsonaro”, sendo indispensável para interpretar o eleitorado evangélico perante as eleições deste ano. Uma possível racha entre esse eleitorado poderá ser crucial para o resultado das eleições. Entre as mulheres evangélicas, por exemplo, existe um distanciamento e arrependimento em relação ao presidente. Uma pesquisa realizada pelo Genial/Quaest em 21 de março confirma essa divisão no eleitorado evangélico, sendo a maioria dos homens ainda ao lado do atual presidente, enquanto a maioria das mulheres pretendia votar em Lula. A hipótese de pesquisadoras do tema é que os homens evangélicos se identificam mais com a retórica violenta e patriarcal de Bolsonaro. Por outro lado, identifica-se a existência de um sentimento de empatia por parte do campo feminino que afasta as mulheres de um governante insensível e cruel na pandemia, que debochou dos mortos e nada fez para diminuir as dores das famílias.
Assim, levando em consideração a formação estrutural das famílias brasileiras, que em sua maioria são constituídas por uma forte presença matriarcal, uma vez que a paternidade é uma realidade frágil no Brasil, há um possível deslocamento do eleitorado evangélico em favor de Lula. Isso pode ser reforçado pelo fato de que o eleitorado evangélico é composto em sua maioria por mulheres pobres e negras que sustentam suas casas sozinhas em contraste com os homens desse segmento. A hipótese que iremos monitorar, portanto, é se essa divisão de gênero vai prevalecer no eleitorado evangélico até outubro.
Conclusão
O eleitorado evangélico exerce um papel fundamental no processo político brasileiro. O Bolsonarismo conseguiu compreender o ressentimento desse grupo, que viu como ameaça a conquista dos movimentos sociais minoritários em detrimento de suas demandas cristãs ao longo dos governos petistas (2003-2016). Entretanto, a crise política agravada pela pandemia da Covid-19 e o posicionamento negacionista do governo tiveram como consequência uma quebra do público evangélico em relação ao Bolsonarismo, abrindo margem para o candidato Lula conquistar a parte feminina desse eleitorado. Dessa forma, é a partir da compreensão das demandas das mulheres evangélicas que pode definir o resultado da próxima eleição para presidente em 2022, ou seja, o candidato que levar em consideração essa análise de gênero marcada de maneira profunda poderá levar vantagem em relação aos outros.
[68] Graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ, pesquisadora no NUDEB e assistente de pesquisa no CESAP-UCA.
[69] https://www.ihu.unisinos.br/188-noticias/noticias-2018/584304-o-voto-evangelico-garantiu-a-eleicao-de-jair-bolsonaro
[70] https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/09/bcandidatos-evangelicosb-crescem-quase-50.html
[71] http://Graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ, pesquisadora no NUDEB e assistente de pesquisa no CESAP-UCA
[72] https://nudebufrj.wordpress.com/2020/08/18/liderancas-evangelicas-nas-eleicoes-municipais-de-2016/
[73] https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/24/protestos-sabado.ghtml
[74] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/05/26/interna_politica,1369294/datafolha-lula-tem-48-e-bolsonaro-27.shtml
[75] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/pesquisa-eleitoral/noticia/2022/05/27/datafolha-39percent-dos-que-se-dizem-evangelicos-declaram-intencao-de-voto-em-bolsonaro-e-36percent-em-lula.ghtml