Mais do que nunca precisamos de um serviço público forte e eficiente
Na contramão do resto do mundo, o governo Bolsonaro e os setores poderosos do mercado financeiro querem aproveitar a crise do coronavírus para destruir o que ainda resta do sistema público no país. Aqui, embora SUS seja um exemplo de serviço público que garante atendimento universalizado especialmente aos mais pobres, este vem sofrendo com cortes orçamentários que prejudicam a população. Só em 2019 foram R$ 9 bilhões a menos para o SUS.
Tal destruição é feita inclusive com apoio da mídia, especialmente da Rede Globo, que agora lança uma ostensiva campanha pelo corte de salário do funcionalismo público. Não esperaram nem um dia após a aprovação do estado de calamidade pública – que permite ao governo federal aumentar os gastos para o combate ao coronavírus – para mostrar a face e os interesses dos grupos econômicos que representa. Por amnésia ou oportunismo, a Globo não fala de um terceiro setor envolvido na economia nacional, que é o setor financeiro – aquele que nada produz e muito lucra. A própria Globo é parte interessada nisso, com seus lucros financeiros. Somos o país dos lucros astronômicos dos bancos que, ano após ano, lucram dezenas de bilhões mesmo em cenário de desemprego e baixo crescimento econômico. O Estado não pode proteger novamente o setor financeiro, como o fez na crise de 2008, usando a poupança do povo trabalhador. Todavia, o Sr. Guedes já anunciou um plano de socorro aos bancos de R$ 161 bilhões, que é 11 vezes maior que o valor destinado aos mais pobres (R$ 191 por pessoa, por três meses, num total de R$ 15 bilhões).
A argumentação da Globo contra os servidores é simplória: se a iniciativa privada terá prejuízo e, portanto, terá que cortar jornadas e salários dos trabalhadores, também os servidores públicos devem dar sua cota de sacrifício. Ocorre que o corte de salário e jornada de trabalho no setor privado vem sendo criticada por economistas de diferentes matizes por aprofundar a recessão. Em outros países, a exemplo da Inglaterra, o governo anunciou que vai bancar o salário dos trabalhadores como medida de combate a recessão – e a dívida pública do Reino Unido é de 80,8% do PIB enquanto no Brasil é 77,2%.
Os servidores públicos formam um corpo treinado e preparado para o funcionamento da máquina pública. Não é possível oferecer serviços públicos regulares e qualificados improvisados. Tanto quanto o nosso sistema sanitário (representado pelo SUS), o nosso sistema universitário federal e de pesquisa é bastante exitoso e imprescindível. Com conhecimento dos especialistas, em diversas áreas espalhados pelo país – via de regra formados em universidades públicas-, temos ajudado governadores e prefeitos na elaboração de medidas de mitigação da pandemia e buscando soluções de médio e longo prazo tais como vacinas e remédios contra o Covid-19.
Essa pandemia chegou ao Brasil em um momento de crise política e econômica. Essa crise sanitária tem se agravado muito pelas tardias ações do governo federal, cujo presidente insiste em chamar de gripezinha e que tem se mostrado negacionista dos conhecimentos produzidos pela ciência. O governo federal, mesmo com a pandemia já decretada pela OMS, manteve uma política ofensiva contra a ciência e contra programas sociais. A Portaria 34 da CAPES/MEC, que corta bolsas de mestrado e doutorado, irá destruir o exitoso sistema nacional de pós-graduação, portanto, a principal base da pesquisa nacional. Ao mesmo tempo, realizou um corte de 158 mil pessoas no programa Bolsa Família apenas na região nordeste. Não é aprofundando medidas deste tipo que sairemos das múltiplas crises que ameaçam nosso povo. Ao contrário, precisamos fortalecer o SUS, as Universidades, a pesquisa e todo o serviço público.
Estas duas crises somadas, o do Convid-19 e a crise política, poderão provocar uma tragédia social jamais vista em nosso país. Nos piores cenários, as projeções científicas dão conta de um milhão de mortos caso o Estado não tome as medidas de isolamento e quarentena em larga escala. As projeções de economistas de diversas correntes trabalham com PIB negativo de até 5% em 2020. Portanto, qualquer corte nos salários terá como consequência um corte em toda a cadeia, tanto a que garante a vida das pessoas quanto a que sustenta a economia produtiva; e o resultado será uma espiral de demissões, fechamentos de pequenos negócios e mais recessão.
Em suma, essa narrativa da Rede Globo é equivocada em todos os sentidos. Protege o lucro dos mais ricos, pede o corte de salários do funcionalismo público e naturaliza o corte de salários dos trabalhadores da iniciativa privada. Vai gerar mais recessão e sofrimento. Não iremos superar esta crise com ações oportunistas, mas com a união de todas as forças. Servidores públicos e nós das Universidades jamais recusamos a dar a nossa contribuição. Se querem nosso sacrifício, que apresentem um grande plano nacional. Estamos dispostos a conversar e negociar, mas não iremos tolerar que se proliferem mentiras a nosso respeito. Já bastam aquelas que nos dirige o ministro da educação, membro de um governo que, com pouco mais de um ano, já é a maior tragédia social e política da nossa história.
É evidente que estamos diante de uma crise cujos efeitos mal podemos imaginar. Apenas sabemos que serão terríveis. Esta pandemia não pode ser combatida apenas por meios econômicos e sanitários, que são sempre indispensáveis. Ela revela que o atendimento gratuito de saúde não é custo, mas um bem precioso. Tal como a ciência e a educação, que devem ficar fora das leis do mercado. Essa pandemia demanda outra relação entre a economia e a vida, precisamos amanhã tirar as lições do momento que estamos atravessamos, questionar o modelo de desenvolvimento que vem se mostrando incapaz de produzir humanidades: preservar a vida e a natureza.
Observatório do Conhecimento
22 de março de 2020.