PEC 188/2019: um desastre para as políticas sociais brasileiras

A dimensão ultraliberal do grupo no poder federal está expressa na PEC 188/2019-Senado: um desastre para as políticas sociais brasileiras

Nelson Cardoso Amaral

Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG)

            A Proposta de Emenda à Constituição No 188/Senado, de 2019 (PEC 188/2019-Senado), apresenta muitas mudanças na Constituição Federal de 1988 (CF-1988), alterando, incluindo e excluindo artigos, parágrafos e revogando dispositivos constitucionais e legais.

            As mudanças constitucionais propostas expõem a dimensão ultraliberal do grupo que assumiu o governo em âmbito federal, ao não querer estabelecer planos plurianuais, desvincular o máximo possível os recursos financeiros associados às políticas sociais, e transferir para estados, Distrito Federal e municípios as responsabilidades para que haja a diminuição das desigualdades sociais; por outro lado, ao gerir os recursos do fundo público, arrecadados da população brasileira, transfere recursos públicos para o setor privado realizar ações sociais e protege, com todas as liberações possíveis, as despesas financeiras associadas ao capital financeiro.

            Neste estudo apresentaremos, em primeiro lugar, um Resumo Expandido que mostra os diversos componentes das alterações constitucionais propostas para, depois, detalhar cada um desses componentes, expondo o texto em vigor e as alterações propostas.

RESUMO

            A PEC 188/2019-Senado apresenta alterações à CF-1988 que podem ser resumidas nos seguintes itens:

  1. O fim da vinculação dos recursos financeiros para a saúde e educação, de forma independente. Isto significa que passa a haver uma vinculação acoplada entre os recursos financeiros aplicados em saúde e educação. O ente federado que aplicar valor maior que o mínimo em um setor poderá aplicar um valor menor no outro setor. Instala-se, portanto, uma perversa disputa entre as áreas de saúde e educação que trará sérios prejuízos para a população brasileira que, na verdade, precisa da elevação dos recursos financeiros aplicados em ambos os setores sociais.
  •  Como fica o Fundeb? Como o Fundeb é definido como uma subvinculação dos recursos vinculados para a educação, surge imediatamente esta questão. A PEC 188/2019-Senado não altera a definição do Fundeb e, portanto, ele continuaria existindo. Isto significa que a União poderia transferir grande parte dos recursos vinculados à educação para a saúde, e estados, Distrito Federal e municípios teriam que apenas respeitar a vinculação dos impostos ao Fundeb (20% dos seguintes impostos: ICMS, ITCD, IPVA, FPE, Cota-Parte do IPI-Exp., FPM, e Cota-Parte do ITR) e os recursos restantes poderiam ser transferidos para a saúde (5% dos impostos listados anteriormente, vinculados ao Fundeb e 25% dos seguintes impostos: Cota-Parte do IOF-Ouro, Cota-Parte da desoneração do ICMS, LC 87/1996, IPTU, ITBI, e ISS).
  • Além dos recursos associados ao Fundeb será o fim dos recursos federais para a educação básica? Esta questão se apresenta, pois, a PEC 188/2019-Senado propõe que não existam mais os “programas suplementares de material didático, escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” e afirma que os programas existentes seriam executados com recursos apenas dos estados, Distrito Federal e municípios. Para confirmar uma resposta positiva para a essa pergunta, a PEC 188/2019-Senado propõe que os recursos da Contribuição do Salário-Educação sejam totalmente transferidos para esses entes federados, não ficando, portanto, nenhuma parcela na União.
  • Os entes federados ficariam desobrigados de expandir a rede pública de educação e os recursos públicos poderiam ser aplicados em escolas privadas. O texto constitucional estabelece que os recursos públicos podem se destinar ao pagamento de bolsas de estudo quando haja falta de vagas na rede pública do local de residência do estudante, mas o ente federado fica obrigado a expandir a sua rede. A PEC 188/2019-Senado propõe uma alteração que desobriga o ente federado desta expansão, podendo, então, pagar bolsas de estudo para toda a educação básica em escolas cadastradas – que podem ser escolas privadas – e isto passaria a se configurar como uma situação perene naquela localidade.
  • A redução dos salários dos servidores públicos dos entes federados – União, estados, Distrito Federal e municípios. Isto ocorreria quando o endividamento público exceder-se as despesas de capital, o que já está previsto na proposta orçamentária para o ano de 2020. Neste caso, a carga horária de trabalho e os salários dos servidores públicos poderiam ser reduzidos em até 25%. Além disto, a PEC 188/2019-Senado estabelece que os salários não terão mais reajustes anuais obrigatórios.
  • É tornado ainda mais drástico o congelamento dos recursos do Poder Executivo previsto na EC 95/2016. A PEC 188/2019-Senado propõe regras adicionais ao congelamento estabelecido pela EC 95/2016 e isto passará a ocorrer quando as despesas primárias obrigatórias atingirem 95% das despesas primárias totais. Neste caso suspende-se até a possibilidade de os valores serem reajustados pela inflação do período anterior.
  • É revogado o Fundo Social e a destinação de recursos para a educação e a saúde. A proposta da PEC 188/2019-Senado revoga os artigos 46 a 60 da Lei 12.351 de 22/12/2010 que definiu o Fundo Social do pré-sal e que destinava parte dos recursos financeiros pela exploração do petróleo e gás natural para a saúde e educação. Revogam-se, portanto, os percentuais estabelecidos pela Lei 12.858 de 9/09/2013 que destinava 75% dos recursos para a educação básica e 25% para a saúde.
  • É revogada a vinculação de recursos financeiros aplicados em saúde à variação do PIB. Com a revogação do Art. 5º da Lei Complementar 141 de 13/01/2012, retira-se a vinculação dos recursos aplicados nas ações de saúde da população, ao crescimento do PIB. Retira-se, portanto, a possibilidade de, quando houver aumento da riqueza brasileira, obrigar-se à elevação desses recursos financeiros.
  • É imposta uma condicionalidade para a promoção dos direitos sociais da população. Os direitos sociais estabelecidos pela CF-1988 são os seguintes: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. A PEC 188/2019-Senado propõe a incorporação do “direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”. Qual a definição para “equilíbrio fiscal intergeracional”? Tudo indica que ele poderá ser utilizado pelos governantes para bloquear ações que procurem ampliar os recursos para os direitos sociais listados na CF-1988.
  • Revogam-se a obrigatoriedade da elaboração dos Planos Plurianuais: quer-se evitar a apresentação de metas para a redução das desigualdades? Caso as propostas de alteração constitucional sejam aprovadas não seria mais preciso elaborar os Planos Plurianuais que especificavam “de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada” e revoga-se o parágrafo que explicitava que os orçamentos compatibilizados com os planos teriam as funções “de reduzir as desigualdades inter-regionais”. Com esta revogação parece-nos que a resposta é afirmativa para a questão apresentada.
  1. A PEC 188/2019-Senado propõe intervir na autonomia dos entes federados. Como a proposta do Future-se, que interviria na autonomia das universidades federais definida na CF-1988, esta PEC faz a mesma ação com os entes federados. Propõe-se que a distribuição de recursos associados ao petróleo e gás natural seja vinculada a “indicadores de resultados” dos estados, Distrito Federal e municípios e prevê a constituição de um Conselho Fiscal da República que monitoraria a execução dos orçamentos dos entes federados, podendo expedir recomendações, fixar diretrizes e comunicar irregularidades detectadas.
  1. Proteção às despesas financeiras associadas ao capital financeiro. A proteção às despesas financeiras inicia-se com a não incorporação à EC 95/2016 de nenhum limite aos seus valores, apesar de a PEC 188/2019-Senado ter incorporado condições que tornam mais drásticos os limites para as despesas primárias. Além disto, detecta-se, ao longo do texto, um fio condutor que dedica especial atenção à preservação das condições para a realização deste tipo de despesa, quando comparado às despesas realizadas com a vertente social do fundo público constituído por recursos arrecadados da população brasileira.

ANÁLISE DAS PROPOSTAS APRESENTADAS

  1. O fim da vinculação dos recursos financeiros para a saúde e para a educação, de forma independente.

A PEC 188 propõe mudanças no Art. 167 da CF-1988 que alteram substancialmente os recursos financeiros aplicados na saúde e na educação. O Art. 167 estabelece, em seu inciso IV, que são vedados:

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo. (grifos nossos).

            É este artigo que permite a vinculação de impostos para a saúde e para a educação e que constam dos artigos 198 e 212 da CF-1988, respectivamente. A PEC 188/2019-Senado propõe para este inciso IV a seguinte redação:

IV – a vinculação das receitas públicas a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas:

a) as oriundas da arrecadação de taxas, de contribuições, das doações, dos empréstimos compulsórios e das receitas de capital;

b) a repartição entre os entes federados do produto da arrecadação das receitas a que se referem os §§ 1º e 3° do art. 20, o inciso III do parágrafo único do art. 146 e os arts. 157, 158 e 159, bem como a destinação a que se refere o art. 159, I, “c”, desta Constituição;

c) as repartições com Estados e Municípios dos recursos financeiros oriundos de concessão florestal;

d) as repartições com Municípios e Distrito Federal dos recursos da cobrança de taxa de ocupação, foro e laudêmio;

e) a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8°; e

f) a permitida pelo § 4° deste artigo.

            Note-se que não há nenhuma ressalva feita para a vinculação de recursos para a educação e para a saúde como há no texto da CF-1988. Como continuar com a vinculação da receita de impostos para “os serviços públicos de saúde” e para a “manutenção e desenvolvimento do ensino”?

            Apesar desta alteração, as vinculações previstas nos artigos 198 e 212 da CF-1988 estão mantidas, para a saúde e educação, respectivamente. Entretanto, há a proposta de que sejam acrescentados parágrafos aos artigos 198 e 212 explicitando que não há mais uma independência entre as vinculações e que passariam a ser analisadas em conjunto, ou seja, a soma dos recursos aplicados em saúde e em educação é que passariam a ser vinculados.

            A inclusão do § 7º, que segue, no Art. 198, implica que se os valores aplicados em saúde forem, além do mínimo, pode-se aplicar um volume de recursos em educação menor que o mínimo:

Para fins de cumprimento do disposto no §2°, fica autorizada, na elaboração da proposta orçamentária e na respectiva execução, a dedução do montante aplicado na manutenção e desenvolvimento do ensino que exceder o mínimo aplicável nos termos do art. 212, caput, desta Constituição.

            O inverso da saúde fica estabelecido no § 7° do Art. 212:

Para fins de cumprimento do disposto no caput, fica autorizada, na elaboração da proposta orçamentária e na respectiva execução, a dedução do montante aplicado em ações e serviços públicos de saúde que exceder o mínimo aplicável, nos termos do art. 198, § 2°, desta Constituição.

            Portanto, a proposta da PEC 188/2019-Senado concretiza uma perversa vinculação acoplada entre saúde e educação, ao estabelecer uma disputa entre essas duas áreas fundamentais para o desenvolvimento do país, o que só trará prejuízos para a população brasileira, uma vez que esses dois setores são subfinanciados no Brasil, quando se compara com o que ocorre nos países membros da OCDE.

  • Como fica o Fundeb?

            As propostas de alteração dos Arts. 198 e 212 significam que a definição do Fundeb será alterada?

            Esta pergunta se justifica pelo fato de que o Fundeb é definido como uma subvinculação da vinculação dos recursos que os estados, o Distrito Federal e os municípios devem aplicar em educação, além dos recursos complementares da União.

            Como a PEC 188/2019-Senado não propõe alterar o artigo 60 da ADCT da CF-1988, relativo ao Fundeb, pode-se concluir que o Fundeb estaria mantido. Desta forma, os estados, o DF e os municípios teriam então um limite “estreito” para deslocar recursos que seriam da educação, para a saúde, uma vez que isto somente poderia ser realizado com os valores dos impostos que não estivessem associados ao Fundeb.

            No caso da União, este ente federado teria que cumprir com as seguintes obrigações constitucionais e legais em relação à educação, antes de transferir recursos da educação para a saúde:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (…) (grifos nossos).

Art. 60-ADCT, Incisos V, VI e VII, em que este estabelece: VII – a complementação da União de que trata o inciso V do caput deste artigo (…) será de no mínimo (…) d) 10% (dez por cento) do total dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, a partir do quarto ano de vigência dos Fundos

Art. 55 da Lei 9.394 de 20/12/1996, LDB: Caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas.

            Caso o valor financeiro aplicado pela União, após cumprir estas obrigações, for menor do que os 18% vinculados pelo Art. 212 é que este ente federado poderia aplicar a diferença em saúde e, desta forma, estaria satisfazendo a vinculação conjunta saúde-educação proposta pela PEC 188/2019-Senado.

            Os estados, o DF e os municípios deveriam primeiramente transferir os recursos para o Fundeb para depois examinarem que valores vinculados à educação poderiam ser aplicados à saúde conforme estabelece a proposta de alteração do Art. 212 presente na PEC 188/2019-Senado.

            O quadro 01 mostra o potencial de recursos financeiros que são vinculados à educação e que poderiam ser liberados para a aplicação em saúde. Ficariam garantidos para serem aplicados em educação apenas os percentuais transferidos ao Fundeb.

Quadro 01 – O potencial de recursos financeiros vinculados à educação que poderiam ser liberados para aplicação em saúde
Ente Federado Impostos que ficam nos entes federados Percentual (%) transferido ao Fundeb Percentual liberado para aplicar em saúde – potencial
      Estados ICMS 20 5
ITCD 20 5
IPVA 20 5
FPE (Transferido pela União) 20 5
Cota-parte do IPI-Exp.* 20 5
Cota-parte do IOF-Ouro* 25
Cota-parte da desoneração do ICMS, LC 87/1996* 25
        Municípios IPTU 25
ITBI 25
ISS 25
FPM (Transferido pela União) 20 5
Cota-parte do ICMS** 20 5
Cota-parte do IPVA** 20 5
Cota-parte do ITR* 20 5
Cota-parte do IOF-Ouro* 25
Cota-parte da desoneração do ICMS, LC 87/1996* 25
*Transferidos pelo União aos estados, Distrito Federal e municípios **Transferidos pelos estados aos municípios

            Portanto, somente os recursos financeiros associados aos percentuais da última coluna do quadro poderiam ser utilizados para a saúde, considerando-se que os valores restantes estão vinculados ao Fundeb.

            Analisando-se os recursos associados aos estados, nota-se que apenas as cotas-partes do IOF-Ouro e da desoneração do ICMS, LC 87/1996, estariam completamente desvinculados do Fundeb e que os governantes poderiam aplicar os 25% vinculados originalmente para a educação, para a saúde.

            Os estados, o DF e os municípios utilizam os recursos não associados ao Fundeb na implementação de programas e ações especiais desenvolvidas pelos governantes desses entes federados. Dessa forma, acabaria essa liberdade para os governantes na área educacional em troca da liberdade de aplicar esses recursos em saúde, caso se estabeleça esta ação como prioritária. Parece não haver dúvidas de que esses recursos se dirigirão para a área da saúde, que possui apelos maiores que a área da educação para a sua utilização e dão respostas para a população de forma bem mais rápida que aqueles aplicados em educação – neste caso há que se esperar um período equivalente a pelo duas décadas para os efeitos aparecerem de forma substancial nas próximas gerações.

  • Além dos recursos associados ao Fundeb será o fim dos recursos financeiros federais para a Educação Básica?

            A PEC 188/2019-Senado propõe a alteração do Art. 208 que estabelece: o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de diversos aspectos, dentre eles, aquele que estabelece: “VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.” (grifos nossos). A proposta da PEC 188/2019-Senado retira a palavra suplementares.

            Esta proposta de alteração fica coordenada com aquela para o art. 212, em seu § 4º. O texto atual deste parágrafo é o seguinte:

§ 4º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. (grifos nossos)

            A proposta de alteração apresentada é a seguinte:

§ 4° Os programas previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais, repassados na forma do § 6° deste artigo, e outros recursos orçamentários dos Estados, Distrito Federal e Municípios. (grifos nossos)

            O § 6º do artigo 208 também é alterado, e o texto atual, “§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino.” é proposto para ser o seguinte:

§ 6° A arrecadação da contribuição social do salário-educação será integralmente distribuída, nos termos da lei, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, considerando o número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino, observando-se o disposto no art. 3°, III, desta Constituição.

            Note-se que:

            1) os programas são chamados de “suplementares” pelo fato do Art. 211 da CF estabelecer que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino” e o § 1º afirmar que “A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios’ (grifos nossos)

            Portanto, o Art. 211, em que não há proposta para a sua alteração, estabelece um “regime de colaboração” entre os entes federados e a União exerce função “redistributiva e supletiva” mediante “assistência técnica e Financeira” aos outros entes da federação. Daí, pode-se concluir que a função “supletiva” da União, por meio de “programas suplementares” deixa de ter a previsão de recursos vinculados a ela.

            2) O § 4º em vigor estabelece que a assistência financeira da União aos outros federados se dará por “contribuições sociais” e “outros recursos orçamentários”, portanto, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A alteração proposta estabelece apenas os recursos da contribuição social do salário-educação e retira a responsabilidade da União dos outros recursos orçamentários, ficando apenas os recursos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

            Dessa forma, a única resposta possível para a pergunta presente neste item de análise é sim. A União se exime da responsabilidade estabelecida no Art. 211 da CF-1988, do “regime de colaboração” e da função “supletiva”, com relação ao financiamento da educação realizada nos estados, Distrito Federal e municípios. Como já examinamos, a União aportaria apenas os recursos complementares associados ao Fundeb.

  • Os entes federados ficariam desobrigados de expandir a rede pública de educação e os recursos públicos poderão ser aplicados em escolas privadas.

            O Art. 213 da CF-1988 estabelece que “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei (…)”. A alteração proposta neste artigo está no § 1º. O texto atual afirma que:

§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.” (grifos nossos).

            A nova redação proposta pela PEC 188 afirma que:

§ 1° Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino básico, na forma da lei, para os interessados inscritos e selecionados que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver instituições cadastradas, segundo requisitos definidos em lei, na localidade da residência do educando.

            Portanto, o poder público deixa de ter a obrigação de “investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade” em que “houver falta de vagas e cursos regulares na rede pública na localidade da residência do educando”, podendo para isto ofertar “bolsas de estudo para o ensino básico [sic]” – e não só para o ensino fundamental e o médio – para aqueles “interessados” que “demonstrem insuficiência de recursos”, quando “houver instituições cadastradas”, segundo requisitos estabelecidos em lei”.

            Note-se que, neste caso, não há nenhuma restrição quanto ao tipo de escola, podendo ser, portanto, escolas privadas. Reforça-se aqui que com este novo texto, tanto a União, quanto estados, o distrito Federal e municípios não possuem mais a obrigação de expandir as suas redes nas localidades em que há falta de vagas públicas, deixando que os estudantes recebam bolsas de estudo pagas com recursos públicos dos entes federados.

            Consequentemente, são recursos públicos que passarão a ser dirigidos num fluxo contínuo para as escolas privadas sem que os entes federados tenham que expandir a rede pública.

  • A redução dos salários dos servidores públicos dos entes federados – União, estados, Distrito Federal e municípios

            A PEC 188/2019-Senado propõe que, quando o “volume de operações de crédito” (endividamento) excede à “despesa de capital”, há a quebra da chamada “Regra de Ouro” e esta condição já está explicitada na Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) para 2020, “serão automaticamente acionados mecanismos de estabilização e ajuste fiscal”, dentre eles a seguinte ação, prevista no § 3° do Art. 167-A:

(…) a jornada de trabalho dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional poderá ser reduzida em até vinte e cinco por cento, com adequação proporcional de subsídios e vencimentos à nova carga horária, nos termos de ato normativo motivado do Poder Executivo, dos Órgãos do Poder Judiciário, dos Órgãos do Poder Legislativo, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, que especifique a duração, a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objetos da medida, bem como discipline o exercício de outras atividades profissionais por aqueles que forem alcançados por este dispositivo. (grifos nossos).

            A aprovação da PEC 188/2019-Senado, nos termos apresentados, ensejará o acionamento automático no ano de 2020 da redução de carga horária e dos salários em todos os entes federados.

            Além disto, a PEC 188/2019-Senado propõe que seja revogada a garantia de revisão anual dos salários. Isto está presente numa alteração do Inciso X do Art. 37 da CF-1988. O texto atual afirma: “X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices” (grifos nossos). A PEC 188/2019-Senado retira a parte que foi grifada neste inciso, o que retira, portanto, a garantia de revisão anual dos salários.

  • É tornado ainda mais drástico o congelamento dos recursos do Poder Executivo previstos na EC 95/2016.

  No Art. 109-ADCT da CF-1988 há diversas vedações relacionadas às despesas de pessoal e outras despesas correntes, caso haja “descumprimento de limite individualizado” estabelecido pela EC 95/2016 que congelou durante 20 anos as despesas primárias do Poder Executivo e dos seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal; Superior Tribunal de Justiça; Conselho Nacional de Justiça; Justiça do Trabalho; Justiça Federal; Justiça Militar da União; Justiça Eleitoral; Justiça do Distrito Federal e Territórios; Senado Federal; Câmara dos Deputados; Tribunal de Contas da União; Ministério Público da União;  Conselho Nacional do Ministério Público; e Defensoria Pública da União.

            Propõe-se com a PEC 188/2019-Senado condições ainda mais rígidas: as vedações passam a ocorrer quando “a proporção da despesa obrigatória primária em relação à despesa primária total foi superior a noventa e cinco por cento” (grifos nossos); neste caso, aplicam-se as medidas já estabelecidas com vedações às despesas de pessoal e de outras despesas correntes.

             O Art. 111-ADCT, da CF-1988, também relacionado ao Novo Regime Fiscal, estabelece que a partir do ano de 2018 os limites dos reajustes orçamentários do Poder Executivo e de cada um dos órgãos listados anteriormente seria aquele corrigido pela variação do IPCA “para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior”. A PEC 188/2019-Senado propõe a suspenção da possibilidade desse reajuste nas seguintes situações:

  1. Art. 163 (proposta de acréscimo de um inciso VIII):

VIII – sustentabilidade, indicadores, níveis e trajetória de convergência da dívida, resultados fiscais, limites para despesas e as respectivas medidas de ajuste, permitida a aplicação daquelas previstas no art. 167-A e nos §§ 3° e 4° do art. 169 desta Constituição, independentemente da concessão da autorização a que se refere o inciso III do art. 167 desta Constituição e do limite de despesa com pessoal ativo, inativo e pensionista.

  • Art.167-A (proposta da PEC 188 prevê a inclusão deste artigo 167-A)

No exercício para o qual seja aprovado ou realizado, com base no inciso III do art. 167 da Constituição Federal, volume de operações de crédito que excedam à despesa de capital serão automaticamente acionados mecanismos de estabilização e ajuste fiscal, sendo vedadas ao Poder Executivo, aos órgãos do Poder Judiciário, aos órgãos do Poder Legislativo, ao Ministério Público da União, ao Conselho Nacional do Ministério Público e a Defensoria Pública da União, todos integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União (grifos nossos).

            Quando o “volume de operações de crédito” (endividamento) excede à “despesa de capital” há a quebra da chamada “Regra de Ouro”. Esta condição já está explicitada na Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) para 2020, o que nos leva a concluir que as seguintes vedações previstas neste Art. 167-A serão implementadas, imediatamente, caso seja aprovada esta medida da PEC 188/2019-Senado:

I – concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores ao início do regime de que trata este artigo;

II- criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III – alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV- admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;

V -realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI – criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de membros de Poder,

do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares ;

VII – aumento do valor de benefícios cunho indenizatório destinados a servidores públicos e seus dependentes e;

VIII – criação de despesa obrigatória;

IX – adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso

IV do caput do art. 7° da Constituição Federal;

X – criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como a remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções; e

XI – concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.

§ 1 o Adicionalmente às vedações a que se refere o caput deste artigo, serão adotadas as seguintes suspensões:

Ida destinação a que se refere o art. 239, § 1 o da Constituição Federal; e

II – de progressão e da promoção funcional em carreira de servidores públicos, incluindo os de empresas públicas e de sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio, com exceção das promoções:

a) de que tratam o art. 93, inciso II;

b) dos membros do Ministério Público;

c) do Serviço Exterior Brasileiro;

d) das Carreiras policiais; e

e) demais que impliquem alterações de atribuições.

§ 2° Para fins de aplicação do disposto do inciso II do § 1°:

I – durante o período de suspensão ficam vedados quaisquer atos que impliquem e conhecimento, concessão ou pagamento de progressão e promoção a que se refere o inciso 11 do § 2°, não se constituindo desta suspensão quaisquer efeitos obrigacionais futuros;

(…)

  • Art. 109, analisado anteriormente.

            Os efeitos da EC-95 sobre o Poder Executivo já estão reduzindo os valores financeiros vinculados pelo Constituição brasileira e no caso da aprovação dessas propostas os efeitos poderão ser ampliados e a Meta 20 do PNE (2014-2024), que vincula os recursos educacionais em 2024 ao valor equivalente a 10% do PIB, estará totalmente inviabilizada.

  • A proposta da PEC 188/2019-Senado é de revogação do Fundo Social e a destinação de parte dos recursos associados à exploração de petróleo e gás natural para saúde e educação, na proporção de 75% para a educação e 25% para a saúde

            Uma conjunção que revoga os artigos 46 a 60 da Lei No 12.351 de 22/12/2010 e a Lei No 12.858, de 9/09/2013, estabelece o fim do Fundo Social do pré-sal e a destinação de parcela “da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural” para a saúde e educação.

            O Fundo Social, estabelecido pela Lei No 12.351 de 22/12/2010, é constituído

com a finalidade de constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento: I – da educação; II – da cultura; III – do esporte; IV – da saúde pública; V – da ciência e tecnologia; VI – do meio ambiente; e VII – de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Os artigos de 46 a 60 a serem revogados estabelecem as fontes dos recursos do Fundo Social (FS), define e estabelece os objetivos do FS, lista as fontes de recursos do Fundo, estabelece a política de investimentos do FS, e define como se dá a gestão do Fundo Social.

A Lei 12.858 de 9/09/2013 estabelece que serão destinados exclusivamente para a educação básica no montante de 75%, e para a saúde no montante de 25%, dos seguintes recursos:

I – as receitas dos órgãos da administração direta da União provenientes dos royalties e da participação especial decorrentes de áreas cuja declaração de comercialidade tenha ocorrido a partir de 3 de dezembro de 2012, relativas a contratos celebrados sob os regimes de concessão, de cessão onerosa e de partilha de produção, de que tratam respectivamente as Leis nºs 9.478, de 6 de agosto de 1997, 12.276, de 30 de junho de 2010, 12.351, de 22 de dezembro de 2010, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva;

II – as receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios provenientes dos royalties e da participação especial, relativas a contratos celebrados a partir de 3 de dezembro de 2012, sob os regimes de concessão, de cessão onerosa e de partilha de produção, de que tratam respectivamente as Leis nºs 9.478, de 6 de agosto de 1997, 12.276, de 30 de junho de 2010, 12.351, de 22 de dezembro de 2010, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva.

Estes recursos seriam, portanto, completamente retirados das áreas da educação e da saúde.

Na mudança proposta do Art. 6º, como já vimos, propõe-se incluir o direito ao “equilíbrio fiscal intergeracional”. Pode-se perguntar, então, se a existência deste Fundo Social e da vinculação de recursos para a saúde e para a educação não fariam parte deste direito? Como explicar a retirada desses importantes recursos para esses setores sociais?

  • Propõe-se a revogação da vinculação dos recursos financeiros a serem aplicados em saúde à riqueza nacional, expressa na variação do PIB

            A PEC 188/2019-Senado propõe a revogação do Art. 5º da Lei Complementar No 141 de 13 de janeiro de 2012. Este artigo estabelece que:

Art. 5o A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. (grifos nossos).

            Com esta proposta, se aprovada, acaba-se, portanto, a vinculação dos recursos aplicados nos serviços da saúde, quando houver aumento da riqueza brasileira representada pelo Produto Interno Bruto (PIB).

  • É imposta uma condicionalidade para a promoção de direitos sociais da população.

            O Art. 6º da CF-1988 estabelece como “direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” A PEC 188/2019-Senado propõe a inclusão de um Parágrafo Único neste artigo que condiciona a promoção desses direitos sociais a um “direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”, e o faz com o seguinte texto : “Será observado, na promoção dos direitos sociais, o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional” (grifos nossos).

            Há que se perguntar: qual o significado de “equilíbrio fiscal intergeracional”? Que parâmetros serão utilizados para que os recursos financeiros advindos, por exemplo, da riqueza natural do Brasil sejam aplicados na promoção dos direitos sociais das gerações futuras? Será constituído algum Fundo Financeiro para que isto ocorra? Os recursos de um possível Fundo poderão ser utilizados para o pagamento e amortização das despesas financeiras previstas nos orçamentos?

            Esta condição, a de que seja observado “o direito ao equilíbrio intergeracional”, pode ser utilizado pelos governantes para bloquear ações que visem aplicar maiores volumes de recursos financeiros oriundos, por exemplo, da riqueza natural do petróleo e do gás natural na educação e na saúde. Isto vai se efetivar se as propostas da PEC forem aprovadas, pois dentre elas está aquela da extinção do Fundo Social estabelecido pela Lei 12.351 de 22/12/2010, como veremos mais adiante.

            A imposição desta condicionalidade, na prática, impediria o desenvolvimento de programas e ações relacionadas aos direitos sociais, pois sempre se poderá alegar quebra do “equilíbrio fiscal intergeracional”, por exemplo, se o país não mantiver em dia o pagamento das despesas financeiras – juros, encargos e amortização da dívida – ou a “quebra” da chamada Regra de Ouro (esta regra estabelece que o endividamento anual do País não poderá ser superior aos valores aplicados em investimento no ano, sem autorização do Congresso Nacional).

  1. Propõe-se a revogação da obrigatoriedade de o poder executivo elaborar um Plano Plurianual: quer-se evitar a apresentação de metas para a redução das desigualdades?

            A Seção II da CF-1988 que trata dos orçamentos poderá sofrer diversas alterações caso a PEC 188/2019-Senado seja aprovada. Em primeiro lugar revoga-se a exigência de o Poder Executivo encaminhar um “Plano Plurianual” e inclui-se em seu lugar que sejam elaborados “orçamentos plurianuais”.

            Dessa forma, o poder executivo fica dispensado de elaborar “de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”, pois este conteúdo presente no § 1º do Art. 165 também tem a proposta de sua revogação.

            A sistemática substituição de planos plurianuais por orçamentos plurianuais ao longo de toda a PEC 188/2019-Senado não tem justificativa explicitada e nenhum detalhamento de sua estrutura, temporariedade e constituição. Vale perguntar: qual a justificativa para que não seja apresentado um plano plurianual? Um país como o Brasil, com tantas desigualdades e assimetrias regionais tão intensas, exige a existência de planos conectados aos orçamentos que considerem metas e ações para a superação desses ingredientes que impedem a formação de uma sociedade mais justa e mais democrática.

      Esta conclusão se justifica quando a PEC 188/2019-Senado propõe a revogação dos § 4º e § 7º do Art. 165. O § 4º afirma que: “Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional” e o § 7º tem a seguinte redação:

§ 7º Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. [Os incisos I e II do § 5º são os seguintes: I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.] (acréscimos e grifos nossos)

            A revogação desses dois parágrafos deixa bem clara a despreocupação em se estabelecer “planos” para que se reduzam as “desigualdades inter-regionais”. As desigualdades, quando mantidas, perpetuam em seu bojo a contínua redução dos direitos sociais.

  1. A PEC 188/2019-Senado propõe intervir na autonomia dos entes federados

            As seguintes mudanças propostas na PEC 188/2019-Senado interferem na autonomia dos entes federados:

  1. O Art. 20 da CF-1988 ao estabelecer quais são os “bens da União” afirma em seu § 1º que:

É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. (grifos nossos) 

A PEC 188/2019-Senado acrescenta a este artigo os seguintes parágrafos:

“§ 3º Para assegurar o fortalecimento da Federação, a União transferirá parte dos recursos de que trata o §1º que sejam de sua titularidade a todos Estados, Municípios e ao Distrito Federal, cabendo à lei estabelecer percentuais, base de cálculo e condições, bem como disciplinar critérios de distribuição que contemplem, entre outros, indicadores de resultado.” (grifos nossos)

e “§ 4° É vedada a utilização dos recursos de que trata o § 3° para pagamento de despesa com pessoal ativo, inativo e pensionista.” (grifos nossos).

            Ao propor a definição de “indicadores de resultados” e proibir o “pagamento de pessoal ativo, inativo e pensionista” quer-se interferir na autonomia dos entes federados estabelecida no Art. 18 da CF-1988.

            O estabelecimento de indicadores de resultados exigirá a existência de “agentes” que acompanhem a evolução desses indicadores e que sejam estabelecidas punições aos governantes que não conseguirem atingir as metas presentes nos indicadores. Esta mudança parece não lembrar que já existe toda uma estrutura formalizada de fiscalização e punição dos que desempenham funções governamentais no âmbito dos entes federados.

            Nesta mesma vertente, a PEC 188/2019-Senado propõe o acréscimo do Art. 135-A que constitui um Conselho Fiscal da República definido como “órgão superior de coordenação da política fiscal e preservação da sustentabilidade financeira da Federação” (grifos nossos). Este Conselho teria a seguinte constituição: “I- o Presidente da República; II – o Presidente da Câmara dos Deputados; III- o Presidente do Senado Federal; IV- o Presidente do Supremo Tribunal Federal; V – o Presidente do Tribunal de Contas da União; VI – três Governadores; e VII – três Prefeitos.”

            Dentre as suas competências, o Conselho Fiscal da República estão os seguintes itens:

“II- monitorar regularmente os orçamentos federais, estaduais e distrital, inclusive quanto à respectiva execução; IV – expedir recomendações, fixar diretrizes e difundir boas práticas para o Setor Público, inclusive em relação ao disposto no § 2° do art. 167-B desta Constituição; e V – comunicar aos órgãos competentes eventuais irregularidades detectadas.” (grifos nossos).

            O fato deste Conselho “monitorar” os orçamentos dos entes federados “inclusive quanto à respectiva execução”, “expedir recomendações” e “comunicar” “eventuais irregularidades detectadas”, não deixa dúvidas sobre a interferência à autonomia dos entes federados.

            Esta posição governamental de pretender intervir na autonomia de setores estabelecidos na CF-1988 também encontra-se presente na proposta do Future-se apresentada às Universidades e Institutos Federais, quando estabelece a obrigatoriedade da assinatura de um Contrato de Desempenho institucional, contendo indicadores associados a todas as atividades institucionais, quando a adesão ao Future-se significaria ter acesso aos recursos financeiros de apenas dois fundos financeiros a serem ainda constituídos.

            Note-se que os indicadores de resultados propostos na PEC 188/2019-Senado também não se restringiriam às ações desenvolvidas com os recursos financeiros previstos no § 1º do Art. 20 e, sim, a todas as ações desenvolvidas por estados, Distrito Federal e municípios.

  1. Proteção às despesas financeiras associadas ao capital financeiro

            Ao longo da PEC 188/2019-Senado detecta-se uma linha de alterações que procura estabelecer uma proteção às despesas financeiras associadas ao capital financeiro:

  1. Ao propor o “direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”, pode-se perguntar: os fundos a serem constituídos poderão ser utilizados para o pagamento das despesas financeiras para que se garanta o equilíbrio fiscal?
  2. O inciso VIII do Art. 163 estabelece que:

VIII – sustentabilidade, indicadores, níveis e trajetória de convergência da dívida, resultados fiscais, limites para despesas e as respectivas medidas de ajuste, permitida a aplicação daquelas previstas no art. 167-A e nos §§ 3° e 4° do art. 169 desta Constituição, independentemente da concessão da autorização a que se refere o inciso III do art. 167 desta Constituição e do limite de despesa com pessoal ativo, inativo e pensionista.”

  • O § 2º do Art. 165 foi alterado para o seguinte texto:

§ 2° A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal estabelecerá a política fiscal e respectivas metas, em consonância com trajetória sustentável da dívida pública, orientará a elaboração da lei orçamentária plurianual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

  • O Art. 7º afirma:

“O excesso de arrecadação e o superávit financeiro das fontes de recursos, apurados nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, com exceção daqueles decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas com Estados, Distrito Federal e Municípios, serão destinados à amortização da dívida pública federal”.

            Além destes itens, observa-se que, apesar da EC 95/2016 tornar-se mais drástica no controle das despesas primárias, as despesas financeiras continuam sem nenhum limite associado à inflação, à variação do PIB, à variação da arrecadação de impostos ou às necessidades sociais da população brasileira.

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