7 razões para sair (de preto) às ruas no 7 de setembro
Neste 7 de setembro entidades ligadas à educação e à ciência estão convocando nova manifestação contra os cortes orçamentários e em defesa da liberdade de aprender e ensinar e da autonomia universitária. Nos oito meses de governo Bolsonaro, as instituições de ensino e pesquisa, bem como as ligadas ao campo da cultura, têm sido constantemente atacadas com cortes que inviabilizam o futuro das universidades públicas, da pesquisa, e da produção cultural no Brasil. O governo também desrespeita a autonomia universitária garantida pela Constituição Federal ao nomear seis reitores não eleitos pela comunidade universitária em Instituições Federais de todo o país.
A ideia é que os manifestantes saiam de preto para protestar contra a atual situação da educação, da ciência, do meio ambiente e da democracia no Brasil.
1 – Em defesa do futuro da educação pública no Brasil e contra os cortes orçamentários que o comprometem.
“A previsão é que em 2020 o Ministério da Educação sofra ainda mais cortes do que neste ano. Segundo a proposta orçamentária apresentada pelo Governo de Jair Bolsonaro, o valor repassado ao MEC será 18% menor do que em 2019 — em valores absolutos, cai de R$ 122 bilhões para R$ 101 bilhões. O corte que vai se refletir em todos os níveis educacionais, do Ensino Básico ao Superior, incluindo a pesquisa. A Capes, no entanto, é o que mais sentirá os efeitos.
Só neste ano, o órgão de pesquisa vinculado ao MEC, que dispunha de um orçamento de R$ 4,25 bilhões, já precisou cortar mais de 6 mil bolsas da graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Em 2020, a verba do Capes cai para R$ 2,20 bilhões.
Essa previsão desconsidera ainda eventuais contingenciamentos que podem ser feitos ao longo do ano. Embora o orçamento do MEC fosse de R$ 101 bilhões para este ano, em maio ele sofreu uma redução de R$ 6 bilhões, que se refletiu principalmente nas universidades federais.
Cada uma delas teve 30% de suas verbas discricionárias bloqueadas, resultando em cortes em transporte, em hospitais universitários, mudanças nos horários de funcionamento para diminuir gastos com energia e até fechamento de restaurantes universitários. Algumas universidades como a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciaram que terão dificuldades de manter diversos serviços até o final do ano. Para 2020, a previsão é que só a UFRJ tenha mais 24% da sua verba reduzida em relação a esse ano. A estimativa é a mesma para a Universidade Federal de Brasília (UnB).
Outros setores do MEC também serão afetados. Os valores para Apoio à Infraestrutura para a Educação Básica, por exemplo, passam de R$ 606 milhões para R$ 230 milhões. Já o Inep, responsável pela elaboração do Enem, terá sua verba reduzida em 30%, de R$ 1,5 bilhão para R$ 1,1 bilhão.”
https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/governo-preve-mais-cortes-para-o-mec-em-2020/
2 – Em defesa da pesquisa e da Ciência no Brasil
O investimento em ciência, tecnologia e inovação é fundamental para o desenvolvimento de um país. É ele que possibilita que ele encontre soluções próprias para desafios técnicos, econômicos, sociais e políticos, sem precisar importar soluções estrangeiras, mais caras e menos eficazes para os problemas locais.
No Brasil, quase 100% das pesquisas científicas é feita nas universidades públicas e assim como em outros países desenvolvidos é financiada por dinheiro público. A Constituição Federal, através do artigo 218, assegura que é papel do estado investir nessas áreas. Países como a Alemanha vêm investindo pesadamente em pesquisa e nas universidades para garantir o crescimento.
Nos últimos anos, o Brasil vem ocupando posição de destaque no cenário internacional, fruto dos investimentos das últimas décadas. As áreas com o maior índice de impacto são as de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas — justamente as mais criticadas e consideradas de menor relevância pelo governo federal.
Na contramão desse movimento, o atual governo vem cortando e asfixiando o financiamento à pesquisa. Reduzindo cada vez mais o orçamento das principais agências Capes e CNPq, e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Como enfatiza a nota da Frente de pró-reitorias das universidades do Rio de Janeiro, o corte de mais de 50% das bolsas da CAPES inviabilizará a própria existência de diversos programas de pós-graduação, muitos deles os únicos existentes nas regiões mais necessitadas do país.
“Em outros casos, a falta de bolsas restringirá o acesso à pós-graduação aos filhos das famílias de maior poder econômico, privando um número expressivo de jovens da possibilidade de se dedicar à carreira científica e negando ao país o fruto dos seus talentos e dos seus esforços. O esvaziamento dos programas de fomento à pesquisa do CNPq paralisará laboratórios e grupos de pesquisa estratégicos em todas as áreas do conhecimento. A situação se agrava ainda mais pela instabilidade causada pelos persistentes rumores de que setores do governo cogitam até mesmo a extinção da agência. O quadro da FINEP, instituição vital nos campos da inovação e da infraestrutura em pesquisa, infelizmente é o mesmo. A persistirem os números previstos na PLOA 2020, portanto, os danos ao futuro da ciência no país deixarão de ser conjunturais, tornando-se estruturais e, em muitos casos, irreparáveis. A efetivação dos cortes orçamentários projetados para o próximo ano não levará apenas à evasão de muitos dos cérebros mais brilhantes do país para o exterior ou à redução da participação brasileira na produção científica mundial. Inviabilizará o sistema nacional de pós-graduação, ciência e tecnologia e significará condenar o país ao subdesenvolvimento, sabotar a soberania nacional e comprometer a qualidade de vida da nossa população.”
https://jornal.usp.br/artigos/o-cnpq-e-a-ciencia-no-brasil/
3 – Em defesa da autonomia universitária
A autonomia universitária e a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber estão garantidas pela Constituição Federal brasileira, nos artigos 206 e 207. Entretanto, nos últimos oito meses, o atual governo vem cerceando esse direito através de várias medidas tomadas tanto pelo ministro da educação, Abraham Weintraub, quanto pelo presidente, Jair Bolsonaro, colocando em risco a democracia no país.
O atual governo vem atacando a autonomia das universidades ao nomear reitores que não foram eleitos, como no caso da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e mais recentemente na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Cefet-RJ, Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Federal do Ceará (UFC).
Outra ameaça à autonomia universitária que paira no horizonte é o programa Future-se. No dia 17 de julho, o MEC apresentou o projeto cujo o objetivo seria possibilitar a autonomia financeiras das universidades, propondo para isso a criação de organizações sociais (OS’s) responsáveis pela captação de investimentos privados. Para ser instituído, o Projeto de Lei do Future-se visa a alteração de 17 leis em vigor na atuação legislação.
O PL em questão vem sendo analisado por diversas entidades que reúnem professores, estudantes, servidores técnico-administrativos, reitores, fundações de apoio às universidades e a avaliação prévia quase unânime aponta para o risco de que as alterações previstas no programa ataquem a autonomia das IES.
Para integrar o programa as universidades precisariam concordar em constituir uma OS e se adequar a um sistema de governança que permanece vago no PL, mas que faz alusão aos modos de funcionamento de empresas de capital aberto.
Outro ponto que gera dúvidas é a respeito do comitê gestor apontado pelo projeto com atribuições que parecem transferir as funções das atuais administrações para um órgão nacional. Contudo o PL não explicita como esse comitê seria formado.
4 – Em defesa dos Institutos de pesquisa e da liberdade de pesquisar e divulgar seus conteúdos.
O ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia, Inovação e Comunicações) exonerou no dia 2 de agosto o diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão. A exoneração ocorreu depois de ameaças do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de demitir quem quebrasse sua confiança.
Os ataques de Bolsonaro contra o cientista Ricardo Galvão começaram por conta da divulgação dos dados do desmatamento da Amazônia, que apontavam seu crescimento exponencial e a aceleração desde a posse do atual presidente. O ministro Marcos Pontes, apesar de reconhecer a seriedade dos dados do Inpe, chegou a afirmar, no dia 22 de julho, por meio do Twitter que compartilhava da estranheza de Bolsonaro em relação aos números apresentados.
O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em São José dos Campos (SP), tem produção científica crescente e de impacto acima da média nacional —metade dela produzida com parceiros internacionais importantes, como a Nasa (agência espacial americana).
O instituto publica, em média, um resultado científico por dia em áreas como astrofísica, engenharia espacial e sensoriamento remoto, o que inclui trabalhos sobre desmatamentos na Amazônia, alvo das críticas de Bolsonaro. Metade desses novos estudos é feita em parceria com instituições importantes mundo afora.
Mais do que isso, os estudos do instituto servem como referência para novos trabalhos científicos brasileiros e estrangeiros. A cada dez novas menções a pesquisas publicadas por cientistas do Inpe, quatro aparecem em trabalhos de pesquisadores de fora do Brasil. O CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica, na sigla em francês), o Max Planck (da Alemanha) e, novamente, a Nasa estão entre as instituições que mais citam o instituto.”
O presidente Jair Bolsonaro chegou a sugerir, no dia 4 de agosto, que ordenou ao ministro Marcos Pontes a exoneração de Ricardo Galvão. Questionado no Palácio do Alvorada, em Brasília, sobre se havia pedido a demissão de Galvão, Bolsonaro respondeu: “Está a cargo do ministro. Eu não peço [a demissão], certas coisas eu mando”, afirmou.
A SBPC reagiu às acusações de Bolsonaro em manifesto produzido durante a sua 71a reunião anual. Segundo o documento, “Críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no País e no exterior, são ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico”, afirmou a entidade.
5 – Em defesa da Amazônia
Após o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, desagradar o governo por divulgar dados sobre o desmatamento da Amazônia, as queimadas na região atingiram os piores índices dos últimos anos. Em julho, o desmatamento cresceu mais de 200% em relação ao mesmo período em 2018.
As declarações de integrantes do governo e do próprio presidente em negar o aquecimento Global, a importância das reservas indígenas, e da preservação do meio-ambiente abriram espaço para a intensificação das queimadas na Amazônia. As registradas em 2019 são as maiores dos últimos anos, e causou uma crise de dimensões globais, sendo noticiada em todo mundo.
6 – Em defesa da arte, da cultura e da liberdade de expressão
O caso da Ancine, Agência Nacional de Cinema, é um dos mais preocupantes que demonstram como a liberdade de expressão está ameaçada no Brasil.
A Ancine foi criada em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso e é responsável por aprovar diretrizes gerais para o desenvolvimento da indústria audiovisual e estimular a presença do conteúdo brasileiro nos segmentos de mercado.
Em 18 de julho, o presidente da República anunciou a transferência da agência, do Rio para Brasília, e tirou o Conselho Superior do Cinema do Ministério da Cidadania para colocá-lo na Casa Civil. Para justificar a decisão, o presidente criticou o conteúdo do filme “Bruna Surfistinha”, que narra a história de uma garota de programa.
Bolsonaro ameaçou ainda extinguir a agência, caso não possa ter, o que chamou de filtro: “Não pode dinheiro público ser usado para fins pornográfico.” Disse no dia 19/7 em evento no Ministério da Cidadania.
As declarações são vistas por artistas e críticos como uma tentativa de censura. No dia 6 de agosto, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, declarou que o governo vê a necessidade de alinhamento do “produto” da Agência Nacional de Cinema (Ancine) “com um sentimento cristão”. Ele disse que o presidente está analisando todas as possibilidades em relação ao futuro da agência.
“— É muito importante que o produto da Ancine esteja alinhado com o sentimento da maioria da nossa sociedade, um sentimento de dever, de cultura adequada, um sentimento cristão — afirmou.”
As mudanças na Ancine teriam de ser feitas por medida provisória ou projeto de lei. Se confirmada pelo Congresso, ela pode aumentar, na avaliação de produtores culturais, a ingerência do Poder Executivo na destinação de recursos para obras audiovisuais. O esforço de ingerência também passaria pela transferência dos diretores da agência reguladora para Brasília.
Há também o medo de que a crise da Ancine prejudique o setor audiovisual nacional, privilegiando produções estrangeiras.
7 – Estar na rua é um direito democrático e não podemos abrir mão dele
O atual governo dá sinais a cada dia de que não respeita o sistema democrático que o elegeu. Ameaças de cortar o ponto de professores que se manifestarem contra o governo, homenagens a ditadores, tentativas de interferência na comissão de tortura e recentemente a disponibilização da Força Nacional de Segurança Pública para atuar nas manifestações do dia 13 de agosto, a pedido do MEC, têm dado o tom do governo Bolsonaro e da gestão de Abraham Weintraub à frente do Ministério da Educação. O direito à manifestação, entretanto, está previsto no artigo 5o da Constituição Federal de 1988. Já o direito a uma educação pública e gratuita está previsto no artigo 206. O artigo 218 garante ainda que é dever do estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
A Constituição Federal de 1988 é uma conquista da democracia brasileira e precisa ser respeitada e defendida, assim como os direitos que ela assegura.
https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_18.02.2016/art_218_.asp