2018 e as deputadas eleitas: históricos, diferenças e projeções, por Carolina Tostes
O Boletim #2 está no mundo!
Que tal conferir um pouco mais das temáticas abordadas?
No sexto texto “2018 e as deputadas eleitas: históricos, diferenças e projeções” (p. 38-44), a graduanda em Ciências Sociais Carolina Tostes analisa nomes de personagens femininas importantes que surgiram, ou se consolidaram politicamente, a partir de 2018
Confira o texto abaixo!
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2018 e as deputadas eleitas: históricos, diferenças e projeções
Carolina Tostes [120]
Resumo O presente texto é parte da pesquisa do Projeto de Monitoramento Eleitoral 2022 e tem por objetivo analisar nomes de personagens importantes que surgiram, ou se consolidaram politicamente, a partir de 2018. Para isso, nesse segundo boletim, mulheres de diversos campos político-ideológicos eleitas nas últimas eleições para os Legislativos foram citadas e analisadas dentro de suas trajetórias e posicionamentos, com o objetivo de demarcar suas semelhanças e diferenças no que tange às ideias de gênero e de ocupação feminina na política. Matérias de jornais, entrevistas e declarações públicas foram usadas como material para a construção dos argumentos a seguir.
2018: marcos de uma eleição disruptiva
Como já dito no boletim anterior121, 2018 foi marcado pelo surgimento de novos atores e mudanças de comportamentos eleitorais importantes para a política brasileira. Homens e mulheres nunca votaram de forma tão diferente, as eleições foram caracterizadas por atos massificados de apoio e rejeição ao atual presidente Jair Bolsonaro e diversos personagens ganharam expressão na vida institucional sendo eleitos para cargos importantes. A bancada feminina na Câmara dos Deputados expandiu-se: as mulheres passaram a representar 15% dos parlamentares – um aumento de 72,4%, face aos 8,7% da legislatura anterior.122 Vários partidos, movimentos sociais e articulações compõem o pano de fundo dessa transformação.
Desde 2016, diversas figuras receberam espaço na arena política. Nomes como Janaína Paschoal (PRTB/SP), jurista, atual deputada estadual de São Paulo e uma das responsáveis pela protocolização do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, tiveram grande importância não só no processo burocrático do momento, como na agitação da base apoiadora. Carla Zambelli (PL/SP), Joice Hasselmann (PSDB/SP) e Bia Kicis (PL/SP) são outros dos muitos nomes que, em diferentes níveis e momentos, ajudaram e ajudam a sustentar o que chamamos de bolsonarismo no Brasil. A intenção do presente texto é observar o discurso e movimentações dessas mulheres, a partir de uma retórica antifeminista e reacionária, servindo como grandes alicerces na aplicação e ampliação de medidas conservadoras e neoliberais nos últimos 5 anos da política brasileira.
Por outro lado, partidos dentro do espectro da esquerda, como PT, PSOL, PCdoB, elegeram e reelegeram deputadas por todo o Brasil como forma de resposta e resistência a esses ataques aos movimentos sociais e retrocessos. Um dos principais marcos dessa virada é o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, meses antes das eleições. O entendimento do crime como uma violência política que foi concomitante com o momento vivido, com uma eleição violenta, polarizada e decisória, teve como resposta uma votação expressiva em mulheres, principalmente negras, periféricas, LGBTQUIA+ e etc. Dessa forma, nomes como Talíria Petrone, Renata Souza, Mônica Francisco, Dani Monteiro, Áurea Carolina são quadros políticos que se elegeram em 2018 dentro de uma reivindicação de mais espaço no campo progressista.
NAS RUAS E NO CONGRESSO: DUAS AGITADORAS CENTRAIS PARA O GOLPE
Janaína Paschoal, como citada anteriormente, foi uma peça central para a articulação e consolidação do impeachment em 2016. A advogada marcou presença em diversos eventos com discursos acalorados de apoio ao processo e mobilizou em suas falas temas que se tornaram presentes no nosso cotidiano desde então. Afirmações como a de que o impeachment poderia ser o ‘’remédio constitucional’’ que o país precisava, usando elementos como Deus e a força do povo brasileiro na defesa da pátria foram centrais em sua defesa.123
Simultaneamente, Carla Zambelli, até então anônima, tornou-se uma das grandes lideranças do movimento pró-impeachment ‘’NasRuas’’, estreando a cultura do uso de bonecos infláveis de seus opositores, de forma vexatória, nesse tipo de manifestação.124 A partir daí, entre envolvimentos em polêmicas com Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e parlamentares de outros campos, a antiga gerente de projetos ganhou notoriedade como uma grande defensora do juiz Sérgio Moro e sua atuação na Lava Jato e da posterior campanha presidencial de Bolsonaro.
Carla e Janaína foram eleitas deputadas federal e estadual, respectivamente, no estado de São Paulo em 2018, ambas pelo Partido Social Liberal (PSL), naquele momento, também composto pelo presidente. Hoje, a primeira se mantém como uma grande apoiadora do governo federal, alinhada em votações e defesa de agendas de reformas e projetos de lei, como veremos a seguir. Por outro lado, a jurista se coloca como uma grande crítica de Bolsonaro e seus apoiadores, mas mantendo o alinhamento político no discurso com determinadas pautas e se envolvendo frequentemente em discussões controversas nas redes sociais.
2018 E A ONDA DE DIREITA NO LEGISLATIVO
Além de Paschoal e Zambelli, diversas outras parlamentares foram eleitas em 2018 junto da onda bolsonarista que estava em curso no país. Bia Kicis, Major Fabiana, Alê Silva, Chris Tonietto, Aline Sleutjes e Caroline de Toni são apenas alguns dos nomes de deputadas alinhadas com a gestão atual. A partir disso, pesquisas do último ano constataram que de 77 deputadas mulheres, 55 votaram com o governo pelo menos na metade das vezes125, demonstrando uma verdadeira disputa de espaço com as mulheres representantes de pautas progressistas.
Essa base feminina é de importância central para a manutenção das políticas neoliberais e conservadoras características do governo Bolsonaro. O apoio a Arthur Lira na eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2021126 e o impulsionamento de outros projetos como o ‘’homeschooling’’127 são exemplos de articulações desse grupo que se refletem não só em meros discursos que validam e legitimam ações problemáticas, mas, também, interferem diretamente nos rumos da política brasileira.
JOICE HASSELMANN E O ROMPIMENTO COM O GOVERNO
Vale também citar o nome de Joice Hasselmann, deputada federal mais votada na história do Brasil, com mais de 1 milhão de votos128. A jornalista de formação foi uma das figuras que entraram em cena nessa mesma sequência de acontecimentos entre as manifestações contra o governo da presidenta Dilma, defesa da Lava Jato e eleições de 2018. Hasselmann adquiriu grande influência com seu alcance nas redes sociais, sempre colocando-se como uma liberal na economia e conservadora nos costumes, e concorreu à Prefeitura de São Paulo em 2020, terminando em 7º lugar.
Em 2020, a deputada inicia seu processo de rompimento com o governo Bolsonaro129, inclusive assinando um pedido de impeachment unificado por diversos campos contra o presidente e sendo considerada hoje uma traidora pela base do mesmo. Apesar da movimentação atual, ela se considerava amiga íntima de Bolsonaro e foi uma grande influenciadora de propagação de fake news e campanhas que ajudaram a elegê-lo.
AS MULHERES DE ESQUERDA E SUAS LUTAS HISTÓRICAS
Os anos 2000 foram marcados pelo o que chamam de Primavera ou Onda Rosa, momento em que diversos governos progressistas chegaram ao poder em várias partes do mundo e principalmente no Sul global. Junto disso, os debates envolvendo direitos de minorias, como população negra, LGBTQIA+ e mulheres, foi ganhando ainda mais espaço e organização na agenda de políticas públicas e reivindicações sociais.
A partir disso, os debates sobre temas historicamente reivindicados por feministas, como legalização do aborto, têm se tornado cada vez mais candente por todo o mundo, com a descriminalização sendo votada e aprovada em diversos Congressos130 – em contramão a esse momento, dia 24 desse mês, a Suprema Corte dos Estados Unidos suspendeu o direito constitucional ao aborto no país131. Além disso, deputadas como Talíria Petrone (PSOL/RJ) têm debatido o tema do cuidado materno como contabilização para aposentadoria de mulheres no Brasil, entendendo seu papel de reprodução da vida social.132 Entre novos e antigos nomes, a esquerda brasileira se mantém, também no campo institucional, como oposição a projetos conservadores e representante de políticas de diminuição de desigualdade e reconhecimento de direitos de grupos vinculados às lutas sociais.
DISCURSOS ATUAIS E DISPUTAS PARA O FUTURO
Para além das já citadas, poderíamos pensar em diversas outras figuras que entraram em destaque na defesa de discursos antifeministas e conservadores pelo país, como Damares Alves, que ocupou o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos até março deste ano. Entre cargos importantes no governo ou papéis públicos de agitação e divulgação, essas mulheres, em conjunto com as parlamentares e tantas outras apoiadoras de base do golpe e da eleição de Bolsonaro133, reafirmaram o lema de ‘’Deus, pátria e família’’ sob diversas polêmicas envolvendo direitos reprodutivos, igualdade de gênero e sexualidade.
Para além disso, é importante pensar que a mobilização desses temas também tem reflexos em todos os processos de enfraquecimento ou fortalecimento das instituições democráticas do país. O diálogo feito por esses grupos com as mais diversas bases de apoio constitui um forte campo para o governo, principalmente no que diz respeito à contra-argumentação com a esquerda em temas ainda sensíveis e distorcidos para a população geral, na forma das já conhecidas fake news.
Entender essas mulheres como agentes políticos com autonomia para exporem seus posicionamentos e identificação com determinados pensamentos ou formas de fazer política, opondo-se ou alinhando-se com determinadas linhas ideológicas do governo, seja nos debates econômicos, sociais ou culturais, deve ser um ponto fundamental para entender como elas se articulam. Reconhecer o debate de gênero a partir de todas suas implicações em outros espaços da vida social é uma peça importante para pensar as projeções para o futuro da democracia brasileira, a partir da identidade e de discursos de certos agentes como as mulheres de direita e esquerda, principalmente aquelas que ocupam cargos de poder público.
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[120] Carolina Tostes é graduanda de Ciências Sociais na UFRJ e pesquisadora do NUDEB/IFCS.
[122] https://ppgcs.ufrrj.br/laboratorios-de-pesquisa/lappcom/mulheres-eleitas/
[128] Joice, com 1.078.666 votos, ficou apenas atrás de Eduardo Bolsonaro, eleito com 1.843.735 votos, também pelo PSL na época.
[133] https://catracalivre.com.br/cidadania/grupo-mulheres-com-bolsonaro-reune-mais-de-200-mil-pessoas/